— Tudo isso é uma farsa, Sra. Lermen. O Sr. Rubder é apenas um mero joguete da sua filha — Donati começou a explicar. — Parece que Melina queria fugir desse mundo horrível ao qual a mãe a subjugou, idealizando com maestria o próprio sequestro. Acredito que as obras literárias aguçaram a criatividade... Ela só precisava de um cúmplice: o bastardo. Não compreendem? É só somar um e um. O Sr. Rubder deve ter aparecido logo após a morte de Peter, não? O trágico acidente de carro foi notícia internacional, afinal, um dos envolvidos tinha sido selecionado para substituir uma grande atriz alemã numa famosa peça de teatro. A notícia despertou a atenção de alguém que, desde criança, ouvia a mãe balbuciar o nome Peter Lermen, o pai que partiu — Donati respira e, circunspecta, olha para a governanta. — Suponho que eles nunca chegaram a passar necessidade. O jovem Peter pode ter fugido sem olhar para trás, mas Dieteze, a cristã, não deixaria mãe e filho desamparados. Ah, a culpa cristã... Responsabilizar-se pelo pecado do outro. Imagino que, antes da partida, Dieteze assegurou à família uma quantia aceitável, pelo menos para garantir seu sono em terras tropicais e tentar evitar que a criança cultivasse ódio por Peter. Com a localização do pai divulgada por causa do acidente, ele veio ao Brasil saber mais sobre o pai e, com o tempo, ficou ciente que Peter tinha deixado uma filha, Melina... sua irmã. Rubder, sem revelar sua identidade, aproximou-se da família Lermen e viu como Melina era tratada pela mãe, uma criatura paranoica com segurança, então, ofereceu-se como tutor — Donati apontou para a cronologia —, assim poderia cuidar da sua irmã e saber mais sobre o pai. Se o Sr. Rubder quisesse fazer algum mal já teria feito há muito tempo e, caso quisesse, não se apresentaria com esse nome falso... O nome dele é a chave, chave que ele entregava todos os dias para Melina, ela só precisava vislumbrar a porta para poder usá-la. Então, coloquem as séries de TV e os best-sellers de lado, atualmente poucas pessoas resolvem optar pela vingança. Primeiro, porque a vingança é uma coisa cara. Segundo, e é o mais importante, a maioria das pessoas quer amar e ser amada.
Boquiaberto, o trio encarava Donati.
— As anotações da própria Melina confirmam o que estou querendo dizer. Nesta página da agenda telefônica, vejam isto: Rubder é um anagrama da palavra alemã BRUDER, que significa IRMÃO. Afiada em alemão e instintiva, Melina percebeu isso e, colocando-o contra a parede, notou que o pai e ele tinham traços em comum. No fim, Rubder contou tudo o que sabia e foi nesse momento que Melina viu a chance para executar a tão sonhada fuga. Até eu fugiria, olha a cor dessas paredes, olha o tamanho desse quarto, olha a vida de vocês... Com certeza, um irmão teria piedade e a ajudaria. Eles só precisavam de tempo para produzir os materiais do show. Então, com tudo esquematizado, o bastardo, transfigurado em velho, tendo embaixo do grande sobretudo um arcabouço metálico, entra na residência dos Lermen dizendo ser o pai do Sr. Rubder. Melina, no quarto, aproveitando o barulho do cortador de grama, simula o arrombamento e escreve o bilhete de sequestro... Gesù, Maria, Giuseppe! Que mãe não reconhece a escrita da própria filha? — Donati confrontou a caligrafia com a da agenda e com o caderno de anotações. — Tudo indica que Melina Lermen já contava com isso, caso contrário, seria a caligrafia do Sr. Rubder aqui. Então, o bastardo entra no quarto, entrega os livros e, um ou dois minutos depois, sai... e Melina com ele.
— E a palavra na fotografia? — indagou Dieteze, perplexa.
— Ideia de Melina — disse Donati, confrontando a caligrafia de novo — Esperta essa menina. Tão esperta que forçou Dieteze a seguir um caminho de sombras. Caso continuasse na luz, você reconheceria a caligrafia. A palavra RACHE a cegou. Não se culpe, o passado tem um efeito enorme sobre todos nós. E aí está: o motivo do sequestro seria vingança. As suspeitas deveriam ficar no filho bastardo de Peter, teoricamente, ainda na Alemanha, ou seja, ela queria afogar todos nas mágoas do passado. Melina Lermen pensou em tudo, na verdade, quase tudo. Só não pensou que Diana Donati poderia ser chamada.
— Meu Deus — conseguiu dizer Sra. Lermen.
Donati entregou um cartão de visita a ela.
— No cartão há duas sequências de números. O primeiro é o da minha conta bancária para depósito do valor dos meus serviços de consultoria e o segundo é o telefone de um amigo psicólogo que vai ficar contente em receber mãe e filha em seu consultório. Tenha uma boa-noite, Sra. Lermen.
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DIANA DONATI - O Caso do Bastardo
غموض / إثارةChorar sobre as desgraças passadas é a maneira mais segura de atrair outras [William Shakespeare] Diana Donati, neta de imigrantes italianos, é uma mulher geniosa, mas brilhante! Um dos seus casos mais curiosos [e resolvido em tempo recorde] foi o...