Semente

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Yi'v toca o solo com a palma da mão. A terra úmida fala consigo através da água. "É tempo de semear". Sobre sua cabeça, bandos voam em formação triangular rumo ao sul.

O barro negro, nutritivo, está preparado. Centenas de mulheres se embrenham pelas margens do grande rio. Três sementes a cada três palmos, desde a marca d'água até o limite da terra enegrecida pela última cheia.

Uma grande cabana construída pelos libertos acolhe o terço dos grãos destinados ao replantio. Tudo baseado na simples fé em Yi'v. O povo é incapaz de entender o processo criado pela mulher.

A vida dentro de cada semente é um mistério. Dá certo. Passam apenas algumas luas para que o leito úmido esteja repleto de brotos. Cada um se espichando em direção ao céu.

— É para o céu que os brotos apontam. Seguem a luz. — Yi'v recita em um sorriso.

— Ainda há caça. Isso me basta. — responde Had'm.

— A semente dos animais difere... — Yi'v complementa, ignorando o comentário. — Temos que juntar macho e fêmea para a criação.

— Como faremos isso? — Had'm questiona intrigado. — As feras não se deixam cercar... Um javali, um cervo... Quando acuados, lutam até a morte. São nada sem liberdade.

— Veremos, Had'm. — Yi'v suspira. — Veremos...

As cercas de madeira delimitam um grande campo onde uma manada de ovelhas e cabras pastam. Centenas de reses, com suas crias, gritam quando o amanhecer se pronuncia. Os libertos levam os grãos sovados para alimentar as criaturas.

A falta que os grãos fariam é compensada pela carne tenra que o curral lhes oferece, sem esforço, sem caçada.

— Isso não está certo. — Had'm se manifesta.

— Por que, homem? — Yi'v vira os olhos ao encontro do companheiro.

— Tæ'th não aprova isso... Os homens devem obter sua caça.

— E não está obtendo?

— Não, mulher... Isso é errado. Não há luta, não há virtude, não há honra.

— Você entende? Perde a força o homem que não abate o animal? É isso?

— É isso.

— Sempre pode ir para o bosque em busca de um porco.

— Se temos carne aqui sem esforço, que homens irão comigo?

— Nunca supus que isso lhe importasse — Yi'v responde com um olhar de reprovação.

— Estás certa. — Had'm sorri, um fino sorriso em seus lábios. — Tiraste nosso trabalho, nossa caçada. Tirarás o quê em seguida? Nossa serpente?

— A serpente tem estado longe... Gai'ah comanda nossos campos e nossa gente. Todos lhe prestam honras. Cuidado com seus desejos.

Had'm fecha seu semblante. Entendeu que o poder que emana de Yi'v agora é muito superior ao seu. Após a rebelião acreditou que seria o líder de seu povo, porém, o milagre de Yi'v, a comida para o povo faminto, uma demonstração inconteste do poder de Gai'ah. O povo a segue sem hesitação.

A construção está praticamente pronta. A tribo estabelecida à beira do rio, há anos constrói um grande salão em homenagem à deusa. As paredes de barro e paus trançados, cobertas pelo teto de palha de trigo, abrigam a imagem da deusa sagrada. A deusa que lhe alimentou e continua a alimentar. A deusa de Yi'v.

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