CAP 1┃ Traga-o à sua vida

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Arrumando mais um pouco a simetria do círculo que fizera com os sais que sua avó havia lhe recomendado, Felix murmurava para si mesmo sobre como enfim veio a enlouquecer. Crescer ouvindo as histórias tão exuberantes e fantasiosas que a Dona Agnes nunca cansava de contar, certamente, plantou um pouco de loucura em sua cabeça.

Mas apesar de argumentar a favor quando a discussão era a falta de veracidade nos fatos historiados pela senhora, tinha uma chama de esperança queimando dentro de si que acreditava piamente em cada palavrinha dita. Por isso, naquela madrugada de domingo, lá estava ele, no porão, recitando versos de um livro antigo contendo feitiços da época da avó, à espera de que fosse forte o suficiente para invocar alguma coisa útil.

Pode parecer loucura ou coisa de desenho animado, mas na casa dos Waterhouse realmente existia um estoque até modesto de matérias e materiais tão duvidosos quanto o latim proferido pelo adolescente. Contudo, esse não era o maior problema dali.

Sem dúvidas a desconfiança de Felix era uma barreira sólida contra as possibilidades que gostaria de alcançar, mas só descobriria isso mais tarde, claro. No momento, já irritado e beirando a descrença pela falta de sucesso, passou a sentar-se em frente ao desenho exato contido no livro que carregava. A estrela de seis pontas feita com cuidado no chão era o exato símbolo de ligação que precisava.

Talvez, ansioso como é, não tenha se atentado aos detalhes. Isso até viveu em seus pensamentos por alguns instantes, porém, a hipótese teve vida curta.

- No fim era tudo mentira. - sussurrou para si mesmo pela última vez, já com o livro fechado em uma das mãos, a outra apertava o pingente da triluna que recebeu da avó quando ainda criança, seguindo para as escadas que o levariam de volta para casa.

- Então eu sou uma piada pra você?

Com um grito vergonhosamente espantado, Felix virou-se no primeiro degrau, de olhos arregalados, chocando-se ainda mais ao ver uma figura esguia de pernas cruzadas no centro do hexagrama.

- Que porra é você? - o ruivo apontou o grimório para o que parecia ser um homem, ainda cuidando para acalmar as batidas desenfreadas do seu coração.

- Isso são modos, Felix? - ele piscou os olhos tão pretos de forma maliciosa, logo dando impulso suficiente para que pudesse ficar de pé - É assim que vai me receber?

De olhos estreitados em puro receio, o conjurador voltou a falar.

- Como posso receber o que nem consigo reconhecer? - seco. Contudo, sábio, levando o desconhecido a esbanjar mais um de seus sorrisos com dois sentidos.

- Sua desconfiança é tão densa que se pudesse, a pegaria em minhas mãos.

Ignorando completamente a fala alheia, Felix deu-se a procurar por qualquer informação ou imagem que remetesse ao ser que o observava tão intensamente, com olhos inteiramente negros, unhas um tanto quanto afiadas e língua bifurcada que o aproximava de uma espécie de lagarto. Nada parecido com o planejado.

- Vem cá, você por acaso veio do céu? - findou o silêncio com a pergunta, mantendo a feição séria.

- Uh, é uma cantada? - com o tom animado, ele caminhou até uma cadeira próxima do desenho no chão, passando a sentar-se de pernas cruzadas, ainda mais distante do outro - Sou todo ouvidos.

- Não é uma cantada. - o menino o olhou incrédulo. Como aquilo era possível?

- Ok, ok, não precisa de tanta seriedade. Mas respondendo a sua pergunta: não. Não vim do céu, Felix, mas você, certamente, sim. - piscou ao final de sua fala, fazendo com que o adolescente presente ali externasse toda a descrença em si por meio das suas sobrancelhas arqueadas e a boca aberta.

- Então de onde você veio?

- Bom, eu estava em meio a um combate no meu território, por isso o sangue. - esticou as mãos para que o garoto pudesse ver mais exatamente do que estava falando - Até você me puxar pra cá.

- Então eu consegui mesmo invocar algo? - Felix sussurrou mais para si que para a criatura ensanguentada no seu porão, com um sorriso começando a se formar em seus lábios gordinhos característicos.

Em seu momento de apreciação da própria capacidade, entendeu o que havia sido dito a si.

- Calma, como assim combate em seu território?

- Oh, então não sabe o que sou? - passou a língua dividida por entre seus dedos em busca de limpá-los - Você conjurou um Protego, Felix, um demônio de nível três.

- Um de... Demônio? - o garoto deu um passo para trás, meio vacilante. Impossível ter invocado um demônio, havia desenhado a estrela de seis pontas! Ligação entre terra e Céu!

- Sim, ruivinho, recitou seus feitiços olhando o hexagrama do lado errado. É um amador, por acaso?

Felix manteve-se calado, com o ego um pouco ferido pela fala do sobrenatural, já que era, afinal de contas, de fato, um amador. Para começo de conversa, recusou-se a acreditar na existência da magia, eficiência da bruxaria e qualquer coisa que envolvesse outros planos desde que entrou na adolescência. Na escola, era alvo de zoação o suficiente por saberem que a Dona Agnes aspirava a bruxa.

- É mesmo um amador? - dessa vez o alarmado era o demônio, que levantou-se num pulo e andou o máximo que podia para mais próximo do garoto calado à sua frente.

- Talvez tenha sido minha primeira tentativa de sucesso. - para disfarçar sua vergonha pelas diversas vezes que se negou a crer em sua avó, ele coçou a nuca com a mão livre, inclinando a cabeça o suficiente para olhar apenas os próprios pés.

- Impossível! - levantou a voz, assustando Felix, assim como a si mesmo - Desculpa.

- Mas por que o choque?

- Não são mais comuns as invocações de demônios nos dias de hoje. Não só pela dificuldade, porque é necessária uma força absurda, mas pelo perigo também. - piscou mais lentamente e como mágica, suas íris apareceram castanhas sobre a esclera, agora, branquinha - Além disso, você, na primeira tentativa, conjurou um demônio de nível médio, um Protego.

Ainda chocado, ele caminhou pelo círculo. Por outro lado, Felix tentava processar as informações que havia acabado de receber. Então sua primeira invocação foi de um demônio? E ainda um demônio de nível médio cara de pau o suficiente para cantar um adolescente? Era demais!

- Se importa se eu perguntar quando é seu aniversário?

- É dia sete de Julho, por quê? - seus olhos estreitaram-se novamente, mas, dessa vez, receberam brilhos dos olhos alheios.

- Felix, eu te achei!

E com isso dito, Felix passou a sentir as pernas que o seguravam em pé adormecerem, assim como a visão escurecer e as mãos formigarem. A onda gelada que passou não só por sua espinha, mas pelo corpo todo o indicou que estava desmaiando, contudo, nenhum som foi ouvido, apenas apagou.

 A onda gelada que passou não só por sua espinha, mas pelo corpo todo o indicou que estava desmaiando, contudo, nenhum som foi ouvido, apenas apagou

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Obrigada a quem elogiou minha escrita lá no prólogo, de vdd, eu fiquei mt feliz 👉👈

E agora Entre Poções e Caos começa oficialmente! Espero que seja tão bom pra vocês ler quanto tá sendo pra mim escrever <3

Entre Poções e Caos 𖥻 hyunlixOnde histórias criam vida. Descubra agora