A Morte

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Não era possível distinguir se o calor que Wanda notava no broche, no centro do peito, era causado pelos sentimentos mornos em seu coração ou pelo medo crescente conforme avançavam os dias. Por mais que encontrasse aquilo que poderia chamar de paz durante a tarde, o restante do seu dia era composto por tensão e receio. E depois, até suas horas amenas durante aquele Outono desbotaram um pouco da cor, adquiriram um sabor mais agridoce.

Em meio aos belos desenhos e fotografias de Steve, existiam também figuras de miséria, más condições de trabalho enquanto os prédios impressionantes continuavam a se erguer, imponentes e inacessíveis. Vinham primeiro os ossos, sua carcaça de metal; depois sua carne de concreto e então a carapaça de sua decoração. Quando Wanda enxergava aves distantes empoleiradas naqueles prédios, tinha a impressão que eram todas de penas pretas. Talvez fosse a distância, talvez fossem realmente daquela cor. Imaginava que fossem corvos. Só não conseguia decidir se queria que tais aves a ensinassem a voar para longe ou se desejava que logo se banqueteassem de seu corpo.

Steve Rogers não pensava exatamente em ser jornalista, mas como ex-combatente da Grande Guerra e dono de memórias dolorosas, era inevitável que se sentisse no dever de fazer alguma coisa. Bucky o chamava de encrenqueiro por acabar se envolvendo em brigas que não eram exatamente suas — acabando muitas vezes em brigas em becos — mas, ao fim, Bucky sempre estava ao seu lado. A oficina tinha agora um espaço reservado para revelação de fotos de forma amadora. Natasha também estava engajada, uma vez que o pior lado de Nova York se mostrava à imigrantes; e Sam tinha todos os motivos para para ser o maior interessado naquilo: fazia relativo sucesso na música, no entanto — mesmo que muitos apreciassem o ritmo do jazz e charleston — o tom de sua pele ainda era razão de ser tratado de forma muito diferente.

Wanda também achava que os pensamentos daquele autor, Goddard, estavam perigosamente enraizados nas pessoas e tendiam a crescer, afinal, não era só ele que pensava assim. Como descendente de judeus e roms, ela compreendia o quanto tudo aquilo era perigoso — o quanto muitos acreditavam ou queriam acreditar que essa ou aquela raça eram os únicos culpados pelos problemas que a ganância e ignorância traziam — e que seus amigos estavam corretos em suas reivindicações. E apesar de controlar seu medo e ajudar da maneira que podia, apoiando-os na oficina e sugerindo ideias para angariar fundos aos mais vulneráveis, ela sabia que as coisas não melhorariam. Não agora, talvez não em muito tempo. Era mais fácil serem chamados de desordeiros, anarquistas e comunistas e ao fim acabarem presos ou pior.

Ela pensava nisso durante o piquenique no Prospect Park, um dos últimos que ela e James Barnes poderiam aproveitar antes que o frio do Outono fosse mais severo. Ao menos o parque não estava cheio como na Primavera. Sentada na toalha acima da grama, a jovem acariciava num gesto vago o pesado broche vermelho em seu peito, calculando os riscos e as probabilidades de seu destino. Já se arriscava demais envolvendo-se com Bucky, justamente o mecânico que estivera presente no episódio da sabotagem do Ford de Declan Dane; e apesar de manter seu relacionamento na discrição absoluta, era difícil não supor que alguma hora isso viria à tona e seu chefe era simplesmente esperto demais para não ligar um ponto e outro. Os únicos que sabiam disso além de seus amigos da oficina eram Pietro, Agatha, Emilija e Ebony.

Remy LeBeau descobriu também, mas não era nenhuma surpresa: Ele sempre descobria tudo.

Enquanto Bucky servia-se de mais um gole de café morno, Wanda pegou uma fatia de pão de abóbora de dentro da cesta de vime e se pôs a observar uma família de quatro pessoas que caminhava no parque. Bastava repousar os olhos sobre eles para notar o quanto a vida que eles levavam era diferente. Era nítido em suas roupas, na forma de agir. As folhas de Outono caíam especialmente para compor um cenário estético para cada um deles, para forrar seus pés do chão tão banal. Caminhavam em direção ao passeio de charrete, talvez para simular a sensação de serem da realeza.

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