O buraco de onde o humanoide tinha saído, que nada mais era que um cubículo minúsculo atrás de uma parede falsa e que estava selado por dentro e por fora há décadas, estava vazio. Pela teoria de Linden, o rapaz escondeu-se ali quando o Império tomou aquela cidade e, por alguma razão, não chegara a ter noção que a República tinha voltado a empurrar a fronteira entre as duas nações para o seu lugar original, a sudoeste.
Demorou duas semanas de subornos, contrabandos e reuniões clandestinas para conseguir a tecnologia necessária para aceder ao Cérebro Externo. Linden tinha tido dificuldade em encontrar um colecionador ocioso que tivesse uma CODERU funcional, mas agora o Jay tinha tudo o que necessitava para aceder ao que estava no Diário de Memórias.
— Conseguiste mais algum relatório, Kam?
A mulher nem se importou com o bafo perto do ouvido e continuou a teclar.
— Não. A última coisa que li foi que desligaram o circuito artificial dos sobreviventes e que deixaram os órgãos humanos a trabalhar até ao fim do seu período de vida. Não encontrei nada sobre o que aconteceu aos prisioneiros de guerra nem aos soldados que não foram recuperados.
Linden suspirou e olhou sobre o ombro quando bateram à porta daquela sala escura. Era o Jay.
— Continua o bom trabalho. Avisa se conseguires mais alguma coisa.
— Com certeza, chefe — Kam abanou a mão sem sequer olhar para trás, levando o inspetor Brittia a revirar os olhos antes de seguir o amigo.
Os dois homens deixaram a porta da sala escura encostada e seguiram o corredor até às escadas
— Devias ensinar-lhe maneiras — disse Jay, já no piso térreo do seu consultório. Tinham decidido acomodar toda a equipa no edifício para evitar olhos curiosos tentassem descobrir o que andavam a fazer em segredo.
— Desde que ela obtenha resultados, posso aturar a sua atitude. O que é que tens para mim?
— Consegui alguns fragmentos.
Linden encheu-se de entusiasmo e seguiu o amigo até ao escritório.
— Havia três frequências aqui dentro — apontou Jay ao sentar-se em frente ao computador ligado à CODERU.
Linden encostou-se a um armário, de frente para o ecrã do computador.
— Memórias de três indivíduos diferentes? No mesmo Cérebro?
— Sim. Não é impossível, desde que saibam a palavra passe que quebra o selo de proteção do dispositivo. — Os dedos do médico mexeram-se sobre o teclado. — Os fragmentos não estão por ordem e não sei a quem é que pertencem. Provavelmente nem sequer estão completos.
— Passa — pediu o inspector.
O Jay assim o fez.
"Solhangar"
— É a palavra que usavam como espécie de separador de memórias. Era o apelido do inventor dos humanoides, que levou o segredo das suas criações para o túmulo. Todas as memórias que iam para o Cérebro Externo começavam e acabavam com isto — esclareceu o Dr. Fisht.
O observador respirou fundo e saiu do vestíbulo, caminhando por um corredor sumptuoso até uma pesada porta, que abriu com cuidado. Depois de se esgueirar para o interior da sala em silêncio, fechou a porta e circulou pelas laterais para não interromper a reunião que estava a decorrer. Mal levantando os olhos do chão, o observador tentou fixar as caras dos homens e mulheres com uniformes de oficiais do Império.
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Aquilo que o inspetor Linden encontrou no caminho para casa ✔
Short StoryA guerra é um acontecimento terrível. Mesmo que esta acabe, as cicatrizes e os danos que servem como prova da sua existência ficam bem visíveis por décadas. Já faz quase um século que a guerra entre o Império e a República terminou, mas as cidades f...