NOVE

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Morgan
   Quem acredita que os mortos-vivos não pensam está errado. Pelo menos em relação a uma garota zumbi em particular, como podemos ver...
  Eu provavelmente estava perdida, desde o dia em que fugi da garota loura que me ajudou a escapar daquela execução e me enfiei em um túnel que não tinha absolutamente nada, nem ninguém! Minto! Na noite em que eu entrei havia alguém, mas eu nunca soube quem. Nem mesmo chegamos a nos reencontrar, diga-se de passagem!
Meus dias, a partir daí eram basicamente andar sem rumo pelo túnel e seus infinitos corredores! Eu tinha fome o tempo todo! Muita fome, mesmo! Às vezes eu dava sorte e encontrava algum rato e o devorava cheia de avidez! Porém, por muitos dias eu não achava nem ratos e ficava sem me alimentar. Era então dominada outra vez por aquele apetite atroz!
Todo dia eu pensava naquela maldita foto que tinham tirado de mim! Igualmente pensava na imagem daquele garoto rindo na fotografia. Fico imaginando como seria o som de sua risada, se um dia eu me avistaria com ele...! Tantas perguntas sem respostas!
Eu era atormentada por uma dúvida que me angustiava e também me intrigava! Teria eu sempre sido uma zumbi ou já fui humana? Eu havia reparado que os outros ditos mortos andantes não eram exatamente iguais a mim. Pareciam não ter raciocínio! Só andavam arrastadamente e gemiam! Não demonstravam sentimentos! Os infelizes eram dignos de pena! Por que justo eu era tão diferente se na verdade era uma morta ambulante?

Em um tipo de hiato existencial, Morgan vagou por aquela infi- nidade de túneis e passagens que variava de tamanho e largura, desde grandes espaços até áreas tão apertadas que mal davam para atravessar. As paredes de pedra opressivamente a cercavam, e, mesmo a garota zumbi estando recolhida profundamente em seu íntimo, uma enormi- dade de dúvidas e pensamentos, o que a movia a sobreviver era a ânsia de escapar dali!
Quero sair daqui! Estou muito confusa! Sinto falta de algo que eu nem sei o que é. Não compreendo meus próprios sentimentos! Tenho medo, pois estou só! Mas meu maior medo é talvez, o de mim mesma. Sei que a minha aparência está tão assustadora quanto daquele filme que eu assisti com... Espera! Se consigo me lembrar de um filme sig- nifica que posso sim ter sido humana! Ei! Eu estou lembrando de mais coisas! Não posso acreditar! Estou me recordando de um rosto! Mas quem era essa pessoa? Será minha... Mãe?! Ah! É isto! Foi em uma noite, em casa! Nós estávamos sentadas no sofá comendo pipoca e bebendo refrigerante. Parece que essas memórias são recentes. Daria tudo para vivê-las novamente. Mas e o rapaz da foto? Minha memória está falhando e isso está me deixando frustrada!
Para tentar superar a sensação de frustração, resolvi voltar a prestar atenção ao ambiente que me rodeava. Tanto minhas passadas como alguns gemidos que eu inconscientemente soltava, ecoavam por toda a parte e reverberavam naquele silêncio sepulcral! Inesperadamente, escutei o som de passos rápidos se aproximando! Estranhei! Teoricamente, estava sozinha ali, certo? Errado! Espantosamente, uma garota viva vinha correndo diretamente para mim! Possuía cabelos escuros, longos e cacheados, bastante volumosos. Pele morena, os olhos eram pretos e grandes. Suas roupas estavam rasgadas e dava para sentir o odor forte de seu suor de longe. Nas vestes em frangalhos tinha sangue, bem como no rosto! Antes que eu pudesse entender o que acontecia ela se chocou em mim e ambas caímos no frio chão de pedra.

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