Capítulo 4

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Ricardo
 
Eu estava completamente chocado com o que via ali na frente. Senti meu corpo cambalear como se tivesse bêbado e quase perdi o equilíbrio sendo obrigado a me apoiar em Robson.
Puta que pariu!— gritou Robson— Você sabia disso?
— Lógico que não! tão chocado quando você.
Na verdade duvido que ele estaria tão chocado como eu. Eu podia até ter suspeitas se sua fidelidade, mas descobrir que ele era um lutador clandestino foi além de qualquer realidade paralela que pudesse imaginar.
Eu devia estar no Além da imaginação!
— Eu sabia que ele era forte, mas porra! Um lutador? Sério?
Robson não conseguia conter seu choque. E as pessoas a nossa volta não paravam de gritar King.
Ali, naquele submundo, meu namorado era literalmente um rei. E eu não sabia de absolutamente nada sobre isso.
Olhando-o naquele ringue, ele parecia se deliciar com toda a atenção. Como se fosse movido por aqueles gritos.  Os olhos brilhavam arrogância e seu sorriso demostrava o quanto ele se sentia superior.
E eu aqui, me sentindo um merda por ter sido tão burro por tanto tempo.
Passei pelas minhas memórias e lembrei de todas as vezes que ele mentiu para mim .
Esses machucados são boxe.
Desculpa sair assim, preciso trabalhar a noite hoje.
Você é o único pra mim!
Eu te amo.
Quantas mentiras mais saíram por sua boca? Por quanto tempo ele planejava me enganar? Até se cansar de mim?
Sinceramente, eu já tinha visto o suficiente. Não tinha mais emocional para ficar ali e vê-lo sorrir como a porra do dono do mundo enquanto achava que eu estava em casa como uma esposa passiva.
Me virei para ir embora mas Robson me segurou.
— Nem pensar! Vamos ficar aqui e ver ele tomar uns socos!—falou dando um sorriso sádico— Vai dizer que não quer ver isso?
Fui criado para ser um menino bom e não desejar o mal a ninguém, mas naquele momento eu queria muito ver Michel sendo humilhado dentro do seu mundo de merda.
Sei que seria difícil, já que todos ali o tratavam como vencedor. Mas não custava sonhar.
— Olha, vão chamar o outro lutador.
— Agora no nosso ringue, o desafiante corajoso! Saúdem BEAST!
Após o grito do locutor, subiu no ringue o novo lutador.
Ao contrário de Michel, o seu rival parecia mais sério. Seu corpo bronzeado e repleto de tatuagens rivalizava com a pele branca e lisa dele.
Mesmo com pouca roupa, ficava claro sua preferência pelo preto. Além dos shorts, suas fitas nas mãos também carregavam essa cor.
E posso dizer, que mesmo o vendo de longe, era lindo. E claramente perigoso. Uma mistura que deixaria qualquer mulher ou homem balançado.
Seus olhos passaram rapidamente pelo público, como se procurasse alguém. Estava curioso em saber quem tiraria sua atenção em um momento como esse, até seus olhos pararem em mim.
Haviam muitas pessoas na minha frente, então era mais provável que ele não estava me  olhando, mas mesmo assim senti todo meu corpo estremecer com o poder que emanava dele.
Dando um sorriso de canto de boca, se virou para o seu oponente e voltou a ficar sério.
Michel não parecia nem um pouco intimidado com o lutador a sua frente. Pelo contrário, olhou de cima abaixo com desdém. Mesmo ele sendo da sua altura e  porte físico, Michel parecia extremamente confiante.
As pessoas não paravam de gritar, em sua maioria por King. Mas consegui ouvir uma e outra pessoa clamando por Beast. Incluindo Robson.
Ele parecia determinado a animar o lutador novato e ter sua vingança por mim.
O tempo parecia arrastado e senti como se demorasse um século para a luta de fato começar.
Repentinamente o gongo soou e Michel voou para cima de Beast com um soco.
Como se já esperasse por isso, ele desviou e acertou a lateral do rosto de Michel que recuou atordoado.
— Isso Beast!— berrou Robson—  Acaba com ele!
Algumas pessoas nos olhavam com desgosto por estarmos torcendo contra seu favorito, mas eu não estava nem aí. Eu até queria gritar também, mas ainda estava chocado de mais para conseguir.
Michel pareceu ficar irado com o soco repentino e partiu para cima de novo de seu oponente, dessa vez levando um soco nas costelas.
— Quem é essa cara?—falou um garoto do nosso lado— King não conseguiu acertar um soco nele!
Eu nunca havia visto Michel lutar antes, mas para mim ele parecia um bobo da corte ao invés de um rei.
Todas as investidas que havia feito contra Beast resultaram apenas em mais socos e chutes para ele.
Vários minutos se passaram e Michel estava visivelmente cansado. E até agora Beast não havia ido para cima dele nenhuma vez.
Ele parecia um animal selvagem brincando com sua presa. Apenas esperando o momento certo para dar o bote final.
Quando todos menos esperavam, Beast rodeou o ringue pegando Michel despercebido. Ele foi tão rápido e silencioso como um tigre.
Uma verdadeira Besta cercando sua presa.
Antes que pudesse reagir, Michel recebeu uma chuva de socos em várias partes do seu corpo  quase simultaneamente. Parecia algo coreografado tremenda a elegância dos golpes.
Quando por fim parou, Michel caiu no chão de joelhos e colocou a cabeça entre eles como quem estivesse pedindo clemência.
Beast ficou parado apenas observando o gesto. Esperando confirmar que sua  presa tinha sido abatida.
Não pude deixar de notar que seu peito subia e descia rápido enquanto várias gotas de suor escorriam pelo seu corpo iluminando suas tatuagens.
O gongo tocou sinalizou o fim da luta enchendo o lugar de som. Não tinha percebido que os gritos estavam muito menores do que no início da luta. Todos pareciam incrédulos que o King havia pedido. E perdido muito feio.
— Isso! Arrasou Beast! Uhuuuuuu!!
Robson começou a gritar e me sacudir de felicidade.
Olhei Michel ali caído no chão e esperei. Esperei mas não veio. Os sentimentos que imaginei que fosse sentir como empatia, pena e tristeza nunca apareceram.
Apenas pura satisfação. A realização de ver o seu reino de merda ser tomado por outro rei. Na verdade, por uma besta.
— Que surpresa pessoal! —gritou o locutor— Beast é o vencedor!
Ele segurou a mão de Beast e o virou para o público. Notei que ele relutava em deixar o cara levantar seu braço enquanto rolava seus olhos entre os expectadores. Quando chegou em minha direção, ele permitiu seu braço ser levantado.
Sentia aquele olhar desafiante atravessando meu corpo me fazendo dar um pequeno passo para trás.
Mesmo de longe consegui ver que ele sorria levemente. Como se soubesse que estava abalado pela sua presença.
É claro que era impossível ele estar fazendo todo aquele teatro para mim. Mas uma vozinha lá no fundo da minha cabeça dizia que sim, era pra mim .
Robson continuava gritando e me sacudindo sem parar. As pessoas passaram a aplaudir e gritar o nome de Beast.
De maneira discreta, dois caras subiram no ringue e ajudaram Michel a sair dali.
Pela sua postura, ele estava completamente humilhado. Assim como eu estava mais cedo.
Logo depois, o ringue ficou vazio e as pessoas começaram a se dispersar. Alguns poucos gatos pingados seguiram para os balcões de apostas muito felizes por terem tirado a sorte a grande.
— Se eu soubesse que esse idiota estaria lutando iria apostar contra ele! — resmungou Robson— Ia tirar uma grana preta as suas custas! Seria o auge da minha noite!
— Só de vê-lo humilhado me senti satisfeito. Mas não completamente.
— Você vai falar com ele aqui?
— Já disse que não.
— Isso foi antes da luta.
— E nada mudou.
— Tudo mudou! Imagina a cara dele tomando um pé na bunda depois de perder? Seria perfeito!
— Eu cansado Rob. Foram muitas emoções por uma noite. Só quero ir pra casa.
— Tudo bem. Confesso que também tô. Mas valeu a pena! Ah se valeu!
Não podia descordar dele. Mesmo ainda chateado e me sentindo um lixo, estava feliz que Michel também se sentia assim.
Seguimos para a saída onde havia uma pequena fila de pessoas esperando para pegar o celular. Muita gente estava indo embora, mas pelo visto a maioria não tinha levado telefone.
Quando chegou nossa vez, o rapaz pegou um saco com o número do meu papel e me entregou o aparelho. Mas o saco de Robson tinha apenas um bilhete.
O segurança leu franzindo a testa e nos olhou.
Robson congelou no lugar.
— Não me diga que meu celular sumiu? — falou desesperado— Eu ainda pagando por ele.
— O chefe pediu para você pegar diretamente com ele.— disse o segurança sem se abalar com chilique— Bata naquela porta ali.
Ambos olhamos para uma porta vermelha de ferro. Eu não a tinha notado antes.
Quando nos viramos para seguir até ela, o segurança segurou meu braço.
— Apenas o dono do celular. Você pode esperar aqui.
Olhei para Robson apavorado. Sabia que seu escândalo mais cedo acabaria dando merda.
— Deixa isso pra lá Rob. — sussurrei— Vamos embora. Eu te ajudo a comprar outro.
— E deixar um cara desconhecido com meu telefone? Lá tem os números da minha família Ric! Dos meus amigos! E se ele fosse machucar nem teria me deixado entrar.
Apesar de parecer seguro de si, eu sabia que ele estava com medo.
Ele seguiu até a porta e bateu nela duas vezes. Rapidamente ela foi aberta mas não consegui ver por quem.
Depois que ela se fechou, me encostei na parede de frente a porta sem tirar meus olhos dela.
Tentei ficar atento a qualquer som que poderia vir de lá, mas com todo o movimento no corredor era impossível.
O segurança seguia fazendo seu trabalho sem se importar com a minha presença.
Essa noite não vai acabar nunca?
Olhei meu relógio e vi que já passavam das três da madrugada. Estava tão exausto. Tanto fisicamente como emocionalmente. E agora extremamente ansioso.
Depois de longos dez minutos, a porta se abriu e Robson saiu por ela.
Ele parecia estar bem fisicamente, mas seu rosto brilhava um vermelho vivo.
tudo bem? — perguntei logo que ele se aproximou— Não te machucaram?
tudo bem sim. — ele segurou meu braço— Vamos embora.
Seguimos em silêncio até sairmos do galpão.
Haviam algumas pessoas andando por ali mas todas seguiam pelas sombras tentando manter  discrição.
Quando estávamos sozinhos, eu comecei a falar. A curiosidade estava me matando.
—O que rolou lá?
— Nada demais. Ele só perguntou o que achei do lugar e se gostei das lutas.
Olhei desconfiado para ele. Porque o dono da Fight iria perguntar isso ao Robson? E em particular?
— Rob, aconteceu alguma coisa né? Ele te ameaçou?
—Logico que não! Pelo contrário! Ele incluiu a gente na lista pra recebermos convites para as próximas lutas!
— Você deu minhas informações a ele?
— Não Ric.— ele revirou os olhos— Mas dei meu e-mail. E ele permitiu que meu convite se estendesse a você.
Eu ainda estava achando tudo muito estranho mas não o questionei novamente.
Pegamos um táxi no mesmo lugar que descemos. Robson não quis dormir na minha casa então logo depois de deixá-lo no apartamento dele segui sozinho para o meu.
Entrei no apartamento e me joguei na cama com roupa e tudo. Com muito esforço arranquei meus tênis usando meus pés.
Pense em um dia louco!
Hoje definitivamente tinha sido o dia mais absurdo da minha vida.
Quando eu poderia imaginar ao levantar essa manhã que algumas horas depois estaria em um clube de luta clandestino vendo meu namorado tomar uma surra?
Ex namorado.
Isso se ele realmente me via dessa forma.
Fiquei pensando em como iria confronta-lo. Tive várias conversas imaginarias com Michel e analisei todas as possibilidades e coisas que ele diria.
E em todas elas eu o colocaria no seu lugar.
Felizmente eu não iria olhar para a cara dele tão cedo. Seria muito fácil escapar dele na faculdade. Afinal eu já fazia isso normalmente.
Estava quase amanhecendo o dia quando comecei a pegar no sono.
Infelizmente fui interrompido com batidas na porta. Olhei meu celular e vi que estava sem bateria.
Me levantei quase me arrastando até a sala. A única pessoa que viria a essa hora seria Robson.
Provavelmente estava assustado com tudo que tinha acontecido e veio dormir aqui.
Abri a porta com um sermão na ponta da língua. Porque ele não tinha vindo junto comigo?
Quando ia começar a praguejar, dei de cara Michel apoiado no batente da entrada.
 
Parece que meu confronto seria mais cedo do que esperava.

Fight- Lute por mimOnde histórias criam vida. Descubra agora