Nova Vida

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Eu sempre fui um homem de muitos amigos, muitas festas e mulheres. Sempre sorrindo e fazendo alguma coisa, da qual meu pai ficava maluco. Pagava diversas garrafas em baladas, convidava as mais bonitas e já fiz chuva de dinheiro com dez mil reais. Era o que as pessoas chamavam de podre de rico. Mas, quando fiquei internado, pela lista de visitas, ninguém foi me visitar.

O Léo ligou, pediu para que quando eu acordasse retornasse, pois estava impossibilitado de ir até lá. Porém quando retornei a ligação do hospital, seu número caiu direto na caixa postal. Quando acordei me dei conta de que não tinha amigos e nem mulheres, tinha apenas dinheiro que compravam eles. O problema, era que eu não conseguia achar isso errado. 


Quando chegamos na casa, após uma viagem de vinte minutos em silêncio tive a sensação que não era bem-vindo ali. A garota ranzinza, não parava de me olhar pelo retrovisor e bufar, enquanto o velho sorria e balançava a cabeça. Não entendo o motivo do seu ódio tão grande, tudo bem que eu não sou o tipo de pessoa mais sociável e simpática, mas foi ela que me acordou com um pedaço de madeira.

Desci da camionete e pisei na lama molhada, afundando um pouco meu tênis.

—Parabéns, Philipe. — Resmunguei.

É uma fazenda enorme com um tratores velhos parados ao lado da ilustre casa. Como se fosse construída em 1889, uma arquitetura espetacular. Amo as casa antigas, são tão rústicas. Algumas galinhas estavam soltas e dois cachorros andavam em volta da casa.

Ao horizonte, dava para perceber que aquilo era grande, muito grande .Ele tem gado, e pelo pouco que conheço da vida rural e seus negócios, esse homem não era um homem pobre. Olhei para a garota, que pegava uma corda enrolada e colocava no ombro, disposta e ativa ajeitou a corda no ombro e me olhou.

— Vem - O homem chama e transfiro meu olhar pra ele - Vou mostrar minha dona e ela irá dar uma troca de roupas e o que encher essa pança — Sorriu animado.

Ele parecia me querer ali, ao contrário da sua filha que virava os olhos toda vez que me olhava. Os cachorros me viram, e começaram a andar na minha direção. Dois pastor alemão, seria um estrago se o velho o deixassem chegar até mim, parei acanhado e me coloquei atrás dele. Esses animais são enormes e a minha presença não estava sendo agradável, o que não é uma novidade.

— Está com medo ? — A menina gargalha, achando graça do meu medo.
Virei os olhos e vejo ela sorrir pela primeira vez.

— Seria um favor, que a Sandy e o Ruffous faria, se o mordesse — Piscou cínica pra mim, passando no meio dos cachorros e os levando pra longe enquanto acariciava as enormes cabeças.

— Nome dela é Paola — Falou quando percebeu meu olhar a seguindo — Ela é mais doce que essa caipira irritada que ocê conheceu. Ela não foi com a sua cara — Avisou, como se eu já não soubesse. Continuamos andando.

— Percebi. Normalmente ninguém vai, mas não me importo — Dei os ombros e ele levantou as sobrancelhas, sem dizer nada.

Quando entramos na casa, já sentia o cheiro de comida fresca e caseira, que fez meu estômago reclamar de novo. Tudo naquela casa parecia ser feito com madeira, quadros de fotos da família e provavelmente de seus ancestrais. Logo na entrada uma escada enorme que se divide em duas depois de alguns degraus. O velho limpou as botas sujas e eu fiz o mesmo, passamos pelo hall e entramos na sala, vejo uma lareira apagada a pouco tempo, pois ainda sentia o cheiro da fumaça, outro pastor alemão descansava no tapete enfrente a lareira profundamente. Os sofás são visivelmente aconchegantes e macios, as minhas costas imploram por um descanso neles.

Ele me levou até a cozinha, que também é grande. Um fogão a lenha e panelas velhas, uma mulher de costas pra nós prepara uma comida que cheira muito bem. O mesmo que eu senti quando entrei.

Cabelos negros soltos, deslizando até metade das costas e usava um vestido de flores. 

— Querida, trouxe visita — O velho disse e ela se virou.
Abriu um sorriso estonteante assim que me viu, usava um avental um pouco sujo de molho e veio na minha direção.

— Nossa, está amarelo. Onde o achou? Na beira da estrada ? — Me olhou preocupada.

— Dormindo na estação.

Percebi ela olhar para os meus pontos na cabeça, me senti incomodado com aquilo. Não queria contar a ninguém sobre o que houve. Seus olhos abaixaram para o meu corpo e o observou com atenção, em seguida olhou profundamente nos meus olhos. Indicou para que eu me sentasse na mesa grande de madeira e ela faz o mesmo.

— De onde você é ? — Perguntou.

— Leblon. No Rio de Janeiro — Respondi, me arrependendo.

— Leblon... — Olhou para o velho e voltou o olhar pra mim — Espero que ocê tenha gostado daqui. Qual o seu nome?

— Quantas perguntas, mulher. Logo o garoto galopeia pra longe — Reclamou se levantando, indo até as panelas.

— Philipe. - Respondo.

— Hum — Sorriu e pousou as suas mãos nas minhas.
Ela me olhava com os olhos esbugalhados, de dar medo. Era como se me quisesse ali, como se me conhecesse. Sorri sem graça então ela se levantou indo até o marido.

— Quantas vezes vou ter que dizer procê não mexer nas panela, Roberto? — Brigou, dando um tapinha na mão do velho.

— O muié complicada — Virou-se pra mim e sorriu — Vá até lá com a Paola, ajuda ela e quando o almoço estiver pronto, eu chamo ocês.

— Vou trabalha ? — Olhei incrédulo e pude ouvir o risinho baixo da mulher enquanto mexia algo na panela.

— Uai, nunca trabalho na vida homi?

— Pensei que iria me dar o que comer e eu poderia ir embora — Dei os ombros, falando o óbvio.

— Perguntei se ocê nunca trabalhou — Insistiu cruzando os braços.

— Não.

— Então vamos uai, só hoje. Pra viver lá na cidade, vai precisar saber fazer algo. Não estamo no Reblon.

— Leblon — A mulher o corrigiu antes de mim e sorriu novamente.

Ele me puxou pelo braço e foi me levando pra fora novamente.

— Paola deve estar lá — Apontou para um estábulo — Os meus cavalos ficam ali, vai lá.

— Ela vai me matar — Resmunguei.

— Que matar ocê, ela não mata uma formiga trem.

Comecei a caminhar até o estábulo, que ficava a alguns metros. Vejo a mulher dele me observar pela janela, com o mesmo sorriso que eu não recebia a anos, da minha mãe. Chegando perto, respirei fundo e me preparo para o esporro da ranzinza. Quando entro, vejo ela escovar os pelos de um cavalo preto feito carvão, ela estava encima de uma pequena caixa de madeira enquanto conversava com os pelos brilhantes.

— Cada vez mais perfeito, trovão. Você tem que melhorar, amigão.

Quando notou minha presença, parou de falar imediatamente. Parecia que toda vez que ela me olhava, soltava um suspiro irritado. Comecei me sentir incomodado com aquilo.

— Não queria estar aqui, seu pai que me mandou. - Aviso.

— Te perguntei alguma coisa, garoto ? — Desceu da caixa, levando o cavalo de volta ao seu lugar.

Tinha mais três cavalos lá, dois marrons e um branco. Todos bem cuidado, e mastigando alguma coisa.

— Nunca viu cavalo ? — Se aproximou, com uma fivela na mão.

— Meu pai, tinha um sítio — Me aproximei de um marrom e estiquei a minha mão — Tinha um cavalo chamado, Louis. — Acariciei o cavalo.

— O que você veio fazer pra cá? - Perguntou de repente.

— Não sei. Odeio mato — Olhei pra ela, que me encarava sem expressão alguma.

— Vou dar uma dica pra você, ou se acostuma aonde você está ou vai embora. Eles gostaram de ter você aqui e isso me incomoda, porque conheço homens do seu tipo. Acham que são donos do mundo só porque andam em uma lataria do ano.

— Eu te incomodo tanto, não é? Sabe como chamam isso lá de onde eu venho? — Sorri provocativo e ela virou os olhos.

— Me incomoda porque é um playboy mimado. Aqui não tem espaço pra você nem pro seu ego, se quer conviver conosco é melhor pensar bem no caso. Eles não são uns quaisquer que você usa para encher essa sua barriga. — Jogou as fivela na minha mão — O nome dela é Nina, vê se pensa no que te falei. Você não é obrigado a ficar aqui, muito menos a me aturar e vice versa, só não quero que magoe eles. Já que foi expulso de onde mora, provavelmente, deve ter esse dom.

— Você não me conhece — Trinquei os dentes irritado. A garota realmente quer me tirar do sério.

— Não precisa de muito pra saber o que você é. — Deu os ombros e saiu do estábulo.

Olhei para a Nina e ela parecia estar olhando pra mim também. Era apaixonado por cavalos, até meu pai vender o maldito sítio junto com o Louis. Eu só tinha quinze anos, e aquilo mexeu comigo o bastante para me tornar um completo rebelde. Era tudo o que eu amava, meus bichos, meu cavalo e aquele lugar. Lá é onde  eu tinha as lembranças mais fortes da minha mãe, ainda quando parecíamos uma família. E ele jogou tudo pro alto, como se nada mais importasse. Como se quisesse de livrar de qualquer coisa relacionada a ela.

Abri a portinha e trouxe a Nina pra mim, a selei e subi nela. No começo ela se mexeu um pouco e quase me derrubou.

— Calma garota — Acariciei seu pescoço — Vamos só dar uma volta, tá bom ?

Começamos a cavalgar lentamente, ela é dócio e anda como se fosse égua da realeza. Fiz com que ela corresse mais um pouco e começamos a cavalgar. Senti o vento no meu rosto, ver as árvores novamente e ter aquela sensação de ser livre. Senti meus olhos encherem de lágrimas, ao me lembrar dela novamente, as lágrimas escorriam na minha bochecha e eu pela primeira vez, as deixava já que não tinha ninguém para me olhar como se eu fosse um fraco.

 É doloroso a falta que ela me causa, a saudade machuca tanto que a vontade de viver ia sumindo aos poucos. Sentia, como se nunca mais fosse ser feliz de novo, não como eu era, não como ela me fazia.

Voltamos novamente para o celeiro e a coloquei de volta no seu lugar.

— Você é uma boa garota Nina, boa garota — A acariciei novamente e sai dali, indo em direção a minha nova vida.

Philipe FerreiraOnde histórias criam vida. Descubra agora