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Sandra Furtado. Aquela mulher sabia como preencher um espaço com sua presença e exigir a atenção de todos com apenas um olhar. Naquela noite, fiquei a seu dispor. Carregava suas coisas, buscava água, bebida, canetas e mais livros para que pudesse assinar. Ao seu lado permaneci a noite inteira, mas minha atenção se dispersava a todo momento - não me leve a mal, Sandra era uma mulher estonteante, interessante e tudo o mais o que já citei. Além do mais, era simplesmente genial e reconhecida no mundo acadêmico por seus estudos sobre feminilidades. Entretanto, minha atenção ainda se dispersava a todo momento... Até Letícia.

Meus olhos a procuravam ansiosos, minha boca desejava dizer mais do que os ansiosos cumprimentos e as brincadeiras tímidas de mais cedo. Minha cabeça formulava diversos pedidos de desculpas... E mais perguntas. Até porque, essa cidade minúscula havia me dado o prazer de confrontar uma das minhas grandes dúvidas: Raíssa.

Seu nome estava na contracapa do livro em lançamento naquela noite e os créditos pelas ilustrações e organização iam para ela. Pela primeira vez, Sandra Furtado havia preparado um estudo sobre feminilidade e empoderamento completamente voltado para o público juvenil - por isso, as ilustrações, no intuito de ser um material mais didático. Raíssa - aquela cujo ombro Letícia se apoiava na foto postada no fim de semana, cujos olhos me encararam no momento em que quase estraguei tudo com Letícia - havia participado daquela obra absolutamente foda.

Eternos suspiros internos. E alguns completamente reais.

— Você pode se sentar, você sabe, né? — Sandra avisou, abrindo um sorriso torto.

— Estou trabalhando, você sabe, né? — lembrei-a pela quinta vez naquela noite, abrindo o melhor sorriso despreocupado que era capaz.

— Por favor, me faça companhia — pediu, tocando levemente em meu antebraço.

Hesitei por uns segundos, mas, tomada por sua aura magnética, acabei por aceitar o convite.

— Você tem a companhia de todas essas pessoas — disse, referindo aos convidados que tomavam o centro da enorme livraria.

— Normalmente, sim — concordou, pegando o copo d'água sobre a mesa. — Mas muitas pessoas aproveitam essas noites para benefício próprio.

— Essa deveria ser a sua noite — retruquei, subitamente irritada.

Ela riu, evidenciando algumas rugas de expressão típicas de alguém na casa dos quarenta anos. Os cabelos ruivos presos no alto de sua cabeça balançavam enquanto ela segurava o que poderia ser uma gargalhada estrondosa.

— E é — disse, por fim. — Não preciso de bajulação. Só disso — apontou para a pilha de livros ao seu lado.

Sorri para ela. Gostaria de ser tão confiante, bem sucedida e reconhecida quanto Sandra Furtado.

— Seu momento vai chegar — disse, como se escutasse meus pensamentos.

Gentilmente, colocou sua mão sobre a minha, entretanto algo me disse que aquele gesto era mais do que uma simples tentativa de me confortar.

A todo momento, sentia os olhares de Sandra sobre mim e mal conseguia respirar. Minha mente ficava dividida entre o trabalho, o êxtase de ter uma mulher como aquela me observando... E a confusão de querer que outra o estivesse fazendo.

Era uma segunda-feira, mas todos pareciam não se importar enquanto pediam drinques e mais drinques. Eu - satisfeita com a quantidade de álcool que havia ingerido no último final de semana - enchia e esvaziava meu copo com água numa velocidade absurda, frequentemente tendo que buscar uma nova jarra para a mesa de Sandra. Nesses momentos, conseguia me aproximar mais de Letícia, que estava cuidando do fluxo de entrada da livraria e da lista de convidados da pequena "área VIP". Não tinha certeza se me notava, mas eu a espiava com o canto do olho toda vez que passava por ali.

Lésbica e Desequilibrada ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora