a pedra na tempestade

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Algo brilhava em meio à escuridão, o mundo parecia ter sido apagado e apenas aquela pedra resistia, radiando sua luz sem hesitar. A tempestade não podia impedi-la, a chuva e vento não podiam movê-la por mais furiosos que estivessem. A noite negra parecia ser a própria morte, nada existia, apenas sua consciência.

O sentimento não durou muito, quando seu corpo despertou completamente, pode sentir as gotas de água baterem violentamente contra a pele descoberta, o frio soprava atingindo até mesmo o centro dos ossos que respondiam em dor. Onde estava? O que era aquilo? A pedra reluzia como um chamado, uma voz silenciosa parecia se conectar à sua alma, exigindo que a tomasse. Ainda maior que vazio existencial e compleição física embargada por sentimentos frios, a vontade de tocar o único objeto que seus olhos conseguiam focar era indescritível. Fome? Desespero? Necessidade? Uma onda de ansiedade a consumiu, os dedos formigavam, queimando em aflição, tomaria aquela pedra ou morreria.

Os músculos travados respondiam em solavancos falhos, as unhas se cravaram contra o chão, obrigando o corpo a se arrastar em direção àquela pequena e poderosa luz. Uma ganância grotesca lhe corroía até a alma, ansiando a pedra. O frio e a dor não poderiam ser comparadas à força que obrigava a continuar enquanto sua pele rasgava ao rastejar, cada centímetro a frente envolvia sua mente numa nuvem invisível, um universo vazio onde apenas existia um puro frenesi.

A imensa sede e ambição se dissolveram no exato momento que a mão trêmula envolveu a pedra que tanto clamava por seu espírito.

Uma onda de energia indescritível correu por todo seu corpo, todas as células se agitaram e pensou que entraria em combustão, queria gritar e liberar toda a sensação de completude. Um raio cortou os céus iluminando toda a colina, naqueles poucos segundos pode ver que se encontrava em meio a um vasto campo gramado, a água ainda dançava impetuosamente guiada pela feroz ventania. Toda a natureza pareceu responder, se agitando. Seu corpo flutuava, longe do chão, cercado por uma luz ainda mais intensa, suas veias brilharam abaixo à derme, milhares de linhas tortuosas refletindo.

Tudo era luz.

Tudo era energia.

O universo era seu.

A natureza eram suas raízes.

Os ventos estavam sobre seus domínios e a chuva eram suas lágrimas.

Era a dona e criadora do mundo.

Com garras ferozes, o poder da pedra se fincou em seu coração que pulsava enlouquecidamente. O ciclo fora completado, agora eram apenas um e todo o poder da pedra eram seus. Um grito rasgou sua garganta ecoando por toda a colina quando não pode mais suportar as sensações extremas, raios se estenderam pelo céu como entranhas, rachaduras de luz. Foi impossível não ouvir ou notar longinquamente todo o ritual cercado de brilho, todo e qualquer ser vivo pode assistir, mesmo que à quilômetros.

O corpo e alma energizados pareceram repentinamente pesado demais, todo o universo que se encontrava sob seu comando pesou contra seus ombros, sufocando e tomando qualquer resquício de oxigênio. Tão veloz e vigorosa quanto ao poder, a escuridão lhe golpeou, levando-a à um estado de inconsciência. Delicadamente foi deitada novamente ao chão de onde viera.

As nuvens pesadas e escuras deixaram de chorar, o vento interrompeu sua dança mortal e o ambiente atingiu um estranho e grandioso estado de paz nunca visto antes por aqueles que residiam ali.

Quando a confusa consciência retornou à ela e as pálpebras se moveram revelando uma visão fraca e turva, tentou entender o que acontecia ali. A noite escura se dissipava aos poucos, enquanto o sol nascia no límpido horizonte. As pupilas dilatas se manifestaram desconfortáveis após tanto tempo no breu sem fim, lentamente pode associar o que via: um grupo de guerreiros com arcos e flechas presos aos ombros.

— Quem é ela? — um deles murmurou.

— Era ela quem brilhava? — outro indagou.

— Calem-se! — o homem com roupas diferentes das demais ordenou. Seu olhar carregado de fúria tremeu quando notou a pedra nas mãos da garota, os punhos se cerraram com força, tornando a pele alva. Ele se afastou apenas um passo antes de se ajoelhar. — Curvem-se diante à rainha!

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