01- Diga-me como isso aconteceu.

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Interna 269: Kelsey Corinne.
Idade: 18 anos.
Data de nascimento: 21 de abril de 2002.
Laudo médico: Transtorno de ansiedade, depressão, crise de pânico e comportamento agressivo.
Entrada: 04 de Junho de 2021.

Em minha primeira semana no sanatório Hope, me colocaram em uma sala branca e pequena durante cinquenta e seis horas. Eu contei, sou boa nisso, com números e em passar o tempo contando-os. Tinha acabado de ter meu primeiro surto em público. Na frente de todos os meus amigos e professores. A minha pior parte, aquela em que eu escondia a sete chaves, foi revelada. Anos me controlando, jogados no lixo. 

  Dei trabalho aos meus pais. Me tornei um problema e algo que se culpam. Se sentem culpados pelo que aconteceu. E em parte, eles são mesmo. Só nunca tive coragem de dizer isso na cara deles. 

  Na segunda semana, me deixaram andar pelo lugar. Com uma enfermeira acima do peso ao meu lado e um segurança maromba do outro. Não falaram nada, sabiam que não deveriam, minha cara e a expressão que eu deixava nela indicava que eu não estava a fim de conversas inúteis, como eu. Eu era uma inútil. Todos ali sabiam disso, todos que me conheciam sabiam, e eu sabia. Sempre soube que nunca passei de uma inútil.

   Tenho tantos problemas que é difícil listar todos, não impossível já que sei como cada um deles começou, como se tornaram de fato um problema, posso escrever e escrever por horas cada um deles, posso fazer em tópicos, descrever como me mudaram, como me tornaram uma doente. 

  É isso que sou. Mesmo que insistem em dizer o contrário, é o que sinto. Me sinto uma doente mental. Uma depressiva maldita e ansiosa. Cada dia é uma luta diferente, um novo desafio que preciso encarar e superar. Eu tento, pois prometi a minha mãe que tentaria, não quero que ela piore ainda mais, só o fato de eu estar aqui, já a deixou um nível a mais do que antes, e se eu piorar, ela não vai aguentar. 

  Eu os culpo, justamente por saber que não fizeram por mal. 

  Mesmo sabendo que tudo foi culpa minha, não consigo esquecer a contribuição deles nisso tudo. 

  Devo confessar um segredo; apesar de tudo, eu gosto de sanatório Hope. Não tenho de me preocupar com minha família, meus estudos, amigos, namorado, nem nada. Não preciso surtar e tentar me controlar, tentar engolir tudo e fingir que está tudo bem. Aqui eu tomo remédios que preciso, não as pílulas de vitamina que eu ingeria sempre que estava no meu limite. A contagem certa, era apenas uma por dia. A cada crise, eu enfiava seis em minha goela. Desejando ser remédios de verdade para acabar com tudo. 

  Minha vida perdeu o brilho com o passar dos dias, dos meses e anos. Cinco anos atrás, eu fiz uma coisa ruim, que me quebrou, me transformou em algo que eu não era, e essa transformação se prolongou até hoje, até eu ter me tornado alguém que eu não reconhecia mais. Me olhar no espelho, era patético, nem eu mesma conseguia me encarar no olhos. 

   No fundo, eu sempre soube que eu estava vazia. No fundo, uma parte minha já desconfiava de tudo que eu faria naquele dia, naquela prova. 

   -Diga-me como tudo começou Kelsey. 

  A voz de meu psicólogo me desperto de devaneios. Olhando fixamente para a planta estranha no canto da mesa, eu suspirei cansada, estou sempre cansada, exausta e sem disposição. É difícil ver o que me tornei. Um dia, eu fora cheia de alegria, transbordava excitação. A Kelsey que me tornei, não é em nada parecida com a antiga. 

Hope • Sanatorium 2Onde histórias criam vida. Descubra agora