Philipe Ferreira

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No final, ele tinha razão. E eu o odeio por isso. 

Sua doença não teve dó. O dilacerou de dentro para fora sem pena. Mesmo que nos seus últimos dias, os seus olhos suplicassem para ficar, nós sabíamos que ele iria partir. Em menos de um mês que ele se foi da fazenda, as coisas pioraram.

Partiria com o perdão entre ele e o pai, partiria com o perdão da nossa família e mesmo assim, ele insistia em pedir perdão a Deus. Por desperdiçar o presente lhe dado e por tirar a vida de um filho. Philipe tinha um ótimo e doce coração, e foi uma pena ele descobrir isso nos seus últimos momentos de vida. 

Mesmo que ele tivesse tomado os malditos remédios, sua vida tinha um prazo de validade. Não adiantaria, apenas o torturaria com a ideia de que talvez, ele ficasse.

Só Deus sabe o quanto me rasga a esperança de que ele pudesse ficar. Sinto-me pequena, fraca e atacada. 

Seus amigos sumiram, apenas Léo nos acompanhou e compartilhou risadas. Nos deu felicidade com suas piadas e histórias enquanto passávamos por uma tormenta. 

Deus, eu clamo, deixe-o ficar.

Não acho que não fui escutada, apenas acredito que tive sorte em conhece-lo. Conhece-lo verdadeiramente, entende? Conhecer a sua alma, seus medos e fraquezas. Eu o conheci por inteiro. 

Pablo comprou a fazenda de volta, e ofereceu o triplo pela qual foi vendida. Levamos Philipe lá, em sua cadeira de rodas, seu corpo magro e lábios ressecados. Foi a última vez que eu o vi sorrir, a última vez que seus olhos brilharam com tanta força. Louis vem trotando, um digno cavalo da realeza. Foi um fim de tarde incrível, do qual eu sentirei saudades pelo resto da vida.

Eu vi seu pai chorar sozinho, de joelhos na grama úmida, sem se importar com seu luxuoso terno estar lamacento. Ele abre os braços e levanta as mãos, seus ombros tremem assim como todo o seu corpo. Se um dia alguém me perguntasse o que é o desespero, eu lembraria dessa imagem. Em seguida, vejo sua testa encostar no chão e ele depositar sequências de socos na grama. Enfurecido, impossibilitado, impotente. incapaz de aceitar a atual situação do seu único filho. Ver um homem tão grande e poderoso chorar de joelhos, é forte pra cacete.

Vi Léo ajoelhar ao lado da cama do amigo hospitalizado, inconsciente e orar. Mesmo que ele fosse ateu.

Ver meus pais, lembrou-me do dia em que descobrimos sobre August. E não houve um dia do qual, mesmo sem forças e fôlego, Philipe beijava toda extensão do meu rosto enquanto me pedia perdão. 

Sua última conversa com meu pai, foi confusa pra mim, mas não pra eles. Falaram sobre ter aproveitado a vida, e enquanto uma lágrima rasgava o rosto do Phil, ele suspirou antes de dizer: Merda, velho. Eu não aproveitei nada.

Espero que onde quer que ele esteja, saiba que foi amado. E que o buraco que deixou em meu coração será eterno, contudo, fico em paz por poder ama-lo e ser amada por ele. 

Seu último pedido foi que eu conhecesse Leblon, que sentasse na areia e observava as ondas. Contou-me sobre a sua curiosidade e admiração nelas, e agora, enquanto enterro meus pés na areia morna do Leblon, observo as ondas se quebrando enquanto outras vem logo atrás. Ele poderia se achar insignificante, mas nesse mar imenso que é a vida, ele foi a onda mais linda que eu já vi.

Philipe FerreiraOnde histórias criam vida. Descubra agora