Depois da noite do sonho, O Garoto levantou melancólico. Ele queria tanto encontrar a felicidade com o Louis do livro e olhando para as paredes daquele solitário lar, ele percebeu que não tinha ninguém para contar sobre aquele sonho. Eroda não era lugar para sonhar porque tecnicamente, era exatamente lá em que você já teria realizado todos os seus sonhos. Você deveria estar satisfeito.
Assim, triste e solitário, O Garoto se arrumou, pegou seu capacete e foi até a lanchonete pegar seu café da manhã. Ele não gostava de tirar o capacete perto das pessoas, então foi comer na praia, onde não tinha ninguém para olhar ele com medo e até ódio. Com isso, sentado na areia que não era nem um pouco macia, tinha muito pedregulhos, mas eles eram geladinhos por serem banhados por a obscura água do mar quando a maré subia. Então, O Garoto gostava de caminhar por eles, de pés descalços enquanto comia seu sanduíche com manteiga de amendoim.
Quando acabou seu lanche, chegou mais perto do mar, deixando algumas ondas molharem seus pés descalços e mais uma vez olhando para o horizonte, imaginando se tinha algum lugar para ele muito além de onde sua vista alcançava. Assim, como se estivesse hipnotizado, ele foi caminhando aos poucos para mais dentro do mar, ignorando o quão perigoso poderia ser, pois ele já estava tão machucado que, sinceramente nem ligava mais. Ele só queria sentir algo diferente, se sentir livre como ele se sentiu no sonho quando estava nadando com Louis em forma de peixe.
No entanto, com a água um pouco acima dos seus joelhos, antes que pudesse seguir mais para o fundo, ele avistou um pequeno peixinho dourado se debatendo em cima de uma rocha ali do seu lado. Dessa forma, ele imaginou que o peixinho estava pedindo ajuda. Quer dizer, ele enxergou nos olhinhos azuis do peixinho que ele estava pedindo ajuda. Então, concluiu que a ajuda que ele queria era voltar para o mar, por isso, pegou ele delicadamente em suas mãos e colocou na água. Porém, para surpresa do Garoto, O Peixe, como se estivesse apavorado em voltar para água, onde ele teve que enfrentar tanto ódio, voltou para a rocha. Era como se preferisse morrer ali, sendo ele mesmo do que ter que voltar para o oceano e ser rodeado por tanta rejeição.
Foi então que O Garoto, com seus olhos verdes, mergulhou no azul dos olhinhos do Peixe e sentiu tudo. Sentiu tudo que nunca pensava poder sentir naquela ilha. Ele se sentiu compreendido, sentiu que não estava sozinho. Afinal, assim como ele caminhava para dentro do mar, preferindo aquele perigo do que voltar para sua suposta casa, O Peixe estava fazendo o mesmo. Os dois estavam feridos, mas os dois não estavam mais sozinhos. Porque, como Joseph Addison constatou um dia: “As cores falam todas as línguas” e naquele momento o azul estava falando com o verde e eles estavam indagando se um poderia ser a salvação do outro.
Portanto, sem perder mais nenhuma segundo, O Garoto pegou O Peixe em suas mãos e saiu correndo dali, de volta para o vilarejo, desesperado cada vez que O Peixe parecia diminuir mais seus sofridos ofegos. Ele corria feito um louco, todo destrambelhado, como sempre, sem seu capacete que ele tinha deixado na praia e por isso, todos ao seu redor abriam caminho, por medo, claro. Desesperado, ele entrou no salão de beleza, sorriu para todos, pois afinal, ele sempre sorri e correu para o jarro transparente de água mais próximo.
Enquanto, os outros no salão ainda tentavam se recuperar do grande brilho que o sorriso do Garoto tinha proporcionado, ele checou se a temperatura da água estava adequada e quando viu que estava, colocou O Peixe ali dentro, vendo com alívio O Peixe aos poucos se recuperar e começar a nadar.
— Saia daqui! — Gritou a dona do salão, assustando O Garoto e O Peixe.
— Vamos, Louis. — Disse O Garoto, caminhando cuidadosamente para fora do salão, levando o jarro de água com O Peixe que ele tinha acabado de nomear de Louis.
O Peixe balançou suas pequenas nadadeiras, girando e girando como se quisesse mostrar que estava feliz e satisfeito com o nome, pois se ele tinha um nome para aquele Garoto Peculiar, significava que ele era importante para alguém, considerando que ninguém em Eroda tinha nomes. Nomes não importavam, só a aparência e coisas muito superficiais, como quanto dinheiro você poderia trazer para a ilha, por exemplo. Então, ele ficou se perguntando, como poderia chamar O Garoto.
Chegando na casinha dele, O Garoto colocou o jarro transparente com água na cômoda, do lado da TV e sentou em sua cama, ficando apenas admirando Louis, nadando graciosamente, provavelmente sendo ele mesmo depois de muito tempo preso nas amarras de Eroda, pois com O Garoto, ele tinha aquela liberdade. Dava para ver no sorriso bobo do Garoto que tudo bem. Sorriso esse que O Garoto dava pela primeira vez sem ter medo de ser julgado, pois com Louis ele tinha aquela liberdade. Tudo isso por um longo tempo, com o brilho do sorriso do Garoto, batendo nas escamas douradas de Louis que já tinham seu brilho próprio, mas ao se juntar com o brilho do Garoto, parecia que os dois eram um grande Sol no meio de uma bolha de liberdade e paz só deles.
Tudo isso até Louis parar de nadar e apenas ficar olhando de volta para O Garoto, de novo o verde no azul e azul no verde se comunicando, dividindo suas dores, compartilhando seus sonhos, aqueles que ninguém mais poderia ou queria saber.
— Louis, você conhece Van Gogh? — Perguntou O Garoto, prestando atenção na resposta de Louis que balançou o corpinho todo para lá e para cá, dizendo não.
Com essa resposta, O Garoto se levantou, abriu uma das gavetas e tirou um quadro lá de dentro. Era uma tela de tamanho médio, Louis se perguntou se haviam mais telas naquelas gavetas. Era um campo de girassóis, com O Garoto dançando no meio enquanto carregava uma mochila transparente, cheia de água, pois havia um peixinho dentro. Um peixinho que era assustadoramente igual a Louis. Louis só conseguiu pensar: "ótimo! ele também gosta de dançar".
— Van Gogh pintou 11 quadros em que os girassóis são o principal tema e outros em que eles têm um papel importante. Ele amava girassóis e os representava de uma forma única. — Começou a contar O Garoto. Louis definitivamente já amava a voz dele e a paixão em seus olhos — Ontem de madrugada, eu acordei de um sonho em que eu nadava com um peixe lindo no fundo do mar. Um peixe que conheci através de um livro. Então, para passar o tempo, já que não consegui voltar a dormir, pintei isso, mas eu não entendi porque me deixei levar pela a lembrança da paixão de Van Gogh e desenhei a gente em meio a tantos girassóis. Quer dizer, eu sei que você não é O Peixe do livro, Louis, mas algo me diz que aquele sonho já era sobre você e não sobre o livro. Eu realmente estava precisando muito de você.
Louis girou ao redor do próprio eixo e bateu de leve no vidro com o seu rabinho, como se tentasse responder que ele também estava precisando do Garoto.
— É! Acho que precisávamos um do outro. Por isso, depois que te vi, entendi porque desenhei a gente entre tantos girassóis. Foi como uma mensagem do meu subconsciente. — Falou, pendurando a pintura na parede onde estava a cômoda, um pouco mais acima de onde estava Louis — Acontece que Van Gogh pintava girassóis, muitas vezes murchos, perdendo suas vidas. Ele representava os girassóis que alguém colocava num vaso de manhã cedo, mas estavam morrendo, pois ninguém cuidava deles. Acho que é isso que aconteceu com a gente hoje de manhã. Nós somos belos girassóis que estavam prestes a perder suas vidas porque ninguém nunca se importou com a gente, com quem somos de verdade. Porém, agora nós temos um ao outro, vamos cuidar um do outro e nunca mais deixar nossas pétalas murcharem. — Concluiu, rindo da forma como Louis dava rodopios e piruetas de felicidade — Sabe… As pessoas costumam se perguntar o que seria do amarelo, se não fosse o Van Gogh. Hoje eu só consigo me perguntar: o que seria do Verde se não fosse o Azul? E isso é por sua causa, Louis. Lá na praia... Você me salvou.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Era Uma Vez Em Eroda
FanfictionExiste um lugar entre a Ilha dos Sonhos e a Ilha da Liberdade. Esse lugar é também uma ilha, a mais remota e pequena. Ela se chama Eroda. Por mais que esteja entre esses dois pontos, ela é afastada de tudo e ninguém garante que se você passar por um...