2. O VALE TEM FOME

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Os dias que se seguiram após a manhã de estreia dos Jogos, foram de grande apreensão. Ninguém sabia ao certo se, ao final do período de recesso decretado pelo Rei, as competições seguiriam normalmente. Fortes burburinhos pairavam na Corte e nas Vilas Reais acerca das sentenças que Agnos havia tomado. Também era inegável que todos especulavam a respeito das não habilidades de Aldon para magia, tampouco cogitavam a possibilidade dele se tornar o mago do reino após o desempenho catastrófico na abertura dos Jogos.

Não era de se estranhar que toda Winterhood tivesse paralisado ante tamanho evento, visto que há muito tempo não se presenciava algo tão forte e visceral como a suceção de caos que aterrorizou a arena. Entretanto, era desejo de todo povo, bem como do rei, que os Jogos fossem retomados na sua totalidade. Afinal, era um evento que fazia parte da cultura dos elfos da Floresta.

Assim, na manhã do quarto dia após o decreto, foram retomadas as competições. Winterhood estava novamente em festa. Um cheiro macio de rosas e outras flores tomaram conta das ruas, becos, escadarias e das arquibancadas na arena. Todo povo já se fazia presente, aguardando o microfone soar e o grito estridente da narradora marcar o início de tudo.

O rei Agnos e a rainha Melliel, bem como toda corte e nobreza, estavam já acomodados em seu mezanino, igualmente ansiosos para que a normalidade voltasse a fluir. No entanto, Agnos notou a ausência de Lann entre eles.

Por acaso viste Lann agora pela manhã, minha querida? — perguntou o rei com a voz seca e num tom desconfiado. — Ele não é de se atrasar — disse com alguma esperança numa resposta que lhe acalmasse.

De fato, não o vi hoje ainda — disse Melliel igualmente incomodada com a ausência do filho. — Talvez ele tenha se atrasado alimentando os dodlis.

Dodlis são criaturas mágicas, semelhantes a um cachorro conhecido nos reinos humanos como sendo de uma raça chamada Pug, porém com um terço do tamanho e pelagem colorida, que pode mudar de tonalidade conforme seu humor. Com o passar do tempo, a proximidade destes seres com os elfos foi se estreitando e os dodlis foram incorporados na vida doméstica como companhia. Estes bichinhos, apesar de pequenos e pacíficos, possuem grande magia. São capazes de armazenar, canalizar e absorver qualquer magia, energias positivas ou não e auxiliam seus tutores a enfrentar questões de cunho emocional.

Repetindo o ritual de três dias atrás, o microfone da arena soou tão estridente e irritante quanto antes, anunciando que estava pronto para ecoar pela arquibancada.

Atenção! Atenção! Bem vindos de volta à este momento épico! Estão todos me ouvindo? — perguntou a narradora com a voz efusiva, porém tentando disfarçar o sobressalto. Com leves batidas no microfone, usando o dedo indicador e fazendo um som que parecia um Trasgo adulto caindo ao chão, ela continuou... — Estão todos acomodados? Hummm eu espero que sim! Então peguem seu saco de raspas de maçã e encham seus potes de hidromel! Preparem-se para o maior show da primavera! Que comecem enfim os Jogos Élficos da Floresta!

A multidão gritou em polvorosa. Não havia um espaço vazio entre as cadeiras para assistir o espetáculo da estação. Uma chuva de pétalas caiu e fogos de artifício cruzaram novamente o céu de Winterhood, marcando o maior evento do povo.

Aldon chegou ao mezanino real e, visivelmente recuperado do seu último infortúnio, dirigiu-se para sentar ao lado de seu pai, o grande mago Dorgan, sendo acompanhado durante este caminho pelos olhares curiosos de Agnos e Melliel por ter chegado sem Lann, seu melhor amigo. Dorgan percebeu que os monarcas queriam perguntar ao jovem mago sobre Lann, mas não o fizeram com receio de serem invasivos.

Dorgan aproximou-se discretamente do filho e segurou firme em seu braço. — Onde está o príncipe? — perguntou Dorgan à Aldon sussurrando e um tanto irritado.

Inglorius - O Expurgo do Rei - LIVRO 1Onde histórias criam vida. Descubra agora