Capítulo 10

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Paciência, Ren disse a si mesmo. Largou a bolsa no chão e foi até lá.
― Ren Abe? - o policial perguntou.
― Sou eu - disse tentando não ser ríspido.
― Como deve saber, o senhor está sendo acusado de manter um animal silvestre e em extinção como um animal doméstico, temos um mandato de busca para averiguar a denúncia.
Ele lhe entregou o papel.
― Sei da denúncia e ela é mentirosa, é claro.
― Hum, e esses senhores quem são? - ele perguntou.
Não tinha reparado que Aki e Shima estavam ao lado dele como seguranças mal encarados.
― Eles...
― Somos cunhados dele - Aki disse - Algum problema.
― Aki menos - Shima lhe avisou.
O policial ergueu a sobrancelha, mas aparentemente resolveu relevar ou não entendeu o inglês cheio de sotaque do Aki.
Ren aparentemente havia sido aceito muito facilmente na família, mas isso não tinha muita importância agora.
― Podemos fazer a averiguação? - ele perguntou.
― É claro, como eu disse essa denúncia é infundada. Ele vai e vem a hora que quer, agora mesmo ele não está aqui. Mas costuma aparecer pelo dia e sumir a noite o senhor pode perguntar a todos que me conhecem e que frequentam minha casa.
― Vamos fazer a busca então.
― A casa é toda de vocês.
O outro que estava no carro saiu.
― Se não se importa vamos colocar essas câmeras de monitoramento para rastreá-lo quando volte.
― Isso é necessário? - Estreitou os olhos.
― É para o próprio bem dele, quando pudermos monitorar seu comportamento poderemos colocar um chip para saber aonde vai.
Ren sentiu o estomago embrulhar apenas de pensar que ele seria perseguido sedado para que lhe colocassem um chip que não era garantia alguma de que estivesse livre de caçadores, se sentia enjoado.
― Ren, está se sentindo bem? - Shima perguntou percebendo que o sangue havia fugido completamente do seu rosto.
― Você devia tomar água - Aki disse e o empurraram de volta para casa.
― Se você não melhorar essa cara vão desconfiar - Shima disse dando a água a ele.
― Esses caras estão me fazendo perder tempo.
― Mas já sabe onde procura-lo? - Aki perguntou.
― Estou pesando nisso, e acho que talvez ele tenha ido atrás da velha que lhe jogou a maldição.
― E onde ela está? - Shima quis saber.
Ren fez uma pesquisa no celular, estava aliviada que a tribo deles estava no Google Maps.
― São cinco horas de viajem de carro daqui, eu não sei quanto ele pode correr, mas quero me apressar e chegar antes dele.
Ren estava batendo o pé no chão esperando que os policiais fossem embora.
Mas viu sua paciência sair pela porta de trás quando sua mãe entrou pela da frente.
― Ren, sua advogada me ligou me falando o que estava acontecendo, porque não atendeu o telefonema dela?
― Estava descarregado.
― E quem são esses homens? - ela disse olhando desconfiada para Aki e Shima.
― São os irmãos do Haru.
― Haru? - ela o olhou estranhando - Haru não é o lobo?
Ren bateu a mão na testa esqueceu do nome inventado.
― Haru é o nome de verdade do Natsu. - disse sem paciência.
― E porque ele não disse o nome de verdade?
― Posso explicar senhora - Shima se apressou em tomar a frente vendo o quanto ele estava puto - É que temos um primo que se chama Natsuo, como os dois eram muito parecidos quando crianças e ainda hoje nos brincávamos com o joguinho de palavras Natsuo e Natsu.
Ah, então foi dali que ele havia tirado aquele nome.
Bom, dane-se!
― Acho que entendi, mas então porque o Ren colocou o nome do lobo de Haru? Hum, pensando bem os dois são estranhamente parecidos.
― A senhora quer saber porquê? - Ren já havia perdido completamente a paciência - Porque eu estou apaixonado por ele, sinto muito por todas as namoradas que tentou me empurrar e não deram certo, mas eu amo aquele cara!
Sua mãe arregalou os olhos e ficou completamente paralisada como se realmente entrado em estado de choque.
― Não acha que pegou um pouco pesado com a sua mãe - Aki disse segurando a mão dela fazendo-a se sentar na cadeira, como se ele fosse uma delicadeza de pessoa.
― Não tem problema senhora, pelo menos é correspondido.
Ela não parecia capaz de falar uma palavra.
Shima colocou um copo depois água para ela também.
― Você... Você.... Nunca gostou de garotas - ela disse finalmente com os olhos inundados de lágrimas.
Não estava com saco para os dramas dela.
― Mãe sinto muito, mas eu não estou a fim de falar disso com a senhora agora.
Os policiais bateram na porta e ele foi até lá. Ficou mais quinze minutos respondendo perguntas até que eles finalmente foram embora, não antes de deixar uma intimação para que ele fosse "prestar esclarecimentos" na próxima segunda.
― Estou indo agora - ele disse voltando para pegar a mochila.
― Aonde você vai? - sua mãe perguntou.
― Atrás do nosso irmão - Aki disse - eles brigaram, mas não se preocupe vai ficar tudo bem.
― Eu não sei quando eu vou voltar, espero que seja logo. A senhora pode tomar conta do Tanuki?
― Eu? Do Tanuki?
― Muito obrigado - disse sem esperar resposta - Aki, Shima a casa é de vocês.
Correu até o carro e acelerou.
Esperava que seu palpite estivesse certo pois, não saberia o que fazer se não o encontrasse.
A aldeia deles, Aarush, fazia parte do território de Calgary subindo uma montanha, e mesmo que Haru corresse muito era impossível que ele chegasse primeiro, mesmo com o tempo que tinha tido a sua frente. Não sabia se era pelo nervosismo, mas se sentiu incomodo por todo o caminho, como se estivesse sendo seguido, mas aquilo não podia ser possível, pelo menos não foi nada mais que uma sensação.
Acabou chegando lá mais cedo do que esperava.
Era uma comunidade pequena, mas "civilizada", pode perceber pelas antenas de internet no topo de algumas casas que não eram muito diferentes da sua. E todos olharam desconfiados quando ele desceu do carro.
Um homem "gigante" logo veio em sua direção.
― O que deseja rapaz?
― Eu gostaria de falar com a xamã da sua tribo - Haru havia dito que era isso que ela era.
― Para quê? - ele perguntou desconfiado.
― É um trabalho para faculdade, se ela não se importar é claro.
― Hum, então você é um estudante? De que qual universidade?
― Mount Royal Calgary.
Mesmo que a parte do "estudante" não fosse uma mentira, o homem tão pouco pareceu acreditar em suas meias verdades, ainda assim lhe disse para esperar um pouco.
Ren se encostou no carro esperando e pensando onde Haru poderia estar agora.
Queria encontra-lo logo.
O homem voltou rápido.
― Ela disse vai te receber, qual é o seu nome?
― Ren, Ren Abe.
― Venha comigo.
Quando viu a mulher, Ren logo se decepcionou, pois não poderia ser ela.
Era baixa, os cabelos negros tinham alguns cabelos brancos misturados entre eles. Ela tinha idade para ser sua mãe, não podia ser avó de alguém que tivesse idade para "sair" com Haru.
― O nome da senhora não seria Varsha não é?
Ela ergueu uma sobrancelha.
― Não, meu nome é Kavya. Atual xamã dessa tribo, mas você parece decepcionado? - ela percebeu - Está aqui realmente por um trabalho escolar?
Ren a olhou nos olhos.
― Na verdade não - foi sincero - Eu gostaria de saber, se a senhora se lembra de um visitante há três anos, era antropólogo, e teve um envolvimento com...
― Ah - ela o interrompeu - o olhos bonitos, mestiço de duas raças.
Ela realmente falava dele como se fosse um cachorro.
― Esse mesmo, então a senhora se lembra.
― Como poderia esquecer, era com a minha filha que ele estava andando.
Então....
― Sua mãe jogou uma maldição nele, - disse cauteloso - tem como desfazer? Se eu pudesse falar com ela....
― Não seria possível falar com ela, não nesse mundo pelo menos - ela o interrompeu - faz quase um ano que ela se juntou as estrelas.
É claro, pensou infeliz, se ela estivesse viva seria com ela que estaria falando.
― Então...
― Mesmo que ela estivesse viva, esse tipo de coisa não pode ser desfeita, no entanto...
Ela se interrompeu com um sorriso suspeito.
― O que foi?
― Como você sabe sobre o feitiço do lobo? - ela disse muito ironicamente a palavra feitiço.
― Ele me contou.
― Você pode falar com os animais? - ela arregalou os olhos.
― Não, ele me contou quando se transformou em uma pessoa.
― Então ele encontrou o seu amor verdadeiro e quebrou o feitiço.
― A maldição não foi quebrada - descordou.
A mulher lhe lançou uma olhar de desaprovação.
― Não sei porque se refere a isso como maldição, o Olhos bonitos vivia um vida de aparências, o que a minha mãe lhe deu foi uma chance de rever o que não estava bem, de que ele buscasse o autoconhecimento.
― Essa chance de "rever o que não estava bem" poderia tê-lo matado e ele ainda corre riscos - apontou irritado.
Ela sorriu.
― Então é você - ela disse animada.
― Eu o quê?
― Você é o amor verdadeiro dele - disse sorrindo - Você, tem um olhar duro, também passou por maus bocados em seus caminhos, mas também tem olhos bonitos. Porque não disse a ele o que sentia?
― E como você sabe que eu não disse?
― Ele já teria voltado a ser um humano - ela disse como se fosse óbvio.
Aquelas palavras o atingiram como um soco no estômago.
Não poderia ser verdade... Então não estariam passando por tudo isso se apenas tivesse dito o que sentia, e se qualquer coisa lhe acontecesse por sua culpa nunca se perdoaria.
― Você pensa que ele está vindo para cá?
― Foi a única coisa que pude pensar.
― Quer esperar aqui? Pode ficar na minha casa se quiser.
― Eu não quero incomodar - falou.
― De maneira nenhuma, aproveito e te apresento minha filha.
Ren arregalou os olhos quando ela lhe puxou pelo braço.
Ele não queria de maneira alguma conhecer a garota. Não era que sentisse raiva dela ou algo assim apenas se sentiria desconfortável em...
Um garotinho loirinho veio correndo na direção da mulher.
Ren quase teve uma síncope porque aquela criança bem poderia ser...
― Meu netinho não é lindo? - ela disse sorrindo com o menino no colo.
Mas teve medo de olhar para a criança.
― Seus pensamentos são muito óbvios menino. - ela riu - Essa criança não é dele.
Voltou a respirar naquele instante.
― Minha filha apenas se casou com um forasteiro, um biólogo americano. Acho que ela sempre gostou de homens com esses olhos de estrelas.
Ren então viu a moça se aproximando, e bem, ela não era um exemplo de beldade. Não era que fosse feia, de maneira nenhuma, tinha apenas um rosto comum.
Mas sempre a imaginou como uma mulher lindíssima, para atrair a atenção de Haru.
Ela falou com a mãe em sua própria língua e ficou um pouco frustrado.
Sempre fazia isso quando estava com seus amigos japoneses e seus colegas reclamavam por não entenderem nada, agora estava tomando um pouco do seu próprio remédio.
― Ele é o amor verdadeiro dos olhos bonitos - ela disse em inglês.
Ren levou um susto a moça também.
― Um homem? - ela estava surpresa.
― Almas não tem sexo, e ele é a alma gêmea do Olhos Bonitos.
Ela o olhou constrangida.
― Espere que não pense que a culpa é minha, eu era jovem e impulsiva.
Até parecia que haviam se passado cinquenta anos.
― Eu não penso isso, e o Haru nunca te culpou ele não é assim.
― Mas eu sim - ela choramingou - eu era muito imatura, fui me queixar com a minha avó e ela fez algo que eu realmente não esperava, eu não desejava o mal dele.
Acreditava nela, mas se desculpar agora não serviria de muita coisa, mas ela continuou fazendo isso, até chegar ao ponto de não prestar mais atenção no que ela estava falando.
A mãe dela contou o quanto a avó era rigorosa, e rancorosa para não dizer vingativa. E mimava a neta mais do que ela que era a própria mãe da menina.
Isso entendia já que seus avós o tratavam melhor do que sua mãe, mas não sabia se continuariam assim depois de descobrirem que estava apaixonado por um homem.
A casa dela era bem normal, pensou que encontraria um lugar cheio de objetos místicos, mas não parecia ser esse o caso, até mesmo a mulher se vestia normalmente, como qualquer pessoa se vestiria.
― Pinturas e vestimentas, são colocadas apenas em cerimônias - ela disse percebendo o que ele estava pensando - Não é fácil colocar todos esses adornos. E sinto muito decepciona-lo pela segunda vez.
Ela concluiu rindo.
Ela era muito carismática, lhe tratou amavelmente lhe ofereceu a refeição e contou a história seu povo e porque de seu nome "Aarush" significava primeiros raios de sol, pois segundo ela no verão era ali a onde o sol alcançava primeiro.
Mas o tempo passou e Haru não apareceu, mesmo quando era noite e já sabia que ele era um homem e podia se aproximar sem assustar ninguém.
Saiu na varanda e viu a aurora boreal no céu, não era a coisa mais comum naquela parte do pais, mas era a segunda vez que a via em um curto espaço de tempo.
― Olha Ren! Olha Ren! - Haru havia lhe chamado todo animado do lado de fora.
― O que é?
― Vem aqui.
Foi até lá e ele apontou para as brilhantes ondas no céu.
― É a primeira vez que você vê uma aurora boreal?
― Claro que não - ele riu.
― Então?
Ele sorriu e foi para trás dele o abraçando.
― É a primeira vez que eu vejo com alguém que eu gosto - sussurrou em seu ouvido - e sabe o que é melhor?
― Não faço ideia - respondeu, sentindo que sua orelhas começavam a esquentar.
― Mesmo se eu não estiver aqui, da próxima vez que você ver uma vai se lembrar de mim.
― E como pode ter tanta certeza?
― Porque eu com certeza vou me lembrar de você.
Dito isso ele passou o resto daquela noite o beijando e fazendo corar.
Lembrar daquilo apenas fez com que tivesse vontade de sair correndo e procura-lo no meio da noite...
Levou um susto quando ouviu um uivo de lobo, mas não era ele. Era estranho, mas também reconheceria sua "voz" de lobo em qualquer lugar.
Se levantou, quando ouviu os outros seguidos dele.
Porque ele não havia vindo? Estava enganado? Ele não viria?
Não havia conseguido chegar? Tinha que lembrar que ele tinha patas e não rodas, mas mesmo assim.
E se alguma coisa tivesse acontecido com ele.
― Não é uma boa ideia - a voz da xamã se ergueu.
― Não sabe o que eu estou pensando.
― Se meter na floresta a uma hora dessas, quando todos os animais estão saindo pra caçar, não é uma boa ideia.
― Mas o Haru está lá em algum lugar.
― Ele viveu três anos assim, ele sabe muito bem como se cuidar, já você eu duvido muito.
Não insistiu em sair no escuro e no frio, seria estupidez demais e perda de tempo, principalmente se ele não estivesse lá.
Mesmo assim não dormiu nada e não houve nenhum sinal dele.
De manhã não esperou que o sol nascesse e saiu.
Se lembrava do dia que havia o encontrado pela primeira vez, naquela ocasião seu pé estava machucado, o que não era o caso agora.
Poderia correr se precisasse. Não era o que queria mais era o mais provável, e agora não tinha Haru para vigiar suas costas.
Escutou estalos e quando se virou havia uma arma apontada para o seu rosto.
Em todo o caminho que percorreu Haru tentava se convencer de que havia tomado a decisão correta, mas a cada cinco minutos parava olhando o vazio lembrando do rosto lindo o sério daquele garoto. Então se sentia a pior merda que já havia pisado na face da terra.

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