Parte 2

59 2 0
                                    

   Eu trabalhava como palhaço em um circo: O Grande Circo de Campinas. Todos os sábados fazíamos duas sessões, uma à tarde e outra à noite. No auge fizemos espetáculos durante a semana também, às terças-feiras. Fazíamos sucesso. Eu trabalhei como "escada", era um tipo de palhaço muito específico, que estava ali para ser humilhado. As pessoas divertiam-se com a tragédia dos outros, elas apontavam, riam e alegravam-se. Tinham a certeza de que existia alguém estava numa condição pior que a delas.

   Não era o trabalho dos sonhos, admito, mas dava para aturar. Recebia o salário e isso bastava.

   Os problemas reais começaram com a moda do circo "Só para Adultos". Decidiram que os shows à noite seriam mais pesados, mais violentos, mais sarcásticos, etc. Poderiam agora ter piadas de cunho sexual, isto foi o que mais me incomodou. Os espetáculos das tardes eu ainda gostava, tinham muitas crianças e as piadas não tinham tanto esse estilo; à noite que estava ficando insuportável, ainda mais com a chegada do palhaço juquinha.

   O último palhaço que me fazia companhia teve que ir embora. Ele havia-se envolvido com drogas e estava sendo perseguido. Dizia que iriam matá-lo e precisava mudar-se de cidade. Eu apoiei a sua ida para longe. Ele era uma boa pessoa.

   Comecei a perder o juizo quando o palhaço juquinha passou a trabalhar comigo. Durante as apresentações, era normal que os palhaços jogassem água um no outro, passassem a perna para que o outro caísse, entre outras traquinagens. Eu estava acostumado àquele tipo de exposição e até me divertia! O palhaço novo, entretanto, tinha números novos muito mais violentos e cruéis e, mesmo eu posicionando-me contra, a diretoria optou pela execução deles.

   Um número que me incomodou foi o das baratas. Eu era colocado dentro de uma piscina inflável de plástico e lá eram jogadas muitas baratas vivas. Eu tinha nojo daquilo. Eu também tinha medo de me mexer e acabar matando-as. Eu não queria matar ninguém.

— Acabem com ele!! — gritou uma adolescente apontando para mim enquanto as bacias de baratas eram despejadas. Seu grupo de amigos ria sarcasticamente. Eu sofri e chorei, mas a maquiagem mostrou um grande sorriso em meu rosto. Percebi uma risada de canto de rosto de uma das bailarinas da nossa equipe e isso me machucou profundamente. Ela não estava rindo do Palhaço Jujuba, estava rindo de quem estava atrás da máscara.

   A bailarina Fernanda fazia parte do ballet do circo, fazia números de argolas e amarrações no ar. Ela era linda, tinha incríveis cabelos compridos negros. Eventualmente ela sorria para mim. Nós nos conhecíamos havia mais de 1 ano e eu sentia um clima romântico entre nós. Ela era divorciada e tinha uma filha, certa vez me disse que tinha sido agredida pelo ex. A Fernanda era uma das pessoas que eu não gostaria que rissem de mim.

   Ser palhaço do tipo "escada" envolvia que os outros rissem de você, é claro. Quanto mais judiado, mais esculachado melhor. Tinha relação com a síndrome da ovelha negra, a síndrome do bode expiatório. Eu era muito voltado as leituras sagradas, dizia a tradição hebraica no Livro Levítico que um animal inocente era declado culpado pelos pecados de todos e sacrificado, um bode no caso. Era mais ou menos esse o meu contexto.

Venham todos! É o Circo Só para Adultos!Onde histórias criam vida. Descubra agora