Capítulo 1: Eu Não Acredito Em Coincidências...

64 11 27
                                    

Todo mundo já está careca de saber que nunca, em uma situação não muito favorável, vai aparecer um príncipe encantado para te ajudar. É mais fácil aparecer um sapo que te lubridie e atrapalhe a sua vida e piore a situação que já não estava lá muito boa.
- Eu não posso te ajudar agora, moço...
- Não, mas é que...
- Desculpa mesmo.
- Não, mas eu ia perguntar se você precisa de ajuda.
Levantei minha cabeça, confusa e indignada. Eu sei que o estado em que eu estava era realmente digno de pena, mas, pelo amor...
- Olha, moço... - Fixei os olhos no rapaz que estava oferecendo auxílio. Ele era tão bonito. Que coisa mais horrível! Odeio rapazes bonitos. São sempre os que têm o pior caráter. Na hora eu entendi que ele não queria me ajudar coisa nenhuma. Queria é rir da minha roupa ensopada, do cabelo caótico e do sapato quebrado. O homem se aproximou e me cobriu com seu enorme guarda-chuva preto.
- Como posso te ajudar? - Ele insistia, com sua voz calma, mas muito séria.
- Me deixando sozinha! - Retruquei. - Eu não preciso de ajuda. Agora eu já perdi a entrevista, de qualquer forma...
- Ah, você estava indo pra uma entrevista de emprego, então. - Ele disse, após recuar uns passos, com o rosto indecifrável. - Bom, outras oportunidades virão.
- Não virão, não. E se vierem, vai ser um fiasco total, igual está sendo agora. Porque essa é a vida. - E, de repente, tampei minha boca. Por que eu estava falando isso para um desconhecido? Ele não quer saber. E ele não tem nada a ver com isso.
- A vida pode ser assim, às vezes... Um fiasco atrás do outro. - O homem concordou, um pouco amargo.
- Não é?! - Falei, com um pouco menos de rispidez. Porém, é muito perigoso falar com homens estranhos que te abordam na rua e decidi parar de dar pano pra manga.
O rapaz se calou e olhou ao nosso redor, me deixando mais confusa ainda. Eu só pensava em um jeito de gritar, caso ele tentasse alguma coisa. Mas, seria muita burrice da parte dele, já que estávamos em pleno horário de almoço, na Avenida Paulista.
- Você precisa se secar, arrumar seu sapato pra poder ir embora... Você pode acabar pegando um resfriado. A garoa está gelada. Vamos até aquela lanchonete e...
- O quê? Olha, eu até agradeço a sua tentativa de me ajudar, embora eu tenha recusado. Só que isso já é demais. Pode me deixar sozinha, agora. Eu me viro. Tchau, moço.
Dei as costas àquela criatura esquisita e saí tropeçando na calçada molhada.
- Moça, você vai cair... - Ele tentou me alertar, enquanto eu me afastava, resmungando sozinha:
- Nossa, que coisa mais horrível. Eu poderia ter sido morta, estuprada, sequestrada... Que pena que não tenho dinheiro nem pra pegar um Uber... Hoje em dia só tem cara doido.
- Sim, há muitos homens sanguinários no mundo. Sempre houve e sempre haverá, infelizmente. - O rapaz estranho comentou, surgindo ao meu lado.
- O quê?! Por que você está me seguindo?!
- Eu não estou te seguindo! Isso aqui é o ponto de ônibus. Eu vou para a minha casa.
- Ah...
Me escondi embaixo da cobertura do ponto, para me proteger da chuva, já que eu havia esquecido o guarda-chuva em casa. Como pode? Há confusões que acontecem várias vezes em um dia só. E acontecem justamente nos dias que ficamos aguardando algo importante acontecer. Normalmente, naqueles dias em que você mal conseguiu dormir de ansiedade na noite anterior, quando amanhece tudo o que você, supostamente, esperava que fosse acontecer começa a sair completamente dos planos. É sempre assim. Quanto mais você espera por algo, menos as coisas acontecem. Tem gente que fala que essa é a graça da vida, essa total imprevisibilidade. Eu não sei o que pensar, na verdade. Só sei que quanto menos eu esperar, menor vai ser a frustração. Mas, poxa... Tinha que chover e o meu salto tinha que quebrar justo hoje, no dia da entrevista...?
Meu ônibus chegou, dei sinal, fui empurrada para dentro, tropecei em cima de um idoso (que ficou reclamando) e me instalei em meio às pessoas, que pareciam tão altas. Todas com suas pesadas mochilas, bolsas e sacolas, todas cheirando a suor, cansaço e estresse. O povo de São Paulo está constantemente assim. Cheio de bolsas e sacolas, apressados, infelizes, irritados, fadigados. Essa cidade é feita apenas para trabalhar. Isso se você der sorte. Quem mora em São Paulo não vive, sobrevive. Cinzenta e arrogante. É assim que enxergo esse lugar. Como eu não posso e nem poderei sair daqui, me resta reclamar...
O ônibus avança lentamente pelo congestionamento, enquanto nos exibe a desanimadora paisagem paulistana: os prédios, recheados de capitalismo, absurdamente altos enfileirados às margens da avenida; as pessoas em seu rápido ir e vir, preocupadas com as suas vidas; os cidadãos em situação de rua pedindo por alguns centavos... Até que sou empurrada novamente, para o fundo do ônibus. E esbarro no rapaz bonito e esquisito, do guarda-chuva preto.
- Moça! Nos encontramos de novo. - Ele disse, ao me encarar.
- Que coincidência... Acontece, né? - Eu me senti relativamente mais calma, porque estava rodeada de gente, então, provavelmente ele não iria me atacar. Apesar de ainda existir essa possibilidade.
- Não acredito em coincidências... - O homem comentou, com gravidade.
Não nos falamos mais, mesmo eu percebendo que ele me olhava de relance, ao longo do trajeto. Quando estávamos nos aproximando do ponto em que eu deveria descer, ao apertar o botão do sinal, nossas mãos se encontraram. Urgh, é horrível encostar os dedos em uma mão estranha, num ônibus lotado. Vai saber o que a criatura tocou?
- Você desce aqui? - Ele indagou, com um leve tom de curiosidade em sua voz.
- Sim.
- Curiosamente, eu moro por aqui.
Descemos do ônibus (não sem antes eu tropeçar nos degraus e cair de joelhos na calçada). O rapaz me ajudou a levantar e disse, me cobrindo com seu guarda-chuva, enquanto eu tirava as pedrinhas úmidas da calçada que fincaram em minhas calças:
- Seu dia está sendo bastante inusitado, não?
- Tem sido assim há um tempo...
- Os meus também. Sinto falta de sentir o tédio tranquilo, que dá a sensação de que tudo no universo está em seu devido lugar.
- Não é?! - Concordei, dando trela pra ele, de novo, sem querer.
- Você mora onde?
- Por aqui...
- Você ainda acha que eu posso ser um assassino, estuprador e sequestrador? - Ele apertou os olhos, que já eram pequenos. - Pois bem, você está corretíssima em duvidar de tudo e de todos.
- Claro que estou. Eu não te conheço, você não me conhece... E se eu for a assassina, estupradora, sequestradora?
- É verdade! Existe uma enorme possibilidade de você ser tudo isso. - O rapaz falou, com a voz um pouco menos séria que antes.
- Existe mesmo! Quer dizer, eu não sou uma criminosa psicopata! - Me corrigi, inconscientemente.
- Eu sei que não. De todo modo, eu vou por ali. E você?
- Eu vou... Por ali, também. - Constatei, desacreditada. Éramos vizinhos?
- Você mora aqui faz tempo? - O rapaz perguntou, me oferecendo um espaço embaixo do seu guarda-chuva.
- Me mudei ano passado. E você?
- Eu... Também. - Ele apertou os olhos novamente e ficou em silêncio por alguns segundos, que pareceram durar longos e constrangedores minutos. - Eu falei que não acredito em coincidências, certo?
- Sim... - Concordei, desconfiada do rumo que a conversa poderia tomar.
- Pois bem, acho que encontrei a dona da minha missão! - O rapaz afirmou e pela primeira vez nesse inusitado e brevíssimo esbarrão que a vida nos impôs, ele sorriu. E que sorriso lindo. Que ódio! Ele é o pior tipo de homem que eu já vi!

MenorahOnde histórias criam vida. Descubra agora