Resquícios de um sonho ruim

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— A última caixa se foi! Caralho, quanto trabalho — Kiba suspirou coçando a nuca enquanto se aproximava de Shino.

Nunca pensou na dificuldade de se mudar de casa depois que a família aumentou. Quando vieram morar nessa residência, tinham poucas coisas e estavam construindo uma vida a dois, quase a três. E que logo aumentou para quatro, junto com os pertences, móveis, roupas e brinquedos!!

Levaram um tempo significativo encaixotando tudo no decorrer daquelas semanas, organizando as caixas e por fim supervisionando os funcionários da mudança.

Tudo aquilo seria dividido em duas etapas: a primeira iria para a casa de Tsume, mais espaçosa. A segunda leva ficaria no apartamento de Shibi, onde Shino, Kiba e os filhos pretendiam passar os próximos meses. O patriarca Aburame não era o único preocupado com o ocorrido e o bem estar da pequena família, Tsume e Hana, Ino e Naruto, todos se tornaram presença frequente oferecendo apoio na medida em que lhes cabia, junto com o conforto possível.

— Você está bem? — Shino indagou observando o companheiro com atenção. Os ferimentos no rosto não eram mais do que uma sombra obscurecendo a expressão jovial, os outros arranhões e arranhaduras já desapareceram, devidamente cuidados.

Mas não eram essas injúrias que preocupavam Shino. O que lhe partia o coração era algo que duraria mais tempo para se curar, que não deixava cicatrizes visíveis, sendo perceptível de outras formas: os sobressaltos do Ômega durante a noite, que às vezes acordava desorientado e suando, só conseguindo algum repouso após doses de calmante, assim como nos olhos selvagens que prestavam atenção redobrada em sombras e vãos até mesmo inofensivos, na forma como tentava ter certeza de que tudo estava bem com os filhotes, a maior parte do tempo possível. Era isso que partia o coração de Shino: a paz que Kiba já não tinha, que foi destruída em um ato violento de covardia.

A decisão seguinte foi penosa, contudo rápida.

Estavam vendendo a casa. O lar erguido a duras penas, onde se tornou impossível para o casal habitar. Kiba, o mais afetado, já melhorou bastante das crises de ansiedade e pânico que vinham principalmente à noite. Recusava ajuda profissional, garantindo que dava conta dos sentimentos ruins. Shino sabia que isso apenas prolongava o sofrimento, embora não pudesse obrigá-lo a ir a um psicólogo, tal decisão precisava partir do Ômega.

Kiba olhou o marido, que segurava o filho caçula nos braços, e então para a casa fechada e marcada com uma placa de "Vende-se". Masako estava agachada, brincando na grama com uma bolinha.

— Não sei — Kiba respondeu com sinceridade.

Guardava tantas boas lembranças naquela casa no decorrer dos últimos quatro anos. E então três pessoas desconhecidas vieram e destruíram toda a segurança que sentia em casa, machucaram seu corpo, sua mente, ameaçaram as amadas crianças e privaram a família do querido cachorrinho, mascote que Kiba tinha desde que podia se lembrar. A parte boa que viveram ali eram muitas e importantes. Mas o medo e a insegurança pareciam maiores, e, ainda que não fossem maiores, só o fato de estarem ali no dia a dia, a cada segundo, mexiam com os nervos de Kiba minando sua confiança. Não conseguiria viver na casa por mais que amasse o lar.

Por isso a decisão de se mudar, de vender tudo e passar uns meses no apartamento de Shibi, que os aceitou de braços abertos. Depois pretendiam investir o dinheiro da venda em uma casa nova, com um bom espaço para as crianças, mas não tão afastada dos vizinhos, mais segura e protegida. Talvez algumas câmeras, quem sabe um residencial com portaria vinte e quatro horas...

Outro fator que contribuiu para a quase fuga do casal se relacionava à imprensa. A história repercutiu e atingiu patamares inimagináveis, angariando simpatia para o casal e solidariedade acima de qualquer coisa. Várias emissoras os procuraram querendo entrevistas e depoimentos sobre o triste caso da invasão que poderia ter terminado em uma tragédia maior não fosse o retorno inesperado do Alpha que fez tudo o que podia para proteger seu companheiro.

Shino ainda lidava com as consequências desse ato. Kankuro se ofereceu para assumir a autoria de tudo, era irmão de um Kazekage e poderia facilmente varrer tudo em nome da diplomacia e terminar com um mínimo de repercussão. Gentileza afastada sem hesitação. Shino arcaria com todos os ônus de sua atitude, custasse o que custasse, ele fez o que foi preciso por Kiba e por seus filhos. Nunca aceitaria passar o fardo para outra pessoa. Foi de consciência limpa que agradeceu a oferta e se despediu do grande amigo após toda a exaustiva sequência de depoimentos prestados às autoridades, momento em que Kankuro retornou a Suna.

Ele matou um Alpha com as próprias mãos, além de machucar um Beta imputando-lhe sequelas das quais nunca se recuperaria. Algo que seria tenebroso não fosse o contexto de invasão e agressão à um Ômega. Kiba passou por um exame de corpo de delito que afastou qualquer dúvida sobre a questão. O delegado responsável pelo caso registrou a ocorrência como "Auto-defesa" e ninguém questionou o fato. Sasori passaria o resto de seus dias em uma casa de repouso para shifters incapacitados, Deidara provavelmente assumiria a culpa pela invasão, grave ameaça, cumplicidade em abuso e outras acusações mais, desse modo evitaria a pena máxima, porém ainda passaria bons anos atrás das grades, mesmo tendo delatado Kabuto e fornecido provas sobre a participação do ex-colega de Shino na trama.

E Hidan... teve seu desfecho decretado na sala da casa Inuzuka-Aburame, pelas mãos do Alpha tranquilo que naquele instante segurava um filhotinho sonolento com todo o cuidado do mundo.

E que puxou seu companheiro Ômega para se proteger em um meio abraço desejado por ambos, dando a oportunidade para que ele chorasse com privacidade todas as lágrimas que precisasse para aliviar o coração.

Masako levantou-se da grama e correu para abraçar a perna de Kiba. Assim como ele estava mais sensível à segurança das crianças, Masako parecia mais atenta às reações do Papai em igual proporção. Não compreendia bem o que acontecia, suas lembranças de uma noite feia eram confusas e incompreensíveis. Só captava a tristeza do Ômega e reagia a ela na medida em que sua infância e inocência permitiam.

Condoído, Shino expandiu um pouco sua presença, abrigando não apenas o Ômega choroso, mas as crianças dentro de seu espaço pessoal, no único gesto que sabia dar confiança a Kiba naqueles momentos: a força e firmeza de sua essência Alpha.

Contagiados pela tristeza do Papai, Masako também começou a chorar, assim como o pequeno Kaoru. Até na face pálida de Shino uma lágrima silenciosa deslizou. A cura era feita de altos e baixos, pequenas alegrias e grandes tristezas que a cada vez se tornaram mais fracas e fáceis de lidar, integrando a história de lutas e vitórias daquele casal, um detalhe marcado pela dor, humilhação e sofrimento; mas superável justamente pela união que os ligava e pelo amor que era a maior característica daqueles quatro shifters.

A paz voltaria, Shino tinha certeza. Seguiriam em frente com dignidade e orgulho. Haveria felicidade e o riso seria constante no futuro.

Mas mesmo com tamanha certeza, permitiu que apenas chorassem naquele momento, honrando a despedida da casa que começou a história da família.

Não era um "adeus" fácil ou sequer desejado, mas era algo muito necessário.

Shino&Kiba

Notas finais do capítulo:

Obrigada por ler até o final, espero que tenha gostado!

O seu pior pesadelo (ShinoKiba)Onde histórias criam vida. Descubra agora