Capítulo 3: Às Vezes...

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- Não é esplêndido? - Lypímenos comentou, parecendo emocionado. - Esses são os nossos servidores, que possuem tudo sobre aqueles que fazem pedidos à O.A.I.T.

- O.A.I.T.?

- Organização de Atendimento Interestelar aos Terráqueos. É a equipe de estrelas cadentes responsáveis por realizar os desejos dos humanos. Há uma para cada planeta e respondemos à Organização responsável pelas equipes de todo o Sistema Solar, que responde à... Bom, enfim. E assim, sucessivamente. Acho que você entendeu.

- E-eu... - Gaguejei, preferindo não ter levantado da cama naquela manhã.

- Ah, e não se preocupe com questões filosóficas ou científicas demais. No fundo, tudo é muito simples. São vocês, seres terrenos, que complicam demais as coisas... - Ele dizia como se o Salão Azul e todo o resto fossem coisas corriqueiras. Lypímenos exibia, tranquilamente, os imensos servidores que emitiam luzes azuis em meio à brancura do salão.

- Você me drogou e me trouxe pra essa empresa! Eu vou ligar pra polícia agora! - Pensei em uma resposta plausível para a situação louca na qual eu me encontrava e corri em direção à saída mais próxima de mim. Com esforço, consegui abrir duas portas pesadas e dei de cara com um corredor branco que parecia ser infinito, repleto de portas azuis e cinzas, com um teto (se é que aquilo era um teto), que possuía milhares de pontos cintilantes, salpicados em meio a um azul hipnotizador. Planetas orbitavam não tão perto, não tão longe. Era possível ver as verdadeiras cores dos anéis de Saturno. Eu fiquei aterrorizada e maravilhada ao mesmo tempo. Como aquilo era possível? Eu devia estar muito drogada, essa seria a única explicação.

- Você não deve entrar aqui. - Lypímenos me conduziu de volta ao espaço dos servidores, enquanto fechava as portas. - Essa área é destinada a um pessoal autorizado. Seu limite é o Salão Azul.

- Aquilo... O que é aquilo?

- São portas para outros departamentos que não nos convém saber... - O rapaz, que eu pensei que seria só mais um dos muitos transeuntes que passam por mim na rua, suspirou e apertou os olhos, me encarando. - Você ainda não acredita em mim, não é? Bom, vamos procurar a sua ficha. Quem sabe se você ver algo sobre si mesma, tire essa expressão estranha do rosto. Parece até que eu sou um maníaco ou algo assim. Eu sou só um elemento do universo que precisa desempenhar o seu papel para manter o equilíbrio cósmico... - Ele levantou o braço, como se estivesse espantando uma mosca. - Ah, deixa pra lá. Vamos ver a sua ficha.

Fomos até uma das extremidades do Salão Azul, onde havia uma mesa e duas cadeiras elegantes, de vidro. Em cima da mesa estava um computador, também branco, de tela finíssima, e um teclado que parecia ser feito de vidro.

- Terra... América do Sul... Brasil... - Ele falava baixinho, enquanto digitava nos campos de pesquisa de um sistema que apresentava uma interface ultra moderna, com letras que não consegui identificar a qual idioma pertenceriam. Tudo parecia ter saído de cenários de filmes futuristas. - São Paulo... São Paulo...

- Que língua é essa?

- Ah, você está estranhando as palavras? Esse é o idioma padrão das organizações do Sistema Solar, o Occasolis.

- Isso é...

- Loucura... - Ele completou, em tom de deboche.

- Sim, é! Eu não entendo o porquê de você estar abismado com o meu espanto e incredulidade.

- Eu te entendo, de verdade... Eu só pareço insensível, Menorah. - Lypímenos, que estava esperando o computador finalizar a busca dos arquivos que, supostamente, apresentariam todas as informações sobre mim, virou a cabeça e me encarou com aqueles olhos escuros, apertados, misteriosos e belos, que pareciam dois traços curvados, como se pincéis divinos os tivessem desenhado, com exímio cuidado. Quanto mais eu pensava naquela situação ilógica e observava aquele homem dono de uma beleza surpreendente, mais raiva eu sentia.

- Sente-se. - Lypímenos aproximou uma das cadeiras de mim. - Vamos lá... Vou acessar apenas a parte que nos interessa. O principal objetivo da minha missão, com base no seu pedido, é unir você ao... - Ele olhou no celular de novo, - Fernando. Então, vamos dar uma olhada nessa sua história com esse homem.

- Isso é mesmo necessário? - Questionei, me sentindo envergonhada de repente. Se aquilo tudo era verdade e estava acontecendo de fato, isso significava que um estranho veria detalhes da minha adolescência.

- Bom, eu entendo que sim, porque você ainda não acredita em mim. Só você vendo você, com seus próprios olhos...

- Não! - Interrompi, - não precisa. Eu acredito em você.

- Menorah, se você está desconfortável com a possibilidade de eu saber tudo sobre a sua vida, inseguranças, defeitos e afins, eu sinto muitíssimo, mas eu já sei de tudo. As estrelas são enviadas para realizar pedidos após muitas pesquisas serem feitas. E eu estou na Terra te observando há um ano. Tudo isso para oferecer o melhor serviço possível, às melhores pessoas. Não atendemos qualquer um que faça qualquer pedido. É preciso averiguarmos se o humano é merecedor ou não. Na maioria das vezes, quem tem ingenuidade e apreço à natureza o suficiente para conversar com as estrelas, acaba sendo aprovado após a nossa filtragem... Bom, de qualquer forma, Menorah, você realmente precisa acreditar, senão todo o meu trabalho vai ter sido em vão. Você não pode só falar que acredita, você tem que sentir que acredita. - Ele suspirou, ao fim da explicação. Suas narinas, que estavam levemente dilatadas, voltaram ao normal. Cada palavra que saía dos lábios rosados de Lypímenos era surreal. - Você merece ter esse pedido atendido, Menorah. Você não é insuficiente, não é descartável e não é... "Esquecível", como você mesma se descreveu um dia. Você merece ser muito feliz, independentemente das suas falhas e daqueles que te disseram o contrário, e eu fui designado pelo universo a te ajudar a alcançar essa felicidade, como uma compensação pelo que você tem enfrentado bravamente.

Após escutar tais palavras, eu desabei. Fiquei sentada naquela cadeira de vidro, chorando por minutos, ou horas? O silencioso Salão Azul, que no primeiro momento me causou arrepios, agora parecia até acolhedor. Lypímenos ficou ao meu lado me oferecendo lencinhos de papel, sem emitir um som sequer e com um olhar que beirava a meiguice, com uma expressão cândida, sem demonstrar julgamento ou pena. Eu ainda não confiava totalmente nele, é claro. Mas, aquele momento foi reconfortante. Às vezes, só precisamos chorar com alguém silencioso e compreensivo ao lado, para colocarmos pra fora todo o turbilhão de sentimentos que mantivemos guardados. Todas as vezes que sorri forçadamente, que falei que estava tudo bem e que eu iria superar as adversidades da vida, quando na verdade eu só queria fugir, todas as vezes que me subestimaram e me descartaram, se acumularam dentro de mim ao longo dos anos e ouvir o Lypímenos falar daquela forma comigo, foi como se ele tivesse dito tudo o que eu queria e precisava ouvir e nem sabia. Às vezes, a gente só quer alguém que nos diga que estamos fazendo o nosso melhor e que somos merecedores de viver alegremente.

- Como um rapaz completamente desconhecido me fez chorar desse jeito...? - Resmunguei, limpando as lágrimas e sentindo as bochechas inchadas e os olhos ardendo.

- Eu não sou mais tão completamente desconhecido assim. - Lypímenos comentou, com um ar zombeteiro e um lindo (e terrível) sorriso torto.

- Olha, Lypímenos... É assim que se fala?

- É, correto.

- Eu decidi acreditar em você. Apesar de a minha mente ainda insistir que isso é uma grande loucura e que eu posso ou ter morrido ou estar drogada, decidi dar uma chance pra sua história. E eu confesso que tudo isso é bem impressionante... Esse lugar, as coisas que você me disse... - Observei o Salão Azul, o computador a minha frente, minhas mãos com lencinhos enxarcados e levantei a cabeça para analisar, mais uma vez, o olhar daquele homem esquisito. Eu sou péssima para compreender se alguém tem ou não boas intenções, não é à toa que sou divorciada, porém, os olhos de Lypímenos brilhavam muito, embora fossem tão escuros e pequenos, o que chamou a minha atenção e me fez pensar e desejar que talvez (só talvez) tudo aquilo fosse verdade. - Eu aceito os seus serviços pra realizar o meu pedido.

- Finalmente! - Ele disse, com um estalar de dedos e se levantando abruptamente. - Vamos logo, já perdemos muito tempo aqui.

E, novamente, num piscar de olhos, Lypímenos pegou em minha mão e estávamos de volta à calçada molhada, de onde tínhamos saído.

O rapaz, que pelo que eu entendi, a partir dali me acompanharia em uma "missão", segurou firme seu imenso guarda-chuva preto que reaparecera e disse, com seu sorriso torto:

- Agora... Que comece a ação!

MenorahOnde histórias criam vida. Descubra agora