Aparentemente, foi fácil.Sem surpresas, sem lágrimas, mágoa. Apenas um estranho respeito, ela pensa.
Ainda que muitos considerem uma covardia ou um egoísmo sem fim, outros enxergam como um ato de extrema coragem. Qual a visão correta? Por quê?
Não quis ficar para o enterro, não por algum motivo (muito) sentimental, mas porque o que restou foi apenas um vazio. Talvez o que estivesse mais próximo do que sentia, seria confusão. Como em um sonho, ou após assistir um filme medíocre.
Não sinto o que eles sentem, pensou novamente.
Saindo do estacionamento do cemitério, percebeu a quantidade de carros e pessoas circulando, com as mesmas vestes, os mesmos tons escuros. As mesmas expressões de desconforto, cabeça baixa. Puxou um maço de cigarro do porta-luvas, junto à um isqueiro.
Os gritos histéricos da mãe ainda reverberam em sua mente. Perder uma amiga é suficientemente triste, mas perder uma filha destrói qualquer parente que é capaz de amar. E lá se vai ela gritando "meu bebê, meu bebê!" sem parar...
Ir para casa lhe faria entender e aceitar melhor. Empurrar um hambúrguer meio-quente-meio-gelado de microondas ajudaria a digerir a situação. Um longo tempo na banheira poderia lhe aproximar de como a amiga estava se sentindo ultimamente.
Mallory tinha 16 anos.
Esse foi a última coisa a pensar, antes de se jogar na cama.
. . .
Um trovão nada discreto e um granizo repentino, o suficiente para acordar April.
Entre suspiros e murmúrios de reclamação, se revirou na cama e olhou para o relógio ao lado da cama. 17:55.
Já era um dia perdido mesmo.Levantou-se como se fosse uma morta-viva e foi até a porta do quarto, em passos arrastados. Os olhos avermelhados e a garganta ardendo, implorando por água. Não comeu o dia inteiro pois se recusou a isso, voltando-se apenas para pílulas e nicotina. Passou pelo corredor e a chuva apenas ficava mais forte, quase lhe assustando novamente a cada raio e trovoada.
Desceu as escadas e segurou firme no corrimão, com medo de cair feio por conta de uma vertigem. Apenas tentou manter o equilíbrio e a atenção, enquanto sua cabeça parecia estar prestes à explodir, como um bomba atômica.
Suco de laranja, ovos fritos e tiras de bacon. Nada além do som do óleo fritando a refeição.
April Lillvick. 17 anos.
Seu olhar era quase morto, então a aparência não poderia ajudar muito nisso. As madeixas longas em tom castanho sem graça, serviam para esconder parcialmente seu rosto. Olheiras que poderiam ser confundidas com maquiagem e segundo ela, braços e pernas alienígenas. A pele pálida que gritava por uma dose de vitamina D e uma postura corporal digna de dar pesadelos à qualquer quiroprata. Roupas folgadas e desbotadas eram "apenas um charme", mas por um "bom motivo".
Alguns diriam que sua expressão era cansada, triste ou apenas raivosa. Qualquer palavra negativa, positiva ou neutra voltada a ela não causava impacto algum. Se encarar no espelho por muito tempo era o suficiente para lhe dar náuseas e uma bela obra de arte na pia do banheiro.
Um dia desses eu quebro esse relógio, pensou alto. Colocou o prato e o copo na mesa de vidro e sentou-se, tentando ignorar o ponteiro barulhento do relógio na cozinha. 18:17. O "jantar" estava pronto. Servidos? Não, não tinha mais ninguém em casa. Talvez apreciaria melhor a comida se não estivesse contando os segundos sem parar, mas era inevitável e estressante.
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Autodestrutivo
FanfictionSeu nome vem de uma flor azul. Azul como o céu de manhã, com um pequeno detalhe em verde. Eu vejo e reconheço o quão linda ela é. Longe ou perto, é uma visão admirável e um tanto hipnótica. É suave e agradável o vento que passa entre minhas madeixas...