IV.

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— Preciso deixá-la, e você precisa descansar. Deseja algo mais, antes que eu me vá?

— Sim, eu desejo que fique, Kiara. O que aconteceu? — perguntou Alina, confusa e levemente desconfiada. Kiara estava fugindo dela? De alguém? De si?

— Não posso ficar. Queria saber se quer algo de mim, apenas. — a voz soava fraca. Ela só desejava estar em outro lugar, como se seus pensamentos não fossem segui-la se saísse. Sabia que não funcionaria, mas ao menos não incomodaria a outra mulher.

— Acho que não quero.

— Acha?

— Talvez. Quero que olhe para mim. — Kiara permaneceu imóvel. — Certo. Então devo retribuir a gentileza. Desejas algo mais, antes de partir sem nenhuma explicação?

Alina estava ciente de que mal a conhecia, e havia uma chance de nunca mais se verem novamente assim que aquela porta fosse aberta, mas aquela era uma forma muito insensível de se despedir. Lembrou-se, então, de que tocara seu corpo há pouco, e viu e sentiu marcas de ferimentos recentes. Logo imaginou que Kiara estivesse em perigo, ou fugindo. Talvez, alguém tivesse tentado matá-la. Teve certeza de que não devia deixá-la ir naquele momento, sentimento que parecia antigo e, ao mesmo tempo, estranho.

— Desculpe, Kiara... não precisa falar. Mas por favor, fique. — quando ela arriscou tocar seu ombro, Kiara levantou-se da cama. Procurando por todas as suas roupas, tentava entender por que, só de ouvi-la, sentiu que deveria ficar. Por que sair? Ainda estava segura, ali dentro.

— Tenho que ir.

— Como assim? Acabou de dizer que... — Alina se interrompeu, contendo os próprios ânimos, surpreendentemente entendendo do que Kiara precisava. — Mas por quê tem que ir agora?

— Não vou conseguir dormir. E eu não quero atrapalhar teu sono. Não outra vez.

Alina levantou-se, e Kiara recuou um pouco.

— Kiara, o que houve? Há pouco estávamos falando sobre amanhã... por um acaso arrependeu-se do que fizemos?

— Não, claro que não. Sequer tenho motivos para me arrepender, Dione...

— Então, por quê? — não podia evitar insistir. Só precisava saber se tinha feito algo errado, ainda que soubesse que não. E Kiara não sabia se deveria falar, apesar de querer. — Estás tão diferente, agora. Parece... frágil. — se aproximou, acariciando o rosto de Kiara, um pouco molhado por seu choro recente. Ela negou levemente com a cabeça.

— Eu... — ela suspirou. — Só estou em um dia ruim, muito ruim, e não consigo parar de pensar nisso. Eu sabia que não encontraria nenhum sossego à noite, mas não sabia que encontraria você, então não achei que teria que explicar isso a ninguém... — se interrompeu antes que chorasse.

— Oh, Kiara, perdoe a minha insensibilidade. — num impulso, Alina a abraçou com força. Kiara não se impediu de deitar a cabeça em seu ombro, e ela a confortou, deslizando as mãos em seus cabelos.

Kiara suspirou, sentindo-se, sim, um pouco melhor.

— Obrigada. — disse, respirando fundo. O cheiro de Alina ficaria gravado em sua mente, mais forte, e seu corpo parecia relaxar vagarosamente ao senti-lo. — Mas você não precisa fazer isso. — tentou separar o contato, mas não conseguiu.

— Não preciso, mas eu quero. Não vou deixá-la sozinha, Kiara. Posso cuidar de ti, hoje. — aquilo fez algo acalmar em sua mente. O tom de voz era calmo, cheio de carinho e atenção. Ela sequer se lembrava da última vez que alguém demonstrou tanto carinho por ela. Cuidado. Não imaginava que ouvir aquilo de uma mulher era exatamente do que precisava.

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