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EU RECONHECERIA ESSA VOZ EM qualquer lugar e isso me assusta, eu quero muito olhar para trás e confirmar que é ele, mas sei que preciso ser discreta, esse é meu local de trabalho, termino de servir as pessoas a minha frente e me afasto da mesa, passo pelo caixa e depois pela bancada que me leva até a cozinha e só aí eu viro para trás, estou escondida atrás da pilastra, posso sentir os olhares curiosos dos meus colegas de trabalho, só que eu tenho outra preocupação no momento, Owen está aqui, ele parece mais alto, eu nem sabia que isso era possível, até que idade os homens crescem? Um garoto asiático fala alto e todos do grupo riem dele, o terceiro é Jaheem Toombs, um garoto negro que estudava com a gente, e por último temos uma garota ruiva que como o garoto piadista, eu nunca vi na vida.

— Silène. — ouço a voz da minha gerente e me viro.

— Oi. — ela move a cabeça em sinal de reprovação mas sei que não está brava de verdade.

— Seu trabalho é lá fora, vá atender aquela mesa. — ela aponta justamente para aquela mesa.

— A mesa três? — ninguém atendeu essa mesa ainda, não custa nada tentar né?

— Você entendeu Silène, a mesa cinco agora.

Caminho até a mesa com confiança, minha irmã mais velha Dahlia sempre disse isso para mim, não posso ser boba como a Lys, preciso ser forte como a primogênita. Solto minha voz com atitude, pergunto se querem mais alguma coisa, aliás, pela sujeira da mesa eles só beberam, quem sabe queiram pedir algo para comer, tento pensar em coisas lógicas para não pensar nele, mas não adianta, quando ele vira sua atenção para mim e me reconhece parece que tudo para, ele engole em seco, seus olhos correm por todo o meu corpo e é como se eu sentisse seu olhar me penetrando, respiro com dificuldade e só então percebo que estava segurando o ar.

— Eu quero qualquer prato com massa.

— S si m. — fico irritada comigo mesma por gaguejar quando o amigo dele fala comigo.

— Também quero massa. — a garota diz e eu concordo. — Tive uma ideia, nos traga as quatro massas mais pedidas, assim todos podemos experimentar algo novo.

— Certo, algum de vocês é alérgico a frutos do mar? — pergunto, Owen me olha e sorri.

— Você sabe. — é assustador escutar sua voz depois de tanto tempo.

— Tá doido, como ela ia saber... — os olhos de Jaheem se arregalam. — É você Silène? — concordo. — Caramba, você tá tão, uau.

— Você também. — ele ri.

— Achei que só nos veríamos daqui a dois dias, no encontro de cinco anos da turma.

— Eu também, bom, na verdade eu não sei se vou.

— Você tem que ir, você mora aqui, na Itália? — afirmo com a cabeça. — Caramba, que saudade, você precisa ir, quero colocar o papo em dia. — apenas sorrio e começo a me afastar, ele entende que preciso trabalhar e faz sinal para que eu vá, antes de me virar posso ver que o loiro ainda me encara.

— Quem é ela? — a voz feminina pergunta.

— Ela foi a primeira e única namorada do Owen.

Única? Eu devo me sentir especial? Ou ele apenas não quer quebrar o coração de mais alguém?

Passo o pedido para o chefe e explico que temos um alérgico na mesa, alguns minutos depois deixo os pratos na mesa, spaghetti al pesto, fettuccine all' alfredo, ravioli di ricota e spinaci e bavette alla carbonara.

O restante da noite passa voando, uma família italiana que me adora chega ao restaurante e acabo concentrando toda a minha atenção neles, não volto mais a mesa cinco e isso é um alívio, também não vejo quando eles vão embora.

Tiro o avental e troco os sapatos antes de deixar o restaurante, eu preciso urgentemente de um banho quente e algumas velas de lavanda, grito ciao antes de sair e escuto os gritos dos poucos funcionários que ainda estão aqui.

Estou prestes a subir na minha moto quando uma mão toca o meu braço, fico pronta para gritar quando vejo quem é, seus olhos me olham profundamente e eu tento me afastar.

— O que foi? — pergunto confusa.

— Que tipo de pergunta é essa? — ele parece chateado, não posso dizer com certeza, mas ele sempre me olhava assim quando estava chateado, mas nós éramos apenas dois adolescentes, então eu posso estar errada, as pessoas mudam.

— O que você quer? Isso que quis dizer.

— Achei que você ficaria mais emocionada em me ver, depois de tanto tempo.

— Oh, eu fiquei acredite. — puxo meu braço e tento subir na moto, sua mão me segura de novo.

— Você não quer conversar? — caramba, eu só queria ir pra casa.

— Não.

— A gente tem tanta coisa pra falar, eu pelo menos tenho. — ele parece decidido e isso é patético.

— Sobre como você me traiu naquela noite? — questiono e ele automaticamente se afasta.

— Você sabe que não foi assim, eu não te trai de verdade.

— Foi de verdade sim, a partir do momento em que você me fez acreditar naquilo, você traiu a minha confiança, eu ainda não entendo como você achou que seria uma boa idéia fingir que me traiu com a garota que eu mais odiava do que simplesmente me explicar que seus pais iam se mudar.

— Se você ficasse chateada, você me odiaria e consequentemente pararia de gostar de mim mais rápido, eu pensei assim, foi mal.

— Foi péssimo, agora me deixe ir para casa.  — empurro seu corpo com força e ele parece entender, subo na minha moto e dou partida, não olho para trás.

Flowers | SilèneOnde histórias criam vida. Descubra agora