Capítulo Três

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    Eu passei o resto do dia tentando tirar da minha cabeça o que tinha acontecido; fiz todas as tarefas do colégio que tinham para fazer, limpei a casa, levei a Appa para passear e assisti um pouco de That '70s Show. Porém, mesmo assim de quando em quando, flashes da minha volta do colégio passavam pela minha cabeça. Por sorte meus pais não estariam em casa até a noite, eles teriam notado a minha tensão e eu não queria explicar para eles o que aconteceu. Eu não cheguei a contar nem para Daisy ou Agatha, também não sei se iria. Caso fizesse, preferia que fosse pessoalmente.

    Para falar a verdade, eu nem sei o porquê de eu ter feito tanto caso com isso. Não era como se Elliot tivesse vindo falar comigo, ou se eu tivesse sido assaltado. Claro, quase que eu fui esfaqueado um pouco aqui e ali, e foi o Elliot quem impediu disso acontecer. Mesmo assim, isso não significa nada. Quando os meus pais chegaram, à noite, eu já estava mais calmo. Tinha tomado um banho gelado, deixei a água escorrer por longos minutos enquanto escutava música clássica, além de ter lavado o cabelo. Isso tudo me ajuda e muito a relaxar.

    Era umas 20h da noite quando finalmente jantamos. Meu pai tinha feito macarronada, o que pode até ser algo simples, mas não deixa de ser uma das minhas comidas favoritas. Durante o jantar falamos um pouco sobre as nossas suposições para as férias de primavera. Após todos já termos comido, fui lavar a louça. Era por volta de umas 22h quando fui pôr o lixo na rua. A noite parecia estar no seu auge, o céu estava todo estrelado, a lua cheia no topo e só algumas finas nuvens para serem vistas perambulando perto dela. Todas as luzes da cidade ainda estavam acesas também. Appa pareceu estar a fim de me acompanhar, como, quase que diariamente, ela estava acostumada a fazer. Creio que seja pelo fato de desde que ela era bebe eu tinha o costume de leva-la para passear a noite, quando ia pôr o lixo na rua, e depois ficava sentado no meio fio, com ela no colo, olhando para as estrelas. Depois que cresceu eu parei de fazer isso, não sei bem o motivo, mas ela continuou com o costume de me acompanhar para a calçada. Eu estava quase sentado no meio fio quando Appa notou alguém escondido em algum canto do outro lado da rua, eu me abaixei para acalmar ela, achando que era só algum outro animal que tinha visto. Foi quando notei que era realmente uma pessoa vindo em minha direção. Eu estava preste a mandar Appa ataca-lo, quando simplesmente ela ficou calma e começou a abanar o rabo. Se algum dia eu pensei que foi uma má ideia ter aquele São Bernardo (que eu amava tanto), foi com certeza naquele momento.

    Com um longo sobretudo preto, tendo as mangas subidas até o antebraço, uma camisa branca com um suspensório preto por cima, uma pulseira de spikes no punho direito, alguns anéis em ambas as mãos, uma calça preta rasgada e um coturno, com o cabelo molhado puxado para trás, surge Elliot encostado embaixo do poste de luz na calçada da frente. Aquele era um visual no qual eu imaginava mais o Julian usando, porém agora eu entendia qual era a ligação que gerou a amizade deles: os seus respectivos visuais. Consegui notar um baseado atrás da orelha de Lestatth, e uma latinha de cerveja numa de suas mãos. A pergunta que passava pela a minha cabeça naquele momento, além de se ele tinha pegado aquelas roupas emprestadas com o Julian, era como que nos nove mundos ele sabia onde eu morava, e como também Appa se sentia confortável perto dele.

– Hoje mais cedo foi por pouco ein!

Travei ao tentar falar, e travei ainda mais quando fiquei nervoso ao notar que tinha travado.

– Heheh, o que posso dizer? Acontece né... – disse nervoso, quase que em engasgos, e coçando a minha nuca.

– Bem, então não é bom que isso vire costume, não é? Eu não estarei lá toda vez para salvar o dia.

    E esse foi mais um daqueles momentos que eu fiquei travado encarando alguém sem saber o que fazer, ou falar. E, com certeza, Elliot notou isso.

– Só tome cuidado por onde você anda viu. Algumas ruas por aqui são perigosas. – respondeu Elliot, e quando ele já ia indo embora, eu finalmente consegui falar:

– Obrigado, mesmo. Mas... como você sabe onde eu moro?

    Elliot Lestatth limitou-se a apenas olhar para baixo, enquanto mexia o pé como se estivesse procurando alguma coisa no chão, e dar um sorriso, um risinho baixo. E sem mais nem menos, sem me responder ele foi embora.

– 'Tá me devendo uma. – Levantou a latinha de cerveja como em sinal de brinde, e me respondeu ainda andando.

    E com o que tinha acabado de acontecer ainda presente na minha mente, eu fui dormir, ou então pelo menos tentar. Acabei dormindo como uma pedra e sem ter nenhum sonho, não sem antes ficar rolando de um lado para outro da cama, experimentando todas as posições possíveis para se deitar nela. Quando eu acordei pensei que estava atrasado para o colégio, já que o sol incendia pela janela do meu quarto. No final das contas eu estava até que um pouco adiantado. Resolvi então ficar na cama esperando o despertador tocar, e enquanto isso eu observava Momo, toda despojada deitada aos meus pés. Ela deu uma acordada e se limitou a apenas me olhar e soltar um fino miado, depois lambeu umas duas vezes a sua pata, espreguiçou-se e voltou a dormir. Já Raja estava deitado perto da janela, com toda a sua imponência e elegância felina laranjada, banhando-se do sol matinal. Appa provavelmente estava dormindo no quarto dos meus pais, ou então lá por perto. Quando desci até a cozinha, para o meu café da manhã, não demorou muito para, tanto Appa quanto Momo e Raja, aparecerem na cozinha pedindo carinho e comida. Enquanto eu os alimentava, notei que meu remédio para depressão e ansiedade havia acabado. Também lembrei que talvez precisasse marcar um horário com a minha psicóloga.

    No colégio eu estava enérgico e animado, a contramão da Agatha, que estava até com dor de cabeça por causa da noite anterior mal dormida. Eu não fiquei parado por um segundo na sala de aula, até parecia que os acontecimentos do dia anterior tinham sido anulados da minha cabeça, mas na verdade, eu não parava de pensar sobre isso. Não parava de desenhar, ouvir música, conversar e às vezes escrevinhar alguma coisa no meu caderno, até tentava prestar atenção na aula, mas estava meio difícil. Lembrei que uma amiga duma cidade vizinha estaria na área esta semana, no mesmo momento já mandei mensagem para ela marcando de nos encontrar para andar de bicicleta e botar o papo em dia. Durante o intervalo tive certeza que o Elliot não tinha ido, novamente, ao colégio. Pelo jeito seria mesmo mais uma daquelas semanas em que ele passa sem dar as caras.

– Para com isso Matt, você tem alguma coisa para contar que eu sei! – intimou Daisy quando estávamos indo para o horário de Educação Física.

– Haha, eu já te disse, não tenho nada para contar não. Tu que 'tá' paranoica aí.

– Hmm, eu te conheço viu, há uns seis anos já. Mas se você está dizendo que não tem nada para me contar... – assim que terminou de falar, Daisy foi ver se conseguia alguma aspirina para a dor de cabeça da Agatha.

    Ela realmente me conhecia há seis anos, e eu realmente tinha algo para contar para ela e para Agatha, mas eu não tinha certeza de nada. Tudo provavelmente é só paranoia da minha cabeça... talvez eu precise ler menos John Green.

    No fim, eu resolvi jogar queimada para ver se conseguia gastar um pouco dessa energia que tinha surgido em mim naquela manhã.

O Último Pôr do SolOnde histórias criam vida. Descubra agora