Doce sonho

2 0 0
                                    

Estamos na praça-verde, onde sempre nos reunimos para brincar, jogar conversa fora, ou simplesmente passar o nosso tedioso tempo de férias.

-Lila. –Jonas rompe o silêncio.

Abro os olhos e encaro seu rosto redondinho e bochechudo. –O que foi? –questiono, querendo que ele ficasse calado novamente, para eu poder escutar o barulho das árvores com mais nitidez.

–Acho que você precisa de um apelido.

-Meu nome já é um apelido em si. Não há como diminuí-lo. Li-la. A não ser que você queria me chamar de Lili, ou sei lá.

-Você não está me entendendo. Nossos outros colegas chamam você de Lili. Quero um original. Um apelido só nosso. Dos melhores amigos.

Abro um sorrisinho. –Até gostei da sua ideia.

Ele coça o queixo, como sempre faz quando está concentrado. –O que você acha de Lalinha?

Faço careta. –O que isso tem a ver com meu nome?

-La-li-nha. É seu nome ao contrário, no diminutivo. É inteligente, não acha?

-Se for pensar por esse lado, é sim.

-Gostou?

Balanço a cabeça concordando. –É bacana. Mas acho que só pessoas inteligentes vão entender a origem.

-Como eu disse, eu queria um apelido secreto, dos melhores amigos.

-Acho que você é o único que pensaria em algo assim. 

Ele abre um sorriso fofo. –Ok. Lalinha.

-Ok. –murmuro, voltando a fechar os olhos.

Sei que ele também os fecha. Quando não temos nada de melhor para fazer, gostamos de ficar sentados no banco, de olhos fechados, para apreciar o barulho das árvores.

É o nosso passa tempo. Apenas nosso, assim como meu novo apelido.

***

Acordo sentindo meu coração aquecido. Há anos não tinha um sonho bom. Sempre que sonhava, minha mente era tomada por pesadelos. Quando não era pesadelo, não havia sonho algum também.

Foi tão bom reviver uma coisa boa do meu passado. Com a mente limpa e tranquila, passo a manhã com meu pai no Omar Variedades.

-Você está com um brilho nos olhos. –meu pai observa.

Solto uma risada. –É mesmo?

-E sorridente também. Normalmente você é apenas ironia e olhos revirados, na maior parte do tempo.

-Aprendi com uma pessoa, que quando sorrimos as coisas ficam mais fáceis. –penso alto.

As sobrancelhas grossas do meu pai se erguem. –Jonas?

-Não. Diego.

Ele fica confuso com minha resposta. –E esse brilho nos olhos é por causa de qual deles?

-Nenhum deles, papai. Apenas estou feliz. Resolvi levar o conselho de Diego a sério.

-Você se encontrou Diego?

-Ah. Essa semana está tão corrida que esqueci de dizer. Diego é gerente do hotel onde estou trabalhando. Dá pra acreditar?

-Nossa! Isso é o que eu chamo de jogada do destino.

Começo a rir. –Até você com essa história de destino?

A expressão de desentendimento de meu pai se intensifica.

-Deixa pra lá. –escuto o barulho da porta de vidro se abrindo. -Um cliente chegou.

-Eu atendo. Fique no caixa.

Faço um sinal de positivo com a mão, voltando meus olhos para o computador.

-Juro que não estou te perseguindo, nem algo do tipo.

Reconheço a voz rouca imediatamente. Levanto o olhar, boquiaberta, encontrando seu sorriso levemente afetado. Eu diria que ele até parece envergonhado. Mas esse não seria o Diego que eu conheço.

-Esse mundo é minúsculo mesmo! –exclamo.

-Na verdade, esse bairro é minúsculo. A probabilidade de nos encontrarmos não é pequena. Afinal...

-Somos vizinhos. –lembro. –Você tem razão. Cadê meu pai?

-Está atendendo uma senhora.

-Hum. –murmuro. –Vamos ver o que tem nessa cesta.

Ele me entrega a cesta, cheio de produtos de higiene canino. Abro um sorrisinho maldoso. –Você tem um pet shopping?

Ele cerra os olhos. –Tenho um cachorro, Lila. E gosto de cuidar dele.

-Qual o nome dele?

-Juiz.

-Juiz?

-Você já assistiu o filme Uma prova de amor?

-Só pelo nome, já sei que não.

-Você deveria. -ele faz uma pausa, pensativo. -Melhor. Você vai assistir comigo, e vai se emocionar. Não há como não chorar com esse filme.

Abro a boca para dizer um absoluto não, quando uma senhora impaciente pigarreia atrás de Diego.

-Vocês podem parar de conversar, por favor? Estou com pressa.

Ruborizo, encontrando a expressão divertida de meu pai logo atrás. 

-Desculpe, Senhora. –digo enquanto passo o código de barra na máquina. –Cinquenta reais e oitenta centavos.

Ele me entrega o dinheiro, e eu dou o troco. –Obrigada. E volte sempre.

-Obrigado. –ele diz dando uma piscada antes de sair porta a fora.

-Mocinha, não se namora no local de trabalho. –ela diz alto o bastante para meu pai escutar.

-Ele não...

-Vamos logo. Estou com pressa.

Fecho a boca. Não vai adiantar falar nada a essa senhora.

***

Diego bate na minha porta exatamente ás três da tarde.

-Oi? –o comprimento.

-Oi. Você está livre?

-Depende. Se for sobre aquele filme, desista.

Ele solta uma risada rouca como sua voz. –Vamos lá. Você vai gostar. Eu garanto.

-Você não conhece meus gostos, como sabe que eu irei gostar? 

-Bom argumento. Que tal fazermos um trato? Você assiste a esse filme super emocionante comigo. E eu assisto a um filme de sua indicação. O que acha?

-Justo. –digo resignada.

Já tenho em mente o filme que vou fazê-lo assistir.

-Perfeito. Então...

-Espero que você tenha pipoca e brigadeiro de panela.

-A pipoca já está pronta. Mas teremos que ir pra cozinha, fazer o brigadeiro.

-Que bom. Porque você vai experimentar o melhor brigadeiro de panela da sua vida.

-Espero que fique a altura da minha expectativa. –ele provoca.

Encaro bem séria seus olhos verdes. –Está apostado!

Ele arqueia as sobrancelhas escuras, em desafio.

Sim. Ele está me ganhando aos poucos.

Esse fim de tarde promete!

Déjà vuOnde histórias criam vida. Descubra agora