Aquele sentimento angustiante e penoso passou despercebido por Pietro que agia de forma indelicada e despretensiosa, com seu jeito de tratar as coisas de maneira tão crua e imparcial para com ela.

__ Talvez seja febre, o tempo anda meio mal das pernas, sabe __ afirmou, dando uma risada de escárnio.

Se pudesse falar naquele instante, diria o quão idiota fora sua atitude, beirando o ridículo.

__ Pelo visto você andou passeando lá fora. __ comentou, após uma rápida e breve olhada ao pé da porta onde se estendia pegadas de terra, antes úmida e lamacenta, agora dura e enrijecida, até um canto daquele recinto próximo dos dois presentes na sala.

Ela fez que sim num gesto, todavia, antes que Pietro pudesse sequer pronunciar as primeiras letras de sua resposta, fora interrompido pelo esbravejar do animal lá fora que lhe tomou a atenção por poucos segundos.

Estavam realmente convencidos que havia algo a se arrastar fazendo barulhos esquisitos e estranhos, crepitando num grunhido de bicho, junto ao som de um ruflar de águas bastante incômodo.

Os dois se entreolharam.

__ Salém está bem agitado. __ disse, num tom de voz baixa como se aquilo, ( por mais momentâneo que fora ), o tivesse deixado intimidado.

__ Bom, acho melhor ir ver o que diabos é isso __ completou __ Aproveito e coloco logo ele na coleira. __ em seguida fora até a porta entreaberta, e de lá só se ouviu seus passos se dirigirem para fora no "terreno" da casa.

Suzane então se levantou rapidamente, indo em direção a escada onde levava até seu quarto, subindo cada degrau de ombros e cabeça baixa, sentindo um frio que lhe percorria a espinha.

Os sentidos estavam apurados o suficiente para perceber que, mesmo quando a luz do dia penetrava os cômodos, quartos, canto ou outro ainda estava mal iluminado, pois uma simples e singular sombra adquire traços e formas distintas.

Aquela sensação desconcertante de que algo muito ruim está por perto, como se alguma coisa estivesse à espreita prestes a fazer algo que certamente não soava como bom aos ouvidos de Suzane, na verdade, nada bom: aquilo soava terrível.

Pois era assim que fazia, o bicho papão, ele queria mais, mais do medo, ainda não estava satisfeito, por isso precisava dela.

Ela sabia disso, sabia que uma hora ou outra ele sairia do armário arrastando os pés podres no chão cobertos por terra úmida, e algas, deixando um rastro viscoso e pegajoso de lodo.

Os sonhos intranquilos faziam o trabalho de lhe apavorar durante o sono, com certo prazer em atormentá-la, enquanto dormia profundamente.

O som fervilhante da tampa do caixão de madeira oblongo abrindo de dentro para fora e de lá saía o ser moribundo envolto em um traje em retalhos e frangalhos.

Sangue coagulado e terra molhada, no rosto dilacerado do homem de expressões cadavéricas e mórbidas.

Suas órbitas, de um defunto morto há dias, jazendo em sua cova coberta por solo frio e sepulcral, pareciam dois charcos de piche.

Um monstro de garras compridas, fora uma coleção de dentes enormes e pontiagudos formando a primeira fileira da frente, a segunda de trás composta por uma coleção de pequeninos dentes triangulares e serrilhados, dentro da boca que se abriu mais que a de qualquer ser humano: com os maxilares escancarados.

A coisa hedionda era algo grotesco e inumano, vindo das profundezas do inferno.

De repente um estrondo alto, agudo, e penetrante, acordou Suzane de seu tormento infernal com tanta violência quanto o despertar da bela adormecida.

O desespero cirúrgico e meticuloso depois de acordar de um pesadelo para vivenciar outro ainda mais intenso e perturbador.

Naquele momento, Suzane não conseguia conceber o que estava diante de seus olhos.

Era a personificação do mal saído direto da terra em sua pior forma.

Aquele cheiro putrefante da morte já consumada, o odor despido da degradação do tecido e dos órgãos já decompostos.

Ele estava sujo de terra e lama viscosa, besuntado de um líquido preto, fora o lodo de um musgo que saía de sua boca apodrecida e algas que deslizavam, até abaixo.

As palmas possuíam feridas, sob a pele pálida e branca, marcada por manchas escuras, e um verde predominante de tiras de grama agreste.

Terra e mais terra formavam um rastro de lama, pegadas úmidas do roupeiro até a cabeceira da cama.

Seu semblante proporciona-lhe horror, pois tanto os globos oculares consumidos pela decomposição, quanto os movimentos estéticos da face inanimada, eram, certamente, um dos piores horrores que Suzane pôde conceber.

Uma visão hedionda e grotesca formava-se diante dela, um pesadelo que havia se tornado realidade.

O terrível não parecia algo distante, uma sensação ruim, um perigo iminente.

Agora isto havia de se tornar algo de realidade absoluta.

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