O navio fazia Annie se sentir enjoada. O oceano brilhava com o fim da tarde, o sol sendo engolido pelo mar vagarosamente. Mesmo com um horrível mal estar, não queria sair dali. Andar para dentro, para fora do convés a fazia imaginar quantas pessoas teriam inúmeras perguntas para fazer.
O anel que usava há anos ainda se encontrava no seu dedo. Annie passava o polegar na pequena lâmina, mesmo sabendo que as gotas de sangue nada fariam a seu favor. Não poderia mais se transformar na Titã Fêmea, ela sabia. E agradecia imensamente por isso, já que o seu sonho sempre fora pôr um fim em tudo aquilo.
E ainda assim, o vazio preenchia seu peito. O restinho de sol restante do crepúsculo reluzia no seu rosto, e Annie se concentrava somente na sensação da quentura que aquilo lhe trazia. Havia saído daquele cristal, mas o seu peito ainda parecia congelado. Nem o sol conseguia esquentá-lo.
— É melhor você entrar.
Annie virou-se. Os cabelos loiros do garoto também brilhavam com um tom de laranja da luz solar, e os olhos marrons a encaravam. Annie apertou a mão num punho e logo após isso, escondeu a lâmina do anel. Tirando o olhar de Armin, continuou olhando para o horizonte.
— Tem uma tempestade se aproximando — continuou Armin. Os passos ecoavam pelo convés vazio enquanto o garoto chegava mais perto. Annie sentiu a tensão nos próprios ombros.
A mulher olhou ao redor, para o céu. Era verdade. Annie não havia percebido antes, mas uma grande nuvem preto-acinzentada se aproximava do navio. Engoliu à seco. Virando-se, Annie encarou o restinho de sol que ainda estava presente e o céu que agora se transformava num lilás azulado.
Ambos ficaram naquela posição e em silêncio por alguns minutos que se pareciam mais como horas para ela. O braço de Armin roçava gentilmente no seu, ambos cientes do quão próximos estava. Durante os dois anos que Annie havia ficado confinada no cristal, Armin tinha ido visitá-la. Ele estava sempre lá, atualizando-a de tudo que acontecia em Paradis. Parecia que nunca tinha perdido o real acontecimento dos fatos.
O estômago de Annie roncou. Não havia comido nada há horas, pelo simples fato de estar enjoada. Agora, além de zonza, sentia-se com fome. Não queria colocar nada para dentro. Bom, talvez alguma coisa alcóolica, que a fizesse ficar inconsciente de seus atos por algumas horas...
— Há um ensopado delicioso lá dentro — Armin insistiu. Sua voz suave vibrava baixinho perto de Annie. Ele sempre fora assim. Armin parecia uma maré baixa e com nenhuma onda, diferente daquela onde estavam. As ondas aumentavam o tamanho de acordo com que a tempestade se aproximava, mas nada disso fazia Annie querer entrar. Armin debruçou-se na grade do navio, o rosto voltado para Annie. — Você vai gostar.
— Não estou com fome — a própria voz soou rouca, já que não falava havia horas.
Armin suspirou.
— Você não comeu o dia todo...
Eu sei, é óbvio que sei. Annie guardou as palavras no fundo da garganta. Ser grosseira não iria ajudar em nada... Pigarreou.
— Eu sei — forçou um sorriso fraco.
Uma neblina fraca começava a tomar conta do convés, gotas fracas e finas molhando os braços, o rosto e os cabelos de ambos. Armin ainda encarava a garota. Os seus olhos eram profundos, tão castanhos... Annie piscou.
Ele xingou baixinho. A loira achava que nunca havia ouvido um xingamento sair da boca de Armin. Algo nisso a fez querer rir. Sempre o vira como alguém tão correto e ali estava Armin Arlert, xingando a tempestade que chegava. Mesmo assim, Annie não riu.
— Vamos para dentro — ele deu dois passos para trás, estendendo a mão para Annie. A garota encarou a palma estendida dele. Suspirando, ela aceitou.
Os dedos de Armin eram quentes, longos e esguios. Era uma mão bonita. Annie colocou uma névoa sobre esses pensamentos — pensamentos idiotas e inúteis que vinha tendo desde antes de ficar presa no cristal...
Olhou para frente, para a nuca de Armin, agora exposta. Nunca tinha visto ele de cabelo curto antes, e com certeza lhe caía muito bem. O garoto com certeza mudara muito desde a última vez em que tiveram uma conversa decente, antes de tudo aquilo... quando o plano de recuperar o Titã Fundador ainda era a sua prioridade.
Afastou os pensamentos sobre o passado assim que entraram dentro do navio. No andar de baixo, haviam algumas mesas postas, iluminadas por luzes mais fortes do que do lado de fora do navio. O cheiro do ensopado preenchia o ambiente ocupado por algumas pessoas pingadas aqui e acolá entre as mesas. A maioria ainda não estava ali para a hora do jantar.
Estavam indo pegar os pratos quando Annie puxou sua mão da de Armin. O garoto olhou para trás por um segundo, mas então agiu normalmente. Embora estivesse abrindo e fechando a mão repetidamente. Annie ignorou o ato, pegando um prato e seguindo em frente. Armin fez o mesmo atrás da garota, enquanto ela estendia o prato para a cozinheira. Com um sorriso, a mulher rechonchuda colocou uma porção generosa de ensopado para a loira, que agradeceu com um murmúrio.
Seguindo para uma das mesas próximas da mesa, Annie não esperou por Armin. O garoto, portanto, sentou-se de frente para ela. Annie salivava, a fome falando mais alto do que o enjoo que sentia. O ensopado aqueceu-a de dentro para fora quando o sabor invadiu sua boca. Não se importava de comer com modos, então se curvara para perto do prato e baixara a cabeça. Isso também a ajudava em evitar olhar para Armin, e para reparar mais ainda sobre como ele havia crescido e mudado nos dois anos em que não olhara para seu rosto.
Comeram em silêncio enquanto a garota lembrava-se da última vez em que passaram tanto tempo assim perto um do outro. Pouco antes do Estrondo... Armin tinha dito à Annie que tinha ido para lá sempre que podia pois queria vê-la... A garota Leonhart disse a si mesma que as bochechas quentes eram por conta do ensopado e o coração acelerado era por conta da comida boa.
— O que você disse... antes... — Annie murmurou. Armin escutava-a com atenção. — É verdade?
O garoto, de alguma forma, sabia do que ela estava falando. O rosto se tornara violentamente vermelhos enquanto Annie o encarava, procurando respostas. Ele engoliu a porção de sopa que lhe ocupava a boca e respirou fundo antes de olhar para Annie.
— Sim.
Ela apertou a colher. Suspirou.
— Sinto muito por Eren — ela disse. Não tinha dito isso antes a ele, embora sentisse que devesse. Era uma boa forma de cortar esse assunto agora que já tinha perguntado o que queria.
Armin pigarreou e continuou com a sua sopa. Ele assentiu.
— É, eu também sinto — ele disse, agora melancólico demais para soar como ele mesmo. Annie sentiu como se várias pedras tivessem se acumulado em seu estômago. Tinha falado a coisa errada, com certeza. Tentou dizer a si mesma que não se importava.
Acabando o ensopado, Annie levantou-se. Colocou a mão no ombro do garoto antes de retirar-se, com a palma formigando. Toda vez que o tocava, toda vez que seus ombros roçavam... toda vez.
Com o coração batendo forte e acelerado, Annie despiu-se em seu quarto, pronta para tomar um banho ao som da tempestade que molhava o convés com força e dos trovões e raios que caíam longe.
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𝑚𝑦 𝑦𝑒𝑙𝑙𝑜𝑤 {𝐚𝐫𝐦𝐢𝐧 + 𝐚𝐧𝐧𝐢𝐞}
Short Story[SPOILERS MANGÁ SNK] Depois da morte de Eren e do fim dos titãs, o povo de Paradis tenta seguir em frente. Armin e Annie não são diferentes. Em pouco tempo, ambos conseguem preencher o vazio no coração por algo maior. short fic | aruani | 16+