Sozinho

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Sarah dormia na cama da parede. Ela não sentia falta de dormir com alguém, honestamente. Especialmente se essa cama fosse de solteiro. A loira já havia inclusive comentado como não namorava faz tempo, tudo era rápido e simples. Sem carinho.

Juliette não era santa, mas namorou por muito tempo. Nunca foi de muito grude, mas as vezes um carinho faz bem. Caetano realmente não errou quando escreveu sozinho. Juliette teve que aprender, cedo na vida, que estamos sós. Cada um por si, no seu corre pela vida. Era muito machucada para aceitar colo, mesmo quando precisava urgentemente de um.

E se eu me interessar por alguém?

E se ela de repente me ganha?

Sarah parecia tirar Juliette de um transe com a rapidez em que falava com ela.

Ou você me engana, ou...?

"Então esse é o sotaque do brasiliense?" - Juliette perguntou após sacudir a cabeça numa tentativa de tirar a música de Caetano da mente. Sarah estava de costas, já havia trocado de roupa e estava organizando a cama e o caminho até ela.

"Como assim?" - Sarah se virou sorrindo, ainda curvada retirando as peças de roupa de cima da cama. "Se minha mãe estivesse nesse quarto ela já teria sido expulsa por agressão. Esse é o quarto mais bagunçado do Brasil." - Completou dando as costas para Juliette novamente.

"Você fala rápido demais, visse? Parece que está com pressa." - Juliette disse ajudando Sarah a colocar as roupas em malas espalhadas pelo chão do quarto.

"Nunca me disseram isso, não, Ju. Na verdade, o que eu ouço é que brasiliense não tem sotaque nenhum. Eu nunca percebi." - Sarah levantou o tronco, como se estivesse espreguiçando-se. Olhou para a morena que agora estava agachada colocando as roupas nas malas enquanto segurava o cabelo ao lado do rosto. "Você..." - Sarah limpou a garganta. "Vocês, do Nordeste. Vocês quem tem um sotaque maravilhoso. Poderia ouvir vocês conversando o dia inteiro."

Juliette virou o rosto para a loira e apertou os olhos numa tentativa de enxerga-la melhor. O escuro e a miopia dificultavam o trabalho. Sarah parecia estar sorrindo, então a morena retribuiu.

"Pronto. Você prefere ficar do lado da parede ou da cômoda?" - indagou Sarah.

"É a sua cama, onde você disser que posso deitar, eu deito. Até ali nos seus pés." - Juliette já estava em pé ao lado de Sarah quando apontou para onde estava o edredom enrolado.

Sarah riu e disse que preferia a parede, deitando-se em seguida, dando espaço para Juliette deitar. Sarah era muito mais alta que ela e a diferença ficou evidente quando as duas se ajeitaram lado a lado. Juliette logo puxou o edredom, cobrindo as duas. O ar condicionado da casa parecia estar sempre ligado no 16.

"Você já dormiu?" - Juliette perguntou após estarem deitadas há exatos 2 minutos.

"Não." - Sarah respondeu rindo da possibilidade.

"O que você tá fazendo, Sarah?"

"Eu vou tentar dormir, cada dia aqui é como se tirasse uma semana de nossas energias. E acho que já está amanhecendo também. Raio-x amanhã e..."

"Não." - Juliette cortou Sarah subitamente. "O que você está fazendo? Digo... é jogo? Por que tem se aproximado de mim?"

Sarah virou o rosto para encarar a morena deitada ao seu lado. Ela estava de olhos fechados e se não estivesse tão escuro, Sarah poderia dizer que via algumas lágrimas formarem-se no canto dos olhos de Juliette.

"Ju, eu... como assim? O que você quer dizer com isso?"

Juliette abriu os olhos e manteve o olhar fixado no teto, mas sentia que Sarah estava encarando-a. "Aconteceram muitas coisas. Me acusaram de muito, me trataram como lixo e zombaram de tudo que me forma... mas... de tudo isso, o que menos entendo é o que está acontecendo agora. Aqui."

Juliette não piscou nenhuma vez enquanto falava. Se aquele era o mínimo sinal de que ela estava lutando contra as teimosas lágrimas que estavam ganhando dela de lavada nos últimos dias, era esse. E Sarah sabia ler sinais como ninguém. Havia lido inúmeros livros de ciência comportamental. Observava tudo de longe, mas lia comportamentos como ninguém. Ela mantinha os olhos na feição de Juliette.

"Você é maravilhosa." - soou quase como um sussurro ao sair da boca da loira. "Você é maravilhosa, linda. Linda mesmo. Por fora, por dentro. Sinto muito por não ter percebido antes."

Juliette cerrou os olhos e não conteve as lágrimas quentes que escorreram pelo seu rosto. Sua boca já estava trêmula e ela só sentia vontade de chorar como havia feito tantas vezes na adolescência. No ônibus voltando da faculdade a noite. Mas, como sempre, lutou contra. Abriu os olhos novamente e sentiu a mão de Sarah encontrar a sua debaixo do edredom.

Sarah, com a outra mão limpou a bochecha de Juliette. O rosto dela estava mais perto agora, Juliette já sentia a respiração quente de Sarah perto de sua cabeça. Após limpar as poucas lágrimas derramadas pela morena, Sarah segurou a palma da mão em sua bochecha e a puxou para mais perto, dando um beijo em sua têmpora. "Não fique assim, viu? O jogo há de virar."

Juliette apertou a mão de Sarah que ainda estava entrelaçada com a sua e sentiu o sono vir, quase que como um peso enorme em seu corpo. Ela já não lembrava a última vez que havia dormido o suficiente para se renovar. Ela lembra das noites que passou no quarto cordel enquanto ouvia todos dormindo em alto e bom som e ela permanecia sem pregar os olhos. Naquele momento tudo parecia diferente. Se havia barulho ao redor dela, a morena já não conseguia distinguir mais. O escuro foi se tornando cada vez mais forte e suas pálpebras pareciam pesar toneladas. A mão que antes fazia força para manter entrelaçada a da mulher deitada ao seu lado agora ia se soltando. Mas ela percebeu que mesmo não estando segurando a mão de Sarah, a loira havia deixado a mão ali, debaixo da dela. Não sabia se já era coisa da falta de sono, mas jurava que em alguns momentos sentia ela passar os dedos na palma da mão da morena, como se a estivesse fazendo carinho. O corpo já produzia espasmos de cansaço, sinais que Juliette tinha de ter ouvido a muito tempo e sua respiração foi ficando mais fraca. Dormiu, enfim. Dormiu como se não estivesse no reality show mais famoso do país.

Por que você não cola em mim?

Tô me sentindo muito sozinho...

Tudo é questão de jogoOnde histórias criam vida. Descubra agora