Os primeiros dias fazendo uma coisa nova eram os mais difíceis; eu sabia bem disso, esse já era o meu quinto trabalho.
Não sei muito bem como acabei me tornando um lenhador, acho que não tenho a mínima vocação para isso, mas se me aceitaram, eu é que não vou recusar. Marialice precisa de remédios e Dora não pode sair de casa pra trabalhar, então era arrumar uma forma de aprender isso e não ser mandado embora de novo, ou ter que passar mais um tempo no sofrimento da incerteza.
Vi a décima árvore do dia cair e comecei a me preparar pra próxima etapa, carregar todos aqueles troncos no caminhão. Depois disso, o trabalho já não estava mais em minhas mãos.
Findadas mais algumas horas nesse processo, eu estava livre pra voltar pra casa. Mal podia ver a hora de passar pelo portão e escutar Marialice correndo pela casa pra se esconder atrás do sofá e me dar um "susto" assim que eu passasse pela porta, e de escutar a risada melódica de Dora quando eu me jogasse no chão e Marialice preocupada fosse me atender. Vez ou outra esse ritual era um pouquinho diferente, mas a essência era a mesma todas as vezes que eu voltava ao meu lar.
Senti a alegria me renovando as forças para continuar meu trajeto. O machado apoiado no ombro, caminhei tranquilamente enquanto assoviava uma canção que Marialice vivia cantando.
No meio do caminho, antes de entrar na floresta que me separava de minha casa, passei pela adorável casinha de paredes amarelas. Parecia aconchegante morar ali, era distante de outras casas e por isso apenas os barulhos da floresta podiam ser ouvidos, o que não era uma perturbação. Desejei um dia poder me mudar com minha família para um lugar parecido.
Antes de deixar a casa totalmente para trás, meus pés fincaram no chão com o grito repentino. Como eu estava em um lugar praticamente deserto, soube no mesmo momento que o barulho teria vindo da casa. Continuei parado por uns instantes, esperando qualquer outra movimentação suspeita. Poderia ser apenas alguém que se assustou com um bicho, ou uma queda, ou quem sabe a televisão estivesse mostrando a sessão de filmes de horror mais uma vez?
De repente ouvi uma pancada alta, talvez um móvel sendo derrubado, depois um barulho de vidro quebrando. Não restava muitas dúvidas de que tinha algo de errado.
Me aproximei mais uma vez da casinha, pulando a cerca branca e baixa. As cortinas estavam abertas, então aproximei meu rosto da janela e observei o que estava acontecendo dentro do lugar.
A sala estava bagunçada, e um homem alto e forte caminhava em direção ao outro cômodo. Vi a tatuagem em seu braço, a cabeça de um lobo. Não restou a mínima dúvida de quem seria aquele homem. Apertei o machado com mais força, sabendo que deveria quebrar a janela para entrar e ajudar quem quer que estivesse ali dentro. Mas hesitei... A musiquinha que Marialice cantava mais uma vez subiu à minha memória.
Antes que eu pudesse pensar em mais alguma coisa, uma menininha com uma capa vermelha correu pra sala, gritando mais uma vez. O Lobo não demorou para voltar ao cômodo. Ele me viu ali. Olhou pela janela diretamente dentro de meus olhos e ficou parado com um sorriso divertido, como se esperasse alguma reação minha. A menina, confusa sobre a paralisação do homem, seguiu seus olhos e também ficou por alguns segundos me observando.
— Ajude a vovó! - a menina gritou depois de algum tempo. A reação dela me assustou, e finalmente recobrei meus movimentos.
Eu deveria ajudar, sei que deveria; mas na minha cabeça não podia ver uma forma de sair vitorioso daquela situação. Já tinha visto no jornal o que tinha acontecido com pessoas que lidavam com o Lobo. Como eu poderia me arriscar ao lembrar de todas as histórias que já tinha ouvido sobre sua crueldade?
Deixei a covardia me dominar, e no final daquele dia, nem a risada de Dora ou a voz de Marialice conseguiram me acalmar.
Esses dias já se passaram há muito tempo...
Os remédios de Marialice não faziam mais efeito nenhum, tínhamos que comprar remédios mais fortes, que consequentemente eram mais caros. Eu até conseguia comprar os remédios, mas o dinheiro ficava mais curto para todas as outras coisas, então enquanto o remédio lutava contra a doença, a má alimentação não deixava o corpo dela se fortalecer da maneira certa. Ela ficou um tempo internada, mas não foi muito.
Dora também não ficou muito tempo. Eu não era forte o suficiente pra dar qualquer apoio emocional, porque naqueles dias eu mesmo estava definhando; então quando ela arrumou as malas e chegou à porta, por mais que eu quisesse pedir para que ficasse, eu disse: "boa sorte".
Tive muitos outros empregos depois disso, mas neles eu parava bem menos que nos antigos, não conseguia dar tanta atenção assim ao que estava fazendo. Foram só alguns anos depois que consegui me restabelecer, mas pra mim isso nem tinha tanta importância mais.
Agora eu era caçador, gostava disso menos ainda do que ser lenhador, mas eu também não dou mais tanta importância pras coisas que gosto.
Segui minha vida apenas por seguir, não casei de novo, não pensei em ter outro filho pra me esperar atrás do sofá pra um susto quando eu chegasse do trabalho, não esqueci cada passo errado que dei...
Quando recebi aquela ligação da garota assustada, pensei que era uma nova chance que eu estava tendo. Pensei que se eu conseguisse ajudar a menina dessa vez, todos os erros depois daquele dia seriam perdoados. Eu poderia voltar a viver.
Que tolo eu fui...
Olá pessoal, como vão? O que acharam do capítulo de hoje? O que acharam do personagem que foi abordado hoje?
Eu escolhi o título baseado nas muitas formas em que o conto da Chapeuzinho já chegou até mim. As primeiras versões que ouvi, apresentavam o homem que salvou a Chapeuzinho e a vovó como um lenhador, mais pra frente, ouvi versões que diziam que ele era um caçador, então sem saber qual dos dois seria o certo, resolvi usar os dois.
O ponto de vista dele acaba aqui e no próximo capítulo já teremos o lado de outro dos personagens presentes nessa história. Alguém já tem alguma teoria sobre quem é o próximo? O capítulo já está quase pronto e sai o mais rápido possível.
Vejo vocês na próxima atualização.
Beijos da Babs.❤️
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🐺O conto do Lobo Encapuzado🐺 (uma releitura de Chapeuzinho Vermelho)
Terror+16 O que aconteceria se o lenhador nunca tivesse ajudado a vovó e sua neta à se defender do lobo mau?