Capítulo 6: Torturantemente Incrível!

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Um sedan preto, muito bonito, estava estacionado em frente a minha casa. Lypímenos abriu a porta do passageiro para mim e se dirigiu ao banco do motorista.

- Até carro você tem? - Questionei, incrédula.

- Logicamente. Eu sou preparado, Menorah. Pre-pa-ra-do. - Ele respondeu, revirando os pequenos e puxados olhos.

- Estou vendo... - Suspirei.

- Não precisa ficar desanimada, vai dar tudo certo! De um jeito ou de outro. - Lypímenos deu uma piscadela. Suas bochechas levemente gordinhas e rosadas; seu rosto fino, mas másculo; os olhos pequenos; as sobrancelhas escuras, porém não espessas e o nariz um pouco arrebitado, me faziam lembrar uma raposa. Era elegante, belíssimo (ao ponto de ser surreal), delicado e forte, simultaneamente. Aquele homem - ou estrela - era realmente lindo. Se ele era assim, imagina os outros seres celestiais... - Você está me encarando tanto, que sinto que seus olhos vão me perfurar.

- Ah, desculpe. Eu estava pensando aleatoriamente.

Quando chegamos ao endereço do escritório de contabilidade onde Fernando, teoricamente, deveria estar se preparando para almoçar, Lypímenos estacionou o carro e proferiu palavras confortantes, com sua voz suave:

- Menorah, respira. Mantenha a calma e seja natural. É só agir como se estivesse entregando currículos, casualmente. Não force muito, mas também não seja indiferente. Seja você. Você é o suficiente. Você é maravilhosa! O escritório é o... - Ele olhou em seu celular, - "N & N Contábil" e é logo ali. Eu vou ficar por perto, te esperando. Qualquer coisa, independente do que seja, é só me chamar.

- Mas, como eu vou te chamar?

- Ah, claro! Eu já ia me esquecendo, perdão. - Ele tirou uma caixinha de veludo roxo escuro, de um dos bolsos internos do blazer, e me entregou. Quando abri, me deparei com uma linda pulseira, extremamente fina e delicada, feita de um material prateado, tão claro que era quase branco e, em contraste, haviam pingentes minúsculos e redondos (parecidos com "mini-universos"), de um azul bastante escuro. - Sempre que precisar de mim, aperte com força um dos pingentes, que eu vou ao seu encontro, não importa onde você esteja.

- De verdade? - Perguntei, abismada com tamanho cuidado e gentileza não apenas daquele rapaz-estrela, mas do universo. E ainda há quem diga que não somos nada além de partículas microscópicas e que o universo não está nem aí para a gente...

- Sim, Menorah. Eu já te falei que você precisa acreditar em mim, de coração. - O rapaz reforçou, cutucando o meu braço. - Bom, agora você precisa fazer a sua parte! Vai lá!

- Sim! Me deseje sorte! - Falei, abrindo a porta do carro.

- Você não precisa de sorte... Esqueceu que eu estou aqui? Quem tem a companhia de Lypímenos, já está com sorte! - Ele piscou e levantou o canto da boca, exibindo um sorriso torto.

- Convencido... - Respirei fundo, me despedi e saí do carro, que se afastou. Já na calçada, apertei os olhos, criei coragem e me dirigi à "N & N Contábil", sentindo o bater do meu coração na garganta. Iria se completar 10 anos que eu não tinha contato com o Fernando. Eu dava uma olhadinha em seu perfil nas redes sociais, às vezes, mas não tinha a menor ideia de como ele estava, de fato. Afinal, não dá para saber muito sobre alguém que só compartilha fotos de paisagem. - É só eu esbarrar com o Fernando e dizer: "Oi, quanto tempo, não é? Nossa! Eu estou linda? Ah, imagina, são seus..."

- Menorah?

De repente, uma mão encostou no meu ombro, fazendo o meu coração trepidar, as minhas mãos tremerem e as minhas pernas ficarem bamboleantes. Eu me lembrava tão bem daquela voz grave. E ele... Ele se lembra de mim?! E agora? E agora? E agora? O que eu deveria fazer? Eu tinha que sorrir? Eu deveria cumprimentar ou agir como se não me recordasse dele? Por mais que eu tivesse imaginado aquele momento e encenado vários diálogos, eu não estava preparada para vivenciar aquilo.

- Menorah? - Ele repetiu, assim que me virei para encará-lo. O Fernando estava mais forte e mais alto do que quando nos conhecemos, perdendo totalmente o jeito de adolescente magricelo e frágil. Seu cabelo grosso e castanho estava penteado de forma impecável, com um topete comedido e asseado. Sua pele bronzeada ainda era linda e sem manchas, ao contrário da minha. Seu nariz grande, mas fino, como seus lábios, por mais incrível que pareça, davam um ar elegante e bonito ao seu rosto firme e quadrangular, que apresentava um belo maxilar. Seus olhos amendoados e castanho-claros, continuavam espertos e brilhantes e seu sorriso aberto (e raro, na adolescência) ainda era arrasador. Ele continuava bastante bonito. Era como se eu estivesse encarando uma versão bem melhorada do Fernando de anos atrás.

- Fernando...? - Eu disse, disfarçando o nervosismo e o leve entusiasmo.

- Isso mesmo. Poxa, quanto tempo!

- Sim... Quanto tempo!

- Como você está? Como está a sua família?

- Está tudo bem, obrigada. - Apertei a alça da bolsa para disfarçar a tremedeira que tomava conta das minhas mãos. - E você? Está tudo bem? E a sua família...?

- Bacana... Bom, está tudo ótimo! - Ele sorriu e colocou a mão no bolso da calça social, parecendo um pouco desnorteado, como eu. - O que você está fazendo por aqui? Você trabalha aqui perto?

- Ah, não... Eu vim entregar uns currículos. - Respondi, com vergonha. Por mais que aquela situação tivesse sido planejada, eu odiava admitir que estava desempregada.

- Entendi. Poxa, conseguir um emprego, hoje em dia, é uma tarefa complicada...

- É mesmo. Eu estudei bastante, mas ainda assim, não é o suficiente para os recrutadores. - Comentei, querendo puxar assunto.

- É sempre assim... Mas, vai dar tudo certo! - Ele apertou os lábios e tirou a mão do bolso e olhou para o relógio, que parecia caro. - Eu estava indo almoçar agora. Você já comeu?

O que eu deveria responder? Seria invasivo dizer que não e perguntar se poderíamos ir juntos? Ou eu deveria falar que sim, agradecer e sumir? O que ele queria que eu respondesse?!

- Não. - Respondi, sem querer querendo, sentindo meu coração piruetar.

- Então, vamos juntos...? - Fernando se aproximou e pude sentir seu perfume amadeirado torturantemente incrível. - Tem um restaurante muito bom nessa rua, eu estava indo até lá!

- Não vou te incomodar? - Perguntei, com medo de ele responder: "Não, imagina", mas sua expressão dizer: "Claro que vai, estou te convidando por educação!".

- Claro que não. Faz tempo que não nos encontramos, então, vamos colocar a conversa em dia! - O rapaz respondeu, com um sorriso gentil, ao aproximar sua mão das minhas costas e me direcionar a um restaurante, mais à frente, na rua.

É curioso pensar que as pessoas não estão vivendo apenas aquilo que vemos, pois, na verdade, cada um tem um universo inteiro dentro de si, com vários dilemas para solucionar e aventuras para vivenciar. Somos tão mais verticais que a visão horizontal alheia enxerga. Podemos ser tão mais barulhentos do que o nosso silêncio diz. Podemos ser tão mais cálidos do que a gélida rispidez transparece. Podemos ser tão mais vivos do que nós mesmos pensamos.

Quem passasse por nós, poderia imaginar que éramos colegas de trabalho indo ao restaurante no horário de almoço, porém, não faria ideia do turbilhão de sentimentos, pensamentos e sensações fervilhavam dentro do meu pequeno e fraco ser. Lá estava eu, não apenas caminhando silenciosamente ao lado daquele homem, mas caminhando rumo a minha reaproximação do meu primeiro amor. Se daria certo ou não, só me restava tentar para descobrir.

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⏰ Última atualização: Jun 21, 2021 ⏰

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