Revejo nossas últimas conversas para entender quando tudo começou. Quando você começou a sentir os sintomas e quando piorou. Esses dias são confusos quando lembro dos detalhes. Talvez eu queira esquecer algumas mensagens que me doem só de lembrar. Quando você ama alguém o que você mais teme é receber uma mensagem das que eu recebi e dias depois aquela ligação. Você havia desinstalado o WhatsApp e conversávamos pelo Instagram. Volto para o dia 13 de junho, quando ainda estava tudo bem. Seu tão esperado fone de ouvido havia chegado e você estava muito feliz. Você comprou com seu dinheiro mas me agradecia por algo. Você sempre sendo grata por qualquer coisa, eu amava isso em você. Sempre grata por coisas que são obrigações das pessoas, como carinho, respeito e atenção. Obrigado meu amor, esse seu jeito me fazia se sentir especial pelas coisas mais simples da vida. Vendo aqui as conversas, ouvindo os áudios eu consigo voltar ao passado e isso é muito bom. Reviver momentos que você estava bem, que estávamos juntos. Consigo ouvir você me chamando pelos mais estranhos apelidos que alguém poderia inventar, mas eu amava e sempre lhe dizia isso, lembra? Eu me perguntava como você conseguia inventar sempre um apelido diferente e em poucos dias já se tornava especial e característico.
Dia 14 de junho, 15 horas e você ainda almoçava. Disse que fez a comida mais gostosa da vida e pela foto eu sabia que era verdade. Você me mostrava tudo que fazia e eu também. No dia 15 no primeiro áudio que você mandou, já havia sinais de uma gripe ou algo do tipo, você disse que foi dormir com dor de cabeça e um incômodo no peito e coriza, mas que amanheceu melhor. Nós dois temos sinusite e algumas coisas pareciam normais, já estávamos acostumados a ir dormir ou acordar assim, mas a dor no peito já me preocupou, por ter amanhecido melhor já dei graças a Deus. Dia 15 você sentiu de novo os mesmos sintomas, o corpo doía e um aperto no peito. Mas você estava bem, era folga da sua mãe e vocês estavam almoçando. Eu vejo e revejo esse dia, porque ainda estava bem meu amor. Como eu queria voltar naquele dia, ir com você no melhor hospital, ter dinheiro para pagar o melhor tratamento, ter feito alguma coisa se ainda tivesse solução. Pedi para você baixar o Rave, queria muito assistir um filme com você, mas não chegamos a terminar porque você estava se sentindo mal novamente. Como eu queria gritar "PARA, DOENÇA MALDITA!", já sentia um aperto enorme no peito. Você ainda estava calma e eu não queria tirar isso de você. Sabia da sua ansiedade, de todos seus medos, não queria de jeito nenhum lhe tirar a paz, lhe dizer a quantidade de coisas que já se passavam na minha cabeça. Respirava fundo, e enfim pensava "vai ficar tudo bem, é só um gripe. Não é covid-19". Sempre perdidos sem informação qualquer, mantemos as esperanças de que tudo ia ficar bem. Desde que tudo isso começou, um pouco antes de você adoecer, nós sempre nos sentimos muito abandonados e inseguros de todas as formas. Sem informação clara de ninguém, cercados de Fake News, cientistas ainda procuravam respostas e o governo fazia pouco da situação mesmo com mundo todo em alerta.
Dia 16 você já amanheceu muito mal, queria passar o dia deitado, sentia as mesmas coisas mas tinha piorado. Sempre melhorava por um período e isso nos dava esperanças. "Já passou", era o que eu pensava. No mesmo dia comprei umas frutas, fiz uns sucos e levei pra você, "muita vitamina C" eu imaginava. Mesmo sentindo tudo isso ainda lembro que naquele dia você se preocupou com uma mulher que estava pedindo ajuda, me lembro novamente do grande coração que você tinha, da compaixão que sentia das pessoas, colocando as vezes isso na frente dos seus interesses. De tardinha sua garganta que piorou. Dia 17 você acordou com muita dor no corpo. Você estava preocupada também, quem não ficaria com as notícias de mortes todos os dias. Mesmo assim mandou pra mim "Eu não to com corona. Minha tosse ta quebrando. Ontem fui diferenciar os sintomas, e corona é bem diferente de gripe". Você mandou um áudio explicando os sintomas "corona você começa com uma coriza nos olhos, aí você perde o gosto e cheiro, dá febre alta, não dá espirro e fica com uma tosse seca", eram tantas informações que não sabíamos em que acreditar. Ainda hoje eu não entendo bem os sintomas, porque você e eu nunca perdemos o olfato e o paladar. Você foi dormir com febre e sentindo calafrios.
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Um Pedaço em Mim
SaggisticaEscrevi esse pequeno livro resgatando memórias, relendo cartas, ouvindo músicas, remoendo tudo que me lembram quem um dia foi Laura Rodrigues, o amor da minha vida. - Em homenagem a Laura Rodrigues que por mais de 2 anos foi o amor da minha vida. L...