eight

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Capítulo oito.
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Harry tinha apenas onze anos quando viu o seu pai bater em sua mãe pela primeira vez.

Os gritos de Anne se propagavam pela pequena casa, e ecoavam no ouvido de Harry como mísseis disparados ao ar.

Ele não conseguia compreender e não tinha coragem de interferir. Ele apenas se sentou no cantinho do seu quarto acolhendo o corpo trazendo os joelhos para a barriga enquanto tremia e pedia baixinho para o papai do céu fazer com que aquilo parasse.

Mas não parou.

Foram inúmeras agressões.
Tantas que Harry não saberia contar.

Por mais que ele soubesse que os tapas, socos, chutes que ele desferiu em sua mãe provavelmente doíam, nada doía mais do que as palavras podres que saiam da boca daquele homem.

Ele dizia todos os dias que Anne era imprestável, lerda, um lixo, e um peso morto. Fora todas as outras palavras pejorativas que ele usava para atacá-la.

Harry sabia que ela andava esquecida. Muitas vezes esquecia o nome do filho, ou tantas outras esquecia panelas no fogão que se transformavam em enormes cortinas de fumaças quando ela finalmente lembrava que estava cozinhando algo.

Só aos quinze anos, Harry descobriu que era Alzheimer. O que fez com que o seu ódio pelo pai aumentasse.

Foi aos dezessete anos que ele percebeu que Anne estava piorando. Várias vezes teve que procurar no bairro porque Anne simplesmente saia e não sabia como voltar. Ele passava noites em claro enquanto observava a mãe chorar por não saber o que estava acontecendo com ela.

O dinheiro era precário, e Harry gostaria muito de dar um tratamento digno a ela, mas foi nessa época que o verdadeiro inferno começou.

Seu pai bebia e se descontrolava. Aproveitava enquanto Harry não estava em casa para descontar a sua raiva por ter uma vida miserável em sua mãe, que apanhava calada. Ela nunca contava, mas Harry percebia pelos roxos espalhados pelo corpo, e pelos cortes em seu rosto.

Quando estava prestes a completar dezoito anos seu pai entrou em casa bêbado e furioso, proclamando palavras de baixo calão. Quando ele ameaçou bater em Anne, Harry interviu, e apesar de ter um corpo já desenvolvido, ele sabia que seu pai era muito mais forte. Ele golpeou Anne a fazendo desmaiar, e Harry só se lembra de flashes após isso.

Existe uma amnésia chamada dissociativa, que ocorre quando alguém sofre algum trauma. Apesar de Harry não se lembrar de muitas coisas, ele ainda lembrava de pequenos fragmentos que o assombrava.

O barulho do cinto se abrindo. O zíper que era descido. O chão gelado que ele sentia enquanto sua bochecha era pressionada nele. Sua calça sendo abaixada. E as palavras que ele tanto gostaria de esquecer. "Viadinho de merda. Já que você gosta tanto de pau vamos ver se vai gostar desse. Geme igual uma vadia que você é. Nem para me fazer gozar você serve." E depois disso, um apagão.

Harry apenas acordou no dia seguinte, ainda no chão, com as calças abaixadas e com o corpo dolorido. Viu a mãe sentada no chão, completamente desorientada, com um corte na testa que tinha vestígios de sangue seco. Naquele dia ele prometeu que jamais voltaria a aquela casa, e que levaria Anne consigo.

Ele juntou todas as economias, e todas as suas coisas que eram poucas, e saiu daquela casa. Ele conseguiu internar Anne em uma clínica mais barata que havia no centro da cidade, e que tratava pacientes com Alzheimer. Com o pouco que ainda tinha, ele se hospedou em um hotel barato.

Tentou por dias esquecer das sensações que sentiu. Harry sabia o que havia ocorrido ali, naquele chão gelado. Sabia o que o pai tinha feito. Sabia o quanto aquilo iria marcá-lo pelo resto da vida. Mas estava tão desorientado quanto a mãe, e precisava salvá-los de qualquer forma.

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