III. Ainda sobre ela

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Talvez eu tenha deixado-me levar ao descrever-lhes o que senti. Deixemos minha narração presente de lado, e voltemos para às de sexta-feira.

Ela estava lá. Conversando com, o que eu esperava que fossem, dois amigos. Retornei meu olhar aos meus companheiros, evidenciando o sucesso na ação que haviam me proposto. Müller, foi o que primeiro percebeu meu interesse na garota sentada aos canteiros do balcão. Colocado a mão em meus ombros declarou um velho discurso ao qual ouvia em todas as noites em que saiara do OZzts acompanhado de alguma mulher- Hoje é dia de festa, amigo.

Como já os certifiquei, reprovava a condição a qual Müller dava aos relacionamentos, supondo que são simples como dar um "bom dia". No entanto, aqui não cabe julgamentos sobre as práticas de Müller. Reservarei, talvez, um ou dois capítulos para descrever algumas das histórias que, para ele, tem sinônimo de sucesso. Sim, talvez um capítulo, é suficiente.

Na mesa, recebi votos de confiança para que fosse até aquela mulher, até então, desconhecida, e a comprimentasse. Eu, no entanto, estava receoso. Não queria me envolver em alguma confusão caso um dos homens que a acompanhava fosse mais que um amigo. Na verdade eles não pareciam ser mais fortes que eu. O maior dos dois tinha pouco mais que um metro e setenta. Mas, isso não importava, visto que sou contra qualquer tipo de violência.

Agindo furtivamente, decidi perguntar a algum dos garçons, que, me cobrando alguns centavos pela informação, garantiu-me se tratar de uma moça solteira. Ele disse-me, ainda, seu nome, Julie Hans. Nome bonito, não? Tão lindo quanto o semblante da criatura que o detinha.

Estava decidido a conhecer Julie Hans ainda naquela noite. Com as garantias que me foram concebidas, restava-me a ação. Em minha mente surgiam várias idéias de como iniciaria um diálogo com Julie. Em um deles eu me permitiria cair sobre o balcão, próximo à ela, como quem está passado mal, esperando alguma reação de comoção por sua parte. Cheguei ao ponto de imaginar-me em uma das estratégias de Müller, onde suporia um estado alcoólico para amenizado a humilhação, caso sofresse uma rejeição. Preferia uma abordagem natural, algo como um " oi, tudo bem?". Não sei, até hoje, se esse tipo de coisa é mais agradável que uma entrada heróica, mas foi o que me dispus a fazer.

Digirindo-me ao balcão, intervi-a

-O...i...Ahn, gosta de música ? - gosta de música? Que tipo de pergunta é essa? É óbvio que ela deve gostar de música. A falta de palavras me conduziu à isso. Estava nervoso.

O olhar dela, era, também, belo. A íris de seus olhos eram verdes. Seriam perfeitamente confundidos com os olhos de um anjo.

- Olá- disse-me, rindo discretamente- um estranho perguntando por meus gostos musicais? - repreendeu-me com um ar acolhedor.

- Ah, sim. Perdoe-me. Chamo-me Robert Alvo, e você?

- Agora parece-me melhor- ainda rindo- o meu nome é Julie Hans- eu, fingindo desconhecê-lo.

Nesse momento os dois amigos, sortemente, entenderam o meu objetivo alí, e despediram-se da moça, lançando-me um olhar de "boa sorte". Eu estava estático. Uma verdadeira estátua. Não fosse Julie, que convidou-me à sentar-se ao seu lado, teria ficado alí, parado, como as gárgulas da Catedral de Notre-Damme. Pensei, então, em usar uma das frases decoradas dos versos de Carlos Drummond de Andrade ou as de João Cabral de Melo Neto, mas ela retroagiu.

-Sim, eu gosto- disse-me ela.

-Gosta?- esquecí-me momentaneamente de meu primeiro discurso.

-De música. Não foi o que me perguntou?- rindo.

-Ha, é. Desculpe-me. Mas, e então, tem algum estilo preferido?

- Não, na verdade sou bastante eclética. Você?

- Ora, compartilho do mesmo pensamento- digo-lhe- mesmo enclinando-me para aquelas músicas mais calmas e convidativas.

Conversamos sobre tudo. Falamos de teorias humanistas, meio ambiente, políticas sociais e até mesmo sobre Teletubbies. Ela era a amarela e eu o verde. Nunca havia me sentido tão bem em uma noite de sexta-feira. Acabei até mesmo esquecendo que a minha presença, naquele dia, remetia à promoção que Gabriel havia ganhando. Mas, certamente, eu seria perdoado, pois à muito uma mulher me prendera tanto em uma conversa.

As horas passaram rapidamente. Ela, então, passou-me o seu número de telefone e, abraçando-me, despediu-se. Tinha, em meu rosto, um sorriso. Verdadeiro.

Voltei à mesa de meus amigos, que receberam-me com um sorriso ainda maior. Queriam saber tudo sobre ela. No entanto, a noite já estava bastante sombria, e decidimos deixar para um outro momento.

Já em minha cama, sonhei com ela e com a curta noite daquela sexta-feira.

Meus dias com elaOnde histórias criam vida. Descubra agora