Eu não sei se o Fernando precisava de mim, mas não podia deixar de negar que eu realmente não precisava dele... Eu só queria ter mais uma chance com ele para ter certeza do que aconteceria conosco. Aquela lacuna na minha vida, seguida por um garrafal "E se...", me incomodava demais, desde a adolescência.
- Não se preocupe tanto, Menorah. Vai dar tudo certo! - Lypímenos me tranquilizava, enquanto retomávamos o caminho de volta a minha casa. - Amanhã de manhã, eu vou a sua casa para te arrumar... - O rapaz comentou, descontraidamente, enquanto tirava um fiapo de seu elegante sobretudo preto. - E então, vamos rumo ao escritório de contabilidade do...
- Fernando.
- É, isso.
- Mas, eu consigo me arrumar sozinha, Lypímenos. Não é porque você se veste bem é assim...
- Assim, como?
- Assim... Todo elegante e... Bonito. Não é isso que te dá o direito de achar que eu não sei me arrumar.
- Ah... Entendo. Agradeço o elogio, porém, eu realmente preciso fazer isso por você. Eu vou te arrumar e está decidido. Vou te maquiar, te ajudar a escolher uma roupa apropriada e ajudar com o seu cabelo, também.
- Por que você tem que fazer isso por mim?
- Porque o meu serviço vai além das expectativas, Menorah. Eu vou te ajudar a se sentir segura, confiante e feliz. Essa é a minha missão, como eu já te expliquei... - Ele suspirou, e pousou os olhos escuros em mim. - Me considere uma fada-madrinha, se preferir. Ou "fado-padrinho"...?
- Pelo que estou entendendo, não tenho direito a negar nenhuma proposta sua...
- Exatamente! - Ele parou, abruptamente em frente ao meu portão e girou os calcanhares sobre o sapato de bico fino, elegantíssimo. - Bom, chegamos a sua casa. Se prepare, às nove em ponto, estarei aqui.
- Meus pais vão estranhar. Nunca um rapaz veio aqui, desse jeito.
- Diga que eu sou um amigo maquiador, que veio te ajudar a se preparar para uma entrevista de emprego em um lugar bastante conceituado.
- Você inventa desculpa pra tudo. É impressionante e assustador.
- De qualquer forma, amanhã será um dia significativo. O dia D, como vocês chamam. Vai ser a primeira etapa para atingirmos o nosso objetivo! - Ele exibiu o seu sorriso torto angustiante (de tão lindo) e, com seus pequenos olhos, ele deu uma piscadela desconcertante. - Até amanhã, Menorah!
Lypímenos deu às costas para mim, acenando enquanto caminhava rumo à esquina da minha rua, me deixando perdida em meio às lembranças dos acontecimentos caóticos e improváveis daquele dia.
- Amanhã... - Pensei alto, com um intenso frio na barriga, - será o dia D.
O nascer do sol, que custou a raiar, anunciou o início do dia D, e às nove horas, Lypímenos tocava a campainha. Eram nove horas e cinco minutos quando ele cumprimentou os meus pais e confirmou a explicação que dei no dia anterior (sobre ele ser um amigo maquiador), para que eles não estranhassem tanto a aparição daquele belo rapaz. Às nove e quinze, estávamos no meu quarto. Meus pais passavam no corredor, às vezes, para observar o que fazíamos.
- Seus pais agem como se você tivesse voltado à adolescência, não é? - Ele comentou, enquanto trabalhava em meu rosto, como um profissional que fazia aquilo há anos.
- Sim... Desde que me divorciei e voltei a morar com eles, foi como se eu tivesse voltado a ter quinze anos. E piorou depois que perdi o emprego. Mas, eu entendo eles. Ou tento entender. - Eu falava com certa dificuldade, pois o rosto de Lypímenos estava muito próximo ao meu. Eu sentia o toque do pincel com a base, cobrir a minha pele delicadamente. Eu estava sentada na minha velha cadeira com rodas (de escritório), a maleta de maquiagem de Lypímenos tomava conta da escrivaninha e o espelho na parede ao lado refletia um jovem de beleza surreal, debruçado sobre mim, me pintando, como se eu fosse uma obra de arte. Fazia tempo que eu não me sentia cuidada daquele jeito. - Você... É bem... Preparado, não?
- Com certeza, Menorah! Eu estou preparado para qualquer eventualidade. Por isso eu digo sempre para você não se preocupar. - Ele sorriu, se afastando para ver melhor o meu rosto, que, devido à base, deveria estar sem as dezenas de manchas de acne.
Às dez e vinte, Lypímenos concluiu a maquiagem, me ajudou a prender os meus cachos encrespados numa trança embutida bastante bonita e, para eu vestir, escolheu um vestido de inverno azul acinzentado (que eu tinha comprado há anos, mas nunca havia sequer experimentado, por achar elegante demais).
Às dez e quarenta, eu me olhava no espelho. Meu reflexo estava belíssimo. Aquela menina... Não, aquela mulher no espelho era tão mais imponente e bonita que a Menorah que eu conhecia. Por que eu nunca havia prestado a atenção em mim daquele jeito? Por que eu estava tão linda? Seria possível eu realmente ser a mulher no reflexo?
- Lypímenos...
- O que houve? Por que você está chorando? - O jovem olhava ora para mim e ora para o meu reflexo, confuso.
- Obrigada, Lypímenos... Muito obrigada! - Abracei-o, instintivamente. Por sorte, a maquiagem era a prova d'água, então, me permiti chorar por um momento, antes de dar o pontapé inicial no plano que o universo havia me dado a oportunidade de executar.
- Não me agradeça, por favor. - Lypímenos disse, enquanto fazia eu me olhar no espelho. - Você merece ser cuidada e você merece se cuidar, também. Ah, e nunca se esqueça: Você não está linda, Menorah. Você é linda. Com ou sem maquiagem. Com ou sem roupas finas. Com ou sem um penteado mais elaborado. Você é linda pelo que você é. E não deixe ninguém, nem mesmo o...
- Fernando?
- Isso. Nem mesmo ele, te fazer pensar o contrário.
- Você sempre me faz chorar. - As lágrimas quentes voltaram a rolar pelas minhas bochechas.
- Não é a minha intenção. - Ele tirou o avental, guardou seus utensílios na maleta, alisou a camisa branca, vestiu o blazer cinza escuro com o qual chegara e me entregou a minha bolsa. - Já está na hora de irmos. Pronta?
- Não. Mas, sim. Quer dizer, eu sempre imaginei esse reencontro, mas agora que está tão próximo, estou nervosa.
- Bom, nervosa ou não, com medo ou não, lá vamos nós!
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Menorah
RomanceE se as estrelas cadentes pudessem vir à Terra para nos ajudar a realizar nossos desejos? Bom, se você conseguir imaginar isso, vai se interessar pela história de Menorah, a jovem "senhora", como prefere ser chamada, que foi abandonada pelo (ex)mari...