Depois da saída dos okamis eu volto para o balcão e peço mais uma caneca de cerveja, não que fosse a minha bebida favorita, mas pelo menos me ajudaria a relaxar. Com o canto do olho vejo Jeffrey ocupando o lugar ao meu lado, massageando o ombro onde eu apertei.
- Você poderia ter sido um pouco mais delicada com esse seu aperto Ruby, meu ombro está doendo até agora.
Viro meu rosto em sua direção e o avalio de cima a baixo.
-Se você não tivesse enfrentado aquele okami não estaria com o ombro dolorido agora.
Percebo que minha resposta não o agradou, mas ele apenas dá de ombros e observa os clientes da taberna. Uma das qualidades que admiro nele, a capacidade de mudar ou ignorar determinados fatos.
-Você realmente iria convidar aquele okami para uma bebida?
Tomo um gole da cerveja antes de responder
-Talvez, afinal uma simples bebida não mata ninguém.
Sorrio um pouco enquanto pisco o olho para ele.
-Pelo menos me pouparia o trabalho de caça-lo.
Vejo ele suspirar enquanto uma expressão de desgosto toma conta de sua face.
-Não vou tentar te convencer do contrário, é perda de tempo, apenas te digo para ter cuidado. Eles são okamis Ruby, não se mata ou tortura um okami sem que aja consequências, e elas normalmente incluem a cabeça de alguém em uma estaca ou uma viagem só de ida para as dimensões demoníacas.
Termino a bebida em um único gole antes de responder e levantar.
-Estou bem ciente dos riscos Jeffrey, não precisa se preocupar. Agora vamos logo voltar antes que Arata mande alguém atras de nós.
Ele levanta e juntos saímos da taberna. Nossa caminhada não seria longa, o casarão que chamamos de casa é uma mansão localizada na parte nobre da capital. Arata, apesar de ser um ladrão, golpista e assassino profissional, é também membro da classe alta, tão rico quanto um nobre. As vezes ele recebe convites para algum baile ou festa de alguém da nobreza, normalmente algum barão ou visconde, nobres que gostariam de ter algum tipo de influência maior na administração do império.
Estávamos próximos do casarão quando escuto barulhos vindos de um beco a poucos metros de nós. Olho para Jeffrey, ele já estava com sua faca de combate em mãos, puxei uma de minhas adagas e fui me aproximando devagar da entrada do beco.
Não sou uma pessoa que se assusta com sangue ou mutilações, já fiz isso muitas vezes quando tive que torturar alguém, o próprio treinamento que recebi quando entrei para os crows era sanguinário o suficiente para que eu me acosrumasse com isso. Mas nada se comparava com oque eu vi, ratazanas, pelo menos algumas dezenas delas, se alimentando do que era para ser uma fada. Suas asas, oque restava delas, ainda mantinham resquícios do que um dia foi um belo tom de verde esmeralda mas que agora era apenas um verde opaco e sem brilho. Uma das asas foi brutalmente arrancada do osso, a outra estava seriamente quebrada e com partes faltando. Seu rosto antes belo tinha uma expressão de terror eternamente gravada nele.
Jeffrey passou a minha frente, espantou as ratazanas e se abaixou para analisar o corpo.
- Parece que sas asa foi arrancada com ela viva.- Ela foi um descarte.
- Por que acha isso Ruby?
Não lhe respondi de imediato, observei o beco e depois o céu estrelado, tentando imaginar como ela foi parar ali. Voltei meu olhar para a rua.
- Não teria como ela vir andando até aqui, alguém teria percebido as marcas de sangue e descoberto ela. Obviamente também não veio voando. Arata deve ter comentado com você sobre os viajantes de dimensões.- Sim, ele me pediu para avisar as prostitutas do Máscara Rubra para não atender clientes fora do bordel.
Ele respondeu enquanto se levantava e afastava do corpo.
- Provavelmente ela era mantida para a produção de pó de fada.
Pó de fada é um alucinógeno feito através das asas das fadas. As asas de fada são estruturas ósseas cobertas por uma fina película, semelhante a seda. O pó é obtido ao triturar as asas de fada, poucas gramas desse pó poderiam valer algumas peças de ouro em nossa dimensão mas na dimensão humana a mesma quantia de pó poderia valer uma pequena fortuna. Oque muitos não sabem é que na verdade não são as asas em si que importam e sim o sangue que corre por elas, ele é o responsável pelo efeito alucinógeno.
Jeffrey me olhou com um olhar de advertência.
- Arata não quer que nos metamos nisso Ruby, então nem pense.Dei de ombros e comecei a andar em direção a saída do beco, o cheiro do sangue de fada pode até ser doce mas depois de um tempo passa a ser enjoativo.
- Vamos sair logo daqui, estou cansada.
Jeffrey suspirou e começou a me seguir pela rua.
- Você vai ignorar oque eu disse e vai investigar não é mesmo?
- Você ja sabe a resposta, não sei porque ainda pergunta Jeffrey.
Sou muito grata ao Arata por ter me acolhido mas todos sabem que não sou de seguir ordens cegamente.
Ao chegarmos na frente do casarão Jeffrey segurou meu braço e apontou para a porta, me viro para olhar e a vejo entreaberta, ao olhar mais para baixo observo o bichinho de estimação do Arata, uma cobra slaty grey albina.- Pega ela Ruby.
Sinto a mão de Jeffrey tremer discretamente, olho para ele e o vejo desviando o olhar para todos os lados exceto o lugar onde a cobra se encontrava, havia esquecido do medo que ele tem de cobras. Suspiro e vou em direção a Piti, nome carinhoso que dei a ela. Pego Piti com cuidado e abro a porta entrando no salão principal e espero Jeffrey entrar. Fato que demorou um pouco já que ele evitava estar a menos de cinco metros dela.- Sabe que uma hora vai ter que superar esse seu medo de cobras.
- No dia que você superar sua aversão a insetos.
Ele me olha bravo e apesar da provocação só consigo rir do modo como ele se afastava da Piti em meus braços.
- Para de ser chato, ela é fofinha.
- Não me interessa, não gosto de cobras e ponto. Quer saber vou dormir, boa noite.
Ele sai quase correndo do salão, me deixando sozinha com a cobra. Abaixo para deixar a cobra no chão, levanto e vou para o corredor que leva ao meu quarto. Abro a porta do meu quarto, entro e vou direto para o banheiro. Tomo um banho e visto uma camisola com um roupão, ambos de um azul oceânico. Antes de dormir pego meu diário e escrevo os acontecimentos do dia, mantenho tudo registrado desde que entrei para os crows. Enquanto escrevo não paro de pensar no okami de olhos azuis que encontrei hoje, ele me parecia muito familiar, quase como se o conhecesse.
Termino meus registros, deito na cama, me viro para apagar a vela que estava em cima da cômoda de cabeceira. Após a chama da vela se apagar a única claridade que entra é a luz da lua cheia, o ambiente se torna tão confortável que não demora muito para eu conseguir adormecer.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Entre Corvos e Lobos
ФэнтезиAna, Lili, Ruby, princesa, filha ou assassina. Lucas, Rukasu, príncipe ou guardião. Duas pessoas com vidas semelhantes, porem vividas em extremos opostos, um ato de traição do passado unindo seus caminhos. Segredos e uma origem desconhecida sendo re...