UM

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Arthur
Arthur começou a despertar lentamente. Estava tonto, a garganta ardia e estava extremamente seca. Abriu os olhos doloridos e percebeu com espanto que não estava em sua cama e muito menos em seus aposentos. Ao que parecia, se achava em algum tipo de abrigo subterrâneo. Ergueu-se gemendo baixo. Uma sede terrível o oprimia. Neste instante, viu uma estante cheia de suprimentos em um canto. Correu e pegou uma garrafa especial à prova de micróbios e fungos com água. Não estava gelada e sim ao natural, mas o rapaz não se importou. Repentinamente dominado por uma profunda angústia, o jovem se sentou no chão e começou a chorar. De nada sabia. Onde estaria a sua família? Tinha que encontrar seus entes queridos imediatamente! Como fora parar ali? Era necessário agir! Resolveu por fim pegar os suprimentos de cima da estante e os colocou em uma mochila que estava ali. Tudo providencialmente deixado para ser encontrado. Por sinal, muito es- quisito. Seguiu em frente e terminou encontrando uma passagem secreta que decidiu explorar. Era um espaço muito grande, meio ame- drontador. Ainda assim, o rapaz não se deteve, apenas seguiu adiante, olhando com muito cuidado para todos os lados. Enquanto caminhava ia pensando:
— E se tudo isto foi feito de propósito? Sabe do que mais? Estou co- meçando a achar que isso daqui é uma daquelas brincadeiras ridículas de reality show, ou então colocaram alguma coisa na minha bebida e eu estou tendo um sonho muito estranho, estranho até demais, porque isso não tem lógica. — Arthur olhou em volta. Tocou nas frias paredes de pedra maciça, no teto encarou as enormes luminárias encrustadas na rocha sólida, despejando sobre ele uma luminosidade meio fantasmagórica de tom azulado. Era um ambiente de tamanho gigantesco e ao mesmo tempo opressivo, o que o deixava extremamente incomodado. Foi então que uma certeza lhe veio à mente, ao lembrar-se novamente de uma conversa que tivera com seu pai. Irritado, começou a falar em voz alta:
— Está tudo errado. O que eu estou fazendo aqui? Em um túnel?! Nem pra ser uma ilha ou coisa do tipo, mas tinha que ser um túnel, uma merda de túnel! Valeu pai, você mandou muito bem!
Aos poucos seu cérebro foi organizando melhor as ideias e a me- mória fez o resto. Continuou falando alto consigo mesmo enquanto an- dava meio cambaleante:
— A última coisa que me lembro era de meu pai falar alguma coisa de acontecer uma guerra e eu ficar a salvo, não me recordo direito, mas acho que estou aqui faz um bom tempo e isso já está começando a me irritar! Quanto tempo vai durar minha comida? E a água? Estou com frio, e o pior de tudo, estou aqui sozinho.
Sem ter a noção da passagem do tempo, Arthur errou por aqueles túneis imensos, perdido. Só o monólogo em voz alta não permitiu que o desespero tomasse conta dele. Seu caminhar não foi ininterrupto. Pa- rou para descansar e para dormir. Não fazia ideia se era dia ou noite. O importante era prosseguir e tentar encontrar alguém. Sem que ele percebesse, começava a divagar. Seus pensamentos começaram a ficar confusos e seu monólogo soava impreciso. Resmungava:
— Mais um dia se passou e nada, vou dar uma olhada e descobrir que lugar é este.
— Droga! Não acho nada, mas espera, o que é aquilo? Acho que... Ah! De onde veio toda essa água? É salgada? Eu tenho que nadar. Legal, não deveria ter faltado aquelas aulas de natação. Onde estou? Ai minha cabeça. Como eu vim parar aqui? Eu me lembro de sentir a água entrando em meus pulmões e depois disso tudo ficou preto. Mas como eu cheguei aqui? É como se alguém tivesse me puxado, mas quem? Eu estou sozinho aqui e eu tenho certeza disso. Eu estava sentado ali, olhan- do aquele monte de água e me perguntando como aquilo foi parar ali. Fiz tantas perguntas e nenhuma resposta me foi dada. Eu posso dizer que estou com medo, ainda bem que os garotos da escola não estão aqui para ouvir isso agora. Eu sinto que não há saída, mas algo me diz que eu tenho que continuar procurando, até por que a comida está acabando e eu nem preciso falar da água, eu realmente sou um camelo quando se trata de sede, e água salgada não é bem o meu forte. — Arthur ficou ali parado por um bom tempo, incerto. Estava vivenciando um sonho ou a realidade? Quem poderia dizer?
Havia somente uma certeza na cabeça de Arthur. É a de que não se renderia, não desistiria de tentar achar uma saída daquele antro onde se achava enterrado em vida. Ciente desta decisão resolveu mexer-se.
— Bom, não posso ficar aqui sentado esperando alguma coisa acontecer, preciso levantar e fazer alguma coisa, quero respostas para as minhas perguntas e eu vou atrás delas. — Remexeu seus bolsos a procura de algo que veio a expressar, ao mesmo tempo buscando meios para manter seus pensamentos equilibrados dentro do minimamente possível:
— Um mapa, era tudo que eu queria agora. Vou fingir que estou em um videogame, isso tudo são desafios e daqui a pouco eu vou achar algo e tudo vai ficar bem.
Contudo, somada a esta dose de confiança vinham junto, dúvidas e temores que ameaçavam sufocar a alma do rapazinho solitário. As dúvidas cresciam exponencialmente:
— Mas onde será que está a minha família? Meu cachorro? Por que eles não estão aqui também? Será que eu sou a única pessoa viva? Se eu continuar assim vou parar em um manicômio. Já faz dias e eu não encontro ninguém. Perdi meu celular, e só possuo essa mochila idiota. Tudo bem, Arthur! Isso é um jogo e você precisa continuar — rosnou, tentando convencer a si mesmo daquilo que afirmava.
— Mas como é esse jogo?!
— Hummm! Tudo está bem estranho e eu não sei nem por onde começar. Estou tentando ser forte, mas não tem como, não aqui, neste lugar. Antes de continuar eu preciso descansar um pouco.
Bem esgotado, a cabeça dando voltas o rapaz se sentou encostado na parede gelada de um daqueles corredores imensos. Percebeu que tinha fome e sofregamente procurou alimento no interior da mochila. Sua satisfação ao encontrar algo se transformou em lamentação que ecoou à distância. Estaria enlouquecendo? Talvez! Porém, se não pu- desse se expressar, certamente ficaria doido de vez!
Pegou e abriu uma lata de sardinha a vácuo, engolindo seu conte- údo o mais rápido que pode. — Que gosto horrível! Daria tudo para comer um hambúrguer com batata frita. Em seguida, bebi um pouco de água, que já estava acabando, por sinal.

Após consumir a magra refeição, suave e silenciosamente, o jovem começou a mergulhar em um devaneio de recordações, começando a pensar... Ah, como eu era feliz antes disso tudo ocorrer, talvez feliz não seja bem a palavra certa, mas era algo desse tipo aí. Até uns dias atrás eu era um garoto popular na escola, inteligente e nunca gostei muito de interagir com garotas, elas são muito complicadas e eu prefiro videogame. Meus amigos diziam que eu poderia ter quem eu quisesse. Aliás, eu sempre fui muito bonito; olhos azuis, cabelos pretos, bronzeado e alto. O que mais eu podia desejar? Havia a Megan Block, uma garota linda, morena, cabelo castanho, mais ou menos na altura do meu ombro, só tinha um problema, ela gostava de garotas também. Fiquei decepciona- do com isso! Foi aí que eu decidi fechar o meu coração de uma vez em relação a garotas. Mas está tudo bem, eu sempre tive ótimos amigos, meu pai é presidente, ou era, não sei mais! Minha mãe é bonita, uma ótima médica e o meu cachorro Tommy... Ah, não posso esquecer-me do meu lindo jogo. Viu? Minha vida era perfeita, até agora.
Como em um passe de mágica o sonho se desfez e Arthur se viu novamente no subterrâneo. Recriminando-se por ter perdido tempo ali parado. Externou seu desagrado em palavras só para saber que estava bem acordado, agora:
— Tenho que parar de olhar para trás, talvez as coisas nunca mais voltem ao que eram — levantando-me, dei mais um gole na garrafa d'água e continuei andando, pensando em como sair dali, pensando sobre as coisas boas do passado! Como naquele dia que eu passei com meu pai, quando ele teve tempo para me levar a um jogo de futebol! Foi emocionante! Meu time foi campeão, três gols, um dos melhores dias da minha vida.
— Foco Arthur, para de ser criança. Quantos anos você tem? Cinco? Até onde eu sei você tem 14 e precisa agir como tal. — É tão difícil eu me concentrar. Nunca me senti assim tão agoniado, sem saber o que fazer! E esse silêncio sem fim! Acho que já estou pirando!
O garoto tremia igual gelatina! Queria se calar, mas não conseguia e de seus lábios frouxos os pensamentos fluíam através de um tom de voz meio dramático que ele nem tinha mais a convicção de que fosse realmente dele. Sabia que estava se repetindo ao proferir estas palavras em um gemido:
— Além disso, eu estou meio assustado, estou falando comigo mes- mo há dias, não sei se isso é muito normal. Minhas pernas já estão do endo, eu estou precisando de um banho e comida decente. Mas como, se nem casa eu tenho mais?
Arthur estava ainda absorto em suas conjecturas quando uma situ- ação inesperada o fez parar e recuar alguns passos. Gritou:
— Espera, que barulho é esse?! Não pode ser alucinação, eu ouvi, veio desse corredor — sentiu um arrepio na espinha, mas engoliu em seco tentando buscar coragem em seu íntimo. Então bradou:
— Ok, agora sim eu estou com medo, mas pode ser que seja al- guém, eu já estou todo ferrado mesmo, não custa nada ver o que é isso! — aproximou-se guiado por aquele som. Porém, não conseguia ver muita coisa, o barulho ficava mais forte a cada passo que Arthur dava em sua direção. Falando para si, buscava forças para não ceder:
De repente, uma luz muito forte me atingiu em cheio. Sua intensidade chegou a um ponto em que eu não podia enxergar nada mais. Eu continuei andando, não sabia onde estava indo, eu apenas fui. Bati a cabeça, em nem sei o quê! Sem aviso, a luz apagou, restando apenas a iluminação normal dos corredores. Que droga! O que aconteceu? A luz vinha daqui, eu não estou louco. Olhei para todos os lados sentin- do a musculatura do corpo muito tensionada. Ainda mais essa! Estou confuso!
— O jogo acabou! — gritei, mas não ouvi nada além da minha voz. Quem estiver por trás disso tudo, saiba que eu vou te matar assim que te encontrar! Caramba! Não acredito que isso está acontecendo. Tem que haver uma saída! Há dias que eu procuro por uma e nada encontro. Opa! A luz de novo, eu estava de costas para ela, mas ela estava forte, me virei e ela sumiu de novo, seguida daquele barulho que eu tinha ouvido antes.
— Mas o que é isso? — fiquei encarando aquela parede por um bom tempo, aos poucos eu comecei a reparar que era uma comporta. Eu te- nho certeza que a luz veio daqui. Dei uns quatro passos à frente e olhei bem de perto, mas ainda não dava para ver muito bem. Com um brilho radiante, a luz voltou. Gritei de dor, pensando ao mesmo tempo que alguém estava querendo me deixar cego. A luz me atingia diretamente no rosto. Comecei a usar as minhas mãos para tentar abrir a comporta. Estranhamente fiquei ali meio cego, arranhando aquele portal. Minhas mãos ficaram cheias de sujeira e eu odeio isso. Consegui encontrar um ferrolho que começou a ceder bem devagar. Meus membros doíam por causa do esforço. Mais uma vez, a luz apagou. Ainda sem ver, continuei freneticamente a me esforçar para me libertar, grunhindo entre dentes proferi algumas palavras e no outro instante gritei, horrorizado:
— Estou quase lá, só falta mais um pouco e... Meu Deus, o que é isso?!

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