De volta pra casa

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Por algum motivo do qual eu desconheço, a minha volta a cidade seria de helicóptero. Não que eu não estivesse acostumados com esse tipo de transporte, mas há meses meu pai cortou todo tipo de regalia que o dinheiro pudesse me proporcionar. Estranhamente, eu senti vergonha de um helicóptero pousar na fazenda, sendo que seria poucas horas de carro. 

Termino de fechar a minha mala e já sinto saudade desse lugar. Mas não sou digno de estar aqui, nesse quarto e com essa família. Gostaria de não estar dirigindo o carro aquela noite, ou que fosse eu, não faria tanta falta assim igual o Pedro faz a família, um pouco mórbido, eu sei. 

Caminho até a varanda, após ouvir um cavalo relinchar, e não é qualquer cavalo: é o trovão. Paola tela tira-lo do estábulo, mas ele se recusa. Abaixa a enorme cabeça, e a puxa de volta. Tão forte, tão jovem e está relutando em aproveitar a vida... Não me compare ao cavalo, eu não estou tão forte.

Paola desiste e encosta a testa no cavalo do irmão, beija lentamente e diz algo pra ele. E é como se eles se entendessem, quando o pelos brilhantes volta ao estábulo.

Ela é a garota mais incrível que eu já conheci em toda a minha vida, e olha que eu já conheci umas que outros dariam a vida para ter. E eu não vou usar a típica frase: me apaixonei pela garota que não deu a mínima pra mim. Eu estaria sendo um completo mentiroso.

A diferença dela e das outras garotas é que a Paola não é fútil, não é frágil e não liga para o que os outros pensam. Ela é uma mulher forte, e extremamente cuidadosa com a família e com aqueles que ama, ela não é só um rosto bonito, ela é muito, muito mais do que isso e espero que saiba disso. 

- Está pronto, querido? - Escuto Sandra e viro imediatamente. 

Seu corpo magro está parado no batente, os pés atrás da linha e um rosto triste. Ela não entra no quarto dele, percebi isso nas primeiras semanas, ela nunca passa do batente. 

- Estou. - Responde. Caminho até onde ela está.

- Roberto pediu para descer. - Dá uma olhada no quarto e volta aos meus olhos. 

- Eu trocaria de lugar com ele, saiba disso, por favor. 

- Não. Não, querido, eu jamais desejaria isso. Pedro era dono de si. Mas coração de mãe, né? Dói muito, rasga de dentro pra fora. Agora vamos, Roberto quer falar com ocê e eu preparei um cházin procê também.

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- Você tem certeza do que está fazendo? - Ele pergunta enquanto caminhamos.

- Melhor eu ir.

- Não falo sobre isso, garoto. Digo sobre esse trem que ocê tem. Ocê ir embora é burrice, mas estou me acostumando com as suas decisões erradas.

Solto uma risada inalada e ele faz o mesmo.
Eu o adoro.

- Sabe Roberto, tenho demônios que invadem a minha cabeça e não consigo mais controla-los e resolvi aceitar que eu sou o próprio. 

- Uai, ocês jovens são dramáticos. Acha que é o único que dirigiu bêbado? Não é e nem vai ser o último. Acha que nunca precisei ir buscar o Pedro nos policia? Hum, sempre a mesma história de que foi só um golin. Nós, pais, estamos aqui para ajudar, até falamos procês como agir e qual caminho ir, mas ocês são teimoso demais. Quem dera se não fossem, Philipe. 

- Quem dera - Suspiro.

- E mesmo que ocês não escutem, nós falamos mesmo assim e eu vou dar um conselho a ocê, que eu daria ao meu menino: não desperdice mais um segundo da sua vida. Viva intensamente, toma um banho de chuva, se banha no rio e anda a cavalo. Sorria mais e reclame menos, a vida não é tão longa assim procê desperdiçar nos vintes minutos do primeiro tempo. A vida não é esse casulo que ocê se espremeu dentro. A vida, garoto, não é a vilã. Ela está aqui procê, de mãos estendidas para ocê viver maravilhosamente as aventuras, e depende só docê quebrar esse casco e abrir os braços pra ela. Ocê é amado, mas ocê acredita nisso?

O barulho das hélices se aproximam e antes que eu o respondesse, viramos o pescoço na direção que a aeronave começava a perder altitude. Eu reconheceria de longe, já que na lateral está o brasão da minha família.

- Garoto, eu tenho uma pergunta procê...

- Sim. - Viro pra ele, ainda emocionado pelas suas palavras.

- Como esse trem voa? - Questiona indignado - Mas que diacho.

- Belo meio de transporte, playboy. - Paola chega de repente.

- Não chore. Eu sei que está querendo. - Zombo e ela vira os olhos. Sandra para ao lado do marido.

- Boa viagem, querido. Ocê é bem-vindo quando quiser voltar pra nós. 

- Obrigado. De verdade, obrigado por todos vocês. 

- Senhor Philipe, a aeronave está pronta. - Um dos seguranças se aproximam. 

- O moço, posso falar com o pilota dessa joça? - Roberto pede e nós rimos, eu autorizo e o segurança o acompanha até o helicóptero. 

Sandra se aproxima, e fica nas pontas dos pés pra beijar a minha testa. Seus dedos quentes deslizam pelo meu rosto e ela me da um sorriso maternal amável. Beija a minha bochecha e deixa eu e Paola a sós.

- Está feliz? - Ela pergunta, de repente.

- Se eu disser que não, estarei sendo ingrato?

- Porque ingrato?

- Tem a porra de um helicóptero me esperando e eu não consigo estar satisfeito.

- Vou sentir a sua falta, Phil. - Suspira triste. 

- Pode ir me visitar, sabe disso, não é? 

- E deixar os meus pais sozinhos por mais de vinte e quatro horas? Nem em sonho. E eles não tem boas lembranças de filhos indo para o Rio de Janeiro. 

- É. - Uma corrente fria sobe pelas minhas pernas. - Eu tento visita-los.

- Promete?

Eu queria prometer o mundo a ela, queria prometer uma vida. Mas eu não posso.

- Prometo que vou tentar, pode ser assim?

- Melhor do que nada. - Da os ombros.


Philipe FerreiraOnde histórias criam vida. Descubra agora