Caminhando no aeroporto internacional voltando de um longo tempo fora do Brasil. A cada passo que caminhava pelos longos corredores para buscar sua bagagem o fazia lembrar de como foi difícil a ida para Itália com apenas 17 anos de idade. Relembrar como cada coisa deve acontecer no tempo certo só faz com que firmemos nossa fé nas incertezas de um jovem adulto. Não importa quantos anos você tenha, quantas experiências você tenha vivenciado, você nunca estará pronto para viver o agora.
- Com licença, será que eu conseguiria pegar as minhas bagagens que está ao seu lado? Disse Bernardo a uma senhora que também aguardava, porém, irritada com a demora de que todos os outros passageiros que viajaram por 15 horas no mesmo voo já estavam em caminho a suas casas.
- Por favor, mantenha distância estamos em uma pandemia! Aguarde a sua vez. Esbravejou com arrogância.
Fiquei surpreso com a fala má educada, voltei dois passos para trás e aguardei que um funcionário trouxesse minhas malas. Enquanto caminhava em direção a saída do aeroporto, me questionava como esta pandemia havia amargurado as pessoas, impossibilitando contato com as desconhecidas e dificultando mais ainda com quem está próximo.
Sinto algo vibrando em seu bolso, uma mensagem em meu celular. Um e-mail confirmando que meu airbnb estava liberado para hospedagem. Será meu lar durante os próximos dias de quarentena, antes de encontrar Rafael e Brenda em São Paulo. Entro no meu Uber em sentido a região central. No carro escutava uma música melódica que me fez encostar a cabeça no vidro e acompanhar o trajeto de todo os 45 minutos olhando para o céu cheio de nuvens.
- Está tudo bem senhor? Gostaria de uma água? Perguntou o motorista do Uber com a voz abafada devido a máscara que usava.
- Está tudo bem, muito obrigado. Só estou um pouco mexido devido ao dia de hoje.
Após responder o motorista, volto meus olhos para o céu e vejo a lua avermelhada, relembrando que há 8 anos atrás, houve um acontecimento em que a cor avermelhada da lua crescente hoje, remeteu a um fato, também conhecido como Lua de Sangue.
Brasília, 12 de Junho de 2013.
(Sinal do fim do dia na escola tocava).
- Ei Ber, por que está colocando suas coisas na Mochila com tanta rapidez? Calma que ainda são 18h, vai dar tempo de você passar o dia dos Namorados lá na colina. Disse Rafael caçoando da minha rotina.
- Para de ser otário! Por acaso você sabe o que acontece hoje? Tem o mínimo de ideia?
- Sim, hoje é dia de você relembrar que mesmo com 16 anos e no último ano do ensino médio continua solteiro e BV e vai passar o dia dos namorados com sua mão. Disse Brenda rindo da situação de seu amigo.
- Tá bom! Eu perco meu BV quando você e o Rafa assumirem que se pegam e fingem que nada aconteceu estando na minha frente, o que acham?
O silêncio pairou sobre Brenda e Rafael espantados.
- Vocês vão querer carona ou não? Indagou Bernardo.
- Ber, você sabe que não queríamos falar isso para te magoar né? Era só pra você evoluir um pouco, são 11 anos que você vive indo para aquela colina quase todas as noites! Você está no último ano do ensino médio, a época em que temos que decidir qual universidade ir ou qual curso devemos fazer e você só pensa em ficar olhando pro céu. Disse Brenda com preocupação.
- Vive no mundo da Lua! Para com isso mané. Disse Rafael enquanto dava um tapa na nuca de Bernardo.
- Vocês sabem muito bem que foi uma promessa que fiz para o meu avô e não posso deixar de cumprir. Ainda mais hoje, que temos a lua de sangue.
- O QUÊ??? Como assim Sangue??? Bem que minha avó dizia que no fim dos tempos a lua ficaria vermelha. Enquanto falava, Rafael começou a tremer e suar frio.
- Você é burro né? Disse Brenda rindo junto com Bernardo.
- Vamos lá, para de ficar vendo multishow depois da 0h e começa a ver alguma coisa que interessa. Lua de Sangue é o nome dado ao eclipse total lunar onde a terra cobre completamente a lua e ficará com um tom avermelhado, sabe por quê? Porque não chegará nem uma fresta de luz solar durante este fenômeno. Explicou Bernardo.
- Eu ainda acho que é o apocalipse! Afirmou Rafael.
- Ta bom Rafa, cala boca e vamos! O Pai do Ber já esta parado ali no portão, ou você quer ir da ¹asa Norte até a asa Sul andando?
Entramos no carro e seguimos até nossas casas.
Quando cheguei, já eram quase 19h, rapidamente me troquei, arrumei minha mochila com um pacote de nachos e uma cerveja amarga que peguei escondido no frigobar e coloquei na minha mochila. Com meu telescópio na mão e a minha empolgação, fui até a colina que ficava ao fim da minha rua bem no limite da asa norte. Chegando lá, coloquei uma manta no chão, peguei meu lampião a gás e liguei ao lado, montei a base do telescópio e o posicionei para a lua. Enquanto esperava o momento exato de 21h28 que era quando aconteceria o fenômeno, engraçado como ali eu conseguia sentir a presença de meu avô, como queria que ele estivesse ali para ajudar nas maiores decisões da minha vida, para conversar sobre toda esta confusão que enfrento dentro de mim e até mesmo para me direcionar sobre qual caminho eu deveria seguir minha trajetória profissional.
Era muito confuso como a cabeça de alguém de 16 anos tinha tantas complicações e quantas decisões difíceis para tomar. Enquanto comia meus nachos e tomava minha cerveja, observava apenas o silencio e admirava o céu, até que comecei a falar sozinho:
- Sabe vovô, o senhor me faz muita falta! Eu estou tentando ser o melhor que eu consigo, mas é muito difícil. Uma pena você não poder acompanhar de perto meu crescimento, ou pelo menos conhecer o Edu, meu irmãozinho que nasceu no início do ano. Sabe, ele é muito especial, ele é um bebê que logo cedo já conseguiu ser diagnósticado com autismo e mesmo com sua chegada recente em nossas vidas, ele será uma peça muito importante na nossa família. Existem dias, que a tensão é nitida entre os meus pais, mas ele consegue com aquele sorrisinho gostoso que todos os bebês conseguem dar, amenizar tudo de ruim. A mamãe está muito preocupada como será a vida do Edu, mas eu tento fazer com que ela não se preocupe, pois temos certeza de que ele ficará bem e terá o apoio de todos nós para enfrentar todas as dificuldades; o pai sempre muito reservado, mas vejo muita alegria quando ele está com o Dudu. Agora você deve estar se perguntando, "mas e você Bernardinho?". Bom vovô, será que eu devo ficar no Brasil e estudar astronomia? Estou concorrendo a uma bolsa para estudar na Itália um curso que eles chamam em português de "Arte, Design, editorial e geral", são 6 anos de curso aprendendo todas as categorias, acho que seria uma boa oportunidade para mim, e com toda certeza é um desafio tentador.
Enquanto estava olhando para a mudança vagarosa da lua, o céu começava a limpar as nuvens e mostrar o quão estrelado estava. Olhei para o céu e pensei "Só queria por uma noite esvaziar a minha mente na imensidão do espaço e me sentir mais perto do senhor".
Ao finalizar esta frase, uma estrela cadente rasgou o céu e neste momento juntei as minhas mãos, fechei os olhos e com toda fé que tinha desejei: Faça isso, realize meu desejo!
Continua no próximo capítulo...
Notas de Rodapé:
Asa Norte e Asa Sul: Em Brasília, o mapa da cidade tem o formato de um avião, então eles dividem as regiões por asas.
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Telescópio
FantasíaAviso: Capítulos disponibilizados semanalmente, todo sábado. Bernardo é uma criança que ganha de seu avô em estagio terminal, um presente que ele usará como amuleto emocional por toda sua vida. Na adolescência, um fato que muitos podem até chamar...