Capítulo 1

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" Você sabe muito bem o que foi que você fez!" 
"E o que foi que eu fiz agora?"
"Você pensa que me engana com essa sua carinha de santo?!!"
" Do que é que você está falando agora, sua maluca?!"
" 'Do que é que você está falando' ? Você sabe bem o que você fez!!!"

  Era por volta das 8:10 da manhã. A cortina blackout juntamente com a própria decoração das paredes do meu quarto, causavam a impressão de uma eterna noite naquele cubículo de concreto. Por mais uma manhã seguida eu fui acordado com a mesma discussão de sempre, que constantemente se repetia e perdurava ao longo do dia. Ainda deitado na cama, eu encarava uma prateleira contendo um emaranhado de fios, todos com fones de ouvido meu, quebrados. Dormir de fone nunca era uma boa opção, mas as vezes era a única coisa que acalmava meus nervos juntamente com os remédios que eu tomava escondido. Diziam que o rock era o melhor tipo de música para se ouvir quando estivesse com raiva, e eu concordava completamente com aquilo. Os sons estridentes das guitarras e as fortes batidas da bateria ajudavam a eliminar boa parte dos sentimentos que eu sentia. Pelo menos, até que eu pegasse no sono. Levando minha mão até o fio que ligava ao celular aos meus ouvidos, não me surpreendi quando notei que o mesmo havia se partido de novo. Agora o único ouvido que funcionava, não pegava mais. Suspirei e me sentei na cama, com a mão esquerda no rosto e o cotovelo do respectivo braço, apoiado em minha coxa. A exagerada a qual muitos veem como minha mãe, começava a aumentar o tom de voz de novo. Parecia que ela fazia questão de que todos da cidade soubessem dos problemas de dentro da "minha casa", e é que posso chamar esse inferno de casa. Uma chama de ódio e raiva começou a consumir todo meu ser de maneira rápida e seguiu pelos meus membros até que chegassem na minha mão direita que sem dó nem piedade arrancou o resto do fone do celular e atirou com toda a força que conseguia na parede.

- ARGH!!! QUE SACO!!! - resmunguei, me levantando da cama. 

 Caminhei em direção ao banheiro da suíte e como sempre, ao entrar, bati a porta e tive o desprazer de encarar o meu reflexo em mais uma manhã. Desde que a situação aqui em casa havia se agravado, eu já não me reconhecia mais fisicamente. Estava demasiadamente magro, pálido, talvez devido a desnutrição e com olheiras que pareciam aumentar a cada dia que passava. As discussões sempre eram do mesmo jeito com aquela repetição das malditas palavras: "você sabe o que fez!". Eu nem sei mais o que acontece nessa casa, não entendo mais aqueles que um dia chamei de pais. Apenas vejo como dois animais que se enfrentam interminavelmente noite após dia! Eu não me importava mais com nada da vida pessoal de ambos ou do que estava acontecendo, eu apenas sabia que seja lá quem fosse o culpado, quem estava pagando caro era eu e meu reflexo era a melhor prova disso.

  Não demorou muito para perceber que toda a confusão no térreo da casa havia cessado. Mas ainda continuava sem sair do banheiro. Sentado na tampa da privada, eu encarava a pequena janelinha que deixava passar um vento frio com alguns pequenos flocos de neve. Minhas extremidades gelavam com o frio, mas eu ignorava por completo. Não havia nada que me causasse mais dor do que minha própria família.

   Por volta de uma hora depois eu resolvi sair finalmente do banheiro, mas desta vez, já tomado banho. Fui até minha gaveta de roupas e peguei as primeiras blusas que vi pela frente, afinal, tinha adquirido o costume de usar uma blusa por cima da outra durante essa época de inverno. A primeira que puxei, era totalmente preta, com mangas que chegavam até a metade do braço e a outra, era uma camisa azul escura com mangas curtas a qual "carinhosamente" quis deixar minha marca nela: uma caveira deformada que se derretia. Qualquer cueca e calça serviam para mim. Por mais que minhas roupas não variam muito dos tons escuros, de qualquer modo eu não me importava muito com o que iria vestir nem com a opinião das pessoas referente ao meu visual. Devido a perda de peso, eu precisava agora usar cinto nas minhas calças e como minha mesada praticamente estava zerada, eu não tinha condições de comprar uma calça nova. Antes que pudesse sair do quarto, puxei da alça da cabeceira o meu velho cachecol. Assim que abri a porta do quarto, fui novamente bombardeado pelo sentimento melancólico que rondava por toda casa. A atmosfera sufocante me fazia agonizar internamente e corroer minha alma, juntamente com os vários sentimentos ruins que eu, infelizmente, sentia. Mais uma vez acabei por ouvir minha mãe chorando no quarto dela, como de costume, ela continuava a inventar mentiras a respeito do meu pai, por propósitos que nunca entendi e que espero nunca descobrir. Porém a dualidade entre saber que eram lágrimas de verdade e saber que havia falsidade por trás de tudo fazia meu cérebro querer entrar em colapso! Fui até a cozinha e preparei qualquer coisa apenas para colocar na barriga. Fiz um simples sanduíche e comecei a comê-lo lentamente, em pé, escorado no balcão.  Nem mesmo meu corpo se entendia com ele mesmo. Tudo que eu comia, parecia sem gosto. Minha boca remoia de um lado para outro, procrastinava e enrolava e na hora de deglutir o alimento, parecia que eu estava engolindo um espinho, que arranhava duramente toda minha garganta. Eu raramente sentia fome, talvez pelo leve efeito entorpecente que os antidepressivos traziam para meu organismo, mas eu sabia que se não colocasse nada para dentro, eu poderia desmaiar de fraqueza e ir parar num hospital e ouvir mais reclamações de minha mãe só por que não comi nada, seria a mesma coisa que pedir para que me matassem. 

  Assim que havia terminado de comer, caminhei em direção de volta ao meu quarto. Praticamente passava todos os dias trancado nele, e muitas vezes me debruçava na janela, observando as pessoas passando pela rua e internamente me questionando o por que a vida de todos parecia sempre melhor que a minha. O que eu não esperava era que esse ciclo tediosamente monótono estava mais perto de se quebrar do que eu imaginava. Não demorou muitos dias até que eu soubesse da notícia do divórcio dos meus pais e tal informação havia me quebrado por dentro. Mesmo que não parecesse, eu ainda acreditava que algum dia as coisas poderiam se ajeitar na minha casa e poderíamos ser felizes como uma família "normal", porém, a confirmação daquilo acabou por destruir qualquer chama de esperança que ainda restava no meu peito. E junto a isso, levou consigo toda minha vontade de me manter naquele lugar. No dia em que ambos haviam saído para oficializar a papelada, eu também havia decidido sair de casa, mas dessa vez, para nunca mais voltar. Levando comigo apenas as roupas que tinha no corpo e alguns restos de trocados que ainda me restara. Eu não estava a fim de manter nada comigo que me lembrasse daquele lugar. Em meio a mais uma manhã cinzenta, eu caminhava pelas ruas cobertas de neve, sem rumo, ou objetivo. Qualquer coisa seria melhor do que lá. Por um tempo, cheguei a imaginar como seria a reação deles ao descobrir sobre minha fuga. Mas, depois as tortuosas memórias me fizeram voltar a tona, apagando de vez qualquer sentimento que eu alguma vez já senti por eles. Um bilhete, seria tudo o que eles teriam de mim agora, como um lembrete, de toda dor que eles causaram a mim.

   "Eh, eu sei bem o que eu fiz. Eu nasci! Mas não se preocupem, não vai precisar mais ter que lidar comigo. Agora que a separação foi feita, não tenho mais motivos para continuar aqui. Não queriam seguir suas vidas um sem o outro? Pois bem, que sigam! Mas agora sem mim também nelas! Não precisam me procurar, a partir do momento que assinaram o acordo, vocês me tornaram órfão de pais, e agora, oficialmente lhes digo, que vocês não tem mais um filho." - Edgar 

Brawl Stars - Em Busca Pela Luz (Edgar Origem)Onde histórias criam vida. Descubra agora