capítulo único

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 Hoje é um dia mais do que importante para mim. Poderia até ser considerado o maior de todos. Hoje é o dia em que eu finalmente mostraria meu trabalho para alguém além de meu melhor amigo; alguém que realmente entende e pode julgar se eu for um merda. Hoje é o dia que eu me encontraria com Gerard Way.

Tirei uma foto qualquer e enviei-a para Bert, a fim de saber se estava no mínimo apresentável. Um conjunto inteiramente preto, composto por uma camisa simples, sem estampas que encontrei no meio da minha bagunça de camisas de banda e moletons com cores vibrantes, uma calça jeans e o tênis do modo mais limpo que consegui deixar com uma escova e sabão.

Ouvi o toque de meu celular e era Bert, que não sabia agir como uma pessoa normal e responder minha mensagem, e precisava me ligar para provavelmente gritar comigo dizendo que eu era terrível para escolher roupas.

— Você só pode estar brincando! — Gritou ele do outro lado da linha.

— O que?! – Perguntei, ficando nervoso pelo seu tom.

— Vem aqui agora mesmo, anão! Não vou deixar que estrague seu futuro por besteira.

O que será que tem de errado em minha roupa? Passei os olhos novamente no espelho e ajeitei a gola da camisa que usava. Eu não estava feio ou desleixado, estava? Ou será que usar a porra de um terno me faria mostrar mais capacidade para escrever um quadrinho decente ao nível de Way?

Bert desligou sem ao menos se despedir, então saí apressado, pegando os itens que precisaria e me dirigi até sua casa, sem me importar, já que era caminho para o grande prédio onde se encontrava a editora.

Minhas pernas tremiam e eu me sentia como o garotinho que sempre fui.

De família humilde, sonhos nunca foram viáveis para o futuro de uma criança com imaginação fértil. Sendo assim, imaginei uma coragem imensa que na verdade não tinha e acabei por sair de Nova Jérsei, me dando muito mal no começo. Vim parar em Nova Iorque por meio de bicos e economizando uns bons meses sem cigarros ou bebidas, muito menos me dar ao luxo de sair. Por isso, quando cheguei aqui, sem trabalho, sem experiência em praticamente nada, Bert apareceu e foi como um anjo em minha vida, que me ajudou nos primeiros meses, até eu conseguir um trabalho em um supermercado e ser capaz de manter um cômodo sozinho. Claro que com algumas dificuldades, principalmente no começo, onde eu precisaria de um fogão e uma geladeira, já que comer na rua sairia muito mais caro do que cozinhar em casa. Comprei algumas coisas em uma loja de itens usados e conseguia me manter, ainda sem luxos, mas em pé.

McCracken ofereceu o outro quarto de seu apartamento, dizendo que eu poderia continuar ali, dividir as despesas e toda aquela ladainha hospitaleira. Longe de mim ser ingrato por tudo que ele fez, mas eu saí de Jérsei para conquistar minha independência, não ficar fazendo peso para alguém como sempre. Por isso preferi arrumar um quartinho em que mal cabia eu e minhas tranqueiras a ficar escorado em Bert.

Meu sonho sempre foi trabalhar com arte, e conforme os anos foram passando, percebi que minha verdadeira paixão era o desenho, mas como uma criança sem muita experiência, não fazia ideia de onde poderia usá-los como trabalho, até depois descobrir o mundo das histórias em quadrinho.

Após alguns meses sendo falsamente "visto" na empresa de Way — apenas para ter meus desenhos jogados no lixo assim que eu desse as costas —, ou muitas vezes expulso do prédio, eu finalmente tive a grande chance: uma entrevista marcada com o próprio Gerard, que ocorreu a partir de uma ligação feita pela sua secretária de voz estridente e irritante, que errou a pronúncia do meu sobrenome e foi poupada de ser xingada apenas por eu não querer perder aquela oportunidade.

Meus pensamentos inoportunos quase me fizeram ser atropelado por uma bicicleta enquanto atravessa a rua. Só o que me faltava era chegar para a entrevista com uma marca de pneu na camiseta.

Dangerous attraction | FrerardOnde histórias criam vida. Descubra agora