O final da tarde acabava e já começava a se notar sinais de que a noite estava começando. Os postes se acendiam gradativamente e o céu nublado tomava a cada instante uma cor mais escura. Flocos de neve silenciosos caiam e dançavam com o vento que soprava. Por muitas vezes notei alguns olhares na minha direção mas ignorei completamente. Havia feito algumas pausas durante todo o dia e comprado um refri em uma daquelas máquinas automáticas. Aquela tinha sido minha única "refeição" que havia sido feita desde que eu havia acordado. Mas mesmo assim, eu ainda não conseguia sentir fome. Havia alguma coisa dentro do meu peito que me forçava a continuar indiferente a tudo que estava ao meu redor. Mesmo se não tivesse comprado aquela latinha, meu dinheiro ainda não seria o bastante para me hospedar em alguma pousada ou qualquer coisa do tipo. Onde eu iria passar a noite era um problema, o tempo esfriava a cada segundo, mas mesmo assim, era muito bom poder ouvir as vozes de qualquer outra pessoa, sem ser a daqueles dois.
Com a cabeça abaixada, apenas observava meus pés afundando parcialmente na camada que cobria o chão. Mas só depois que trombei com as costas de uma pessoa, retirei minha atenção dos meus pensamentos e voltei para a vida real. O homem era moreno, tinha cabelo curto meio azulado e possuía costeletas. Usava uma camisa branca com mangas curtas e um colete azul escuro por cima, juntamente com uma calça jeans e um tênis preto com branco e ainda usava um óculos de sol, mesmo estando praticamente a noite. Juntamente a ele havia um corvo antropomórfico, que usava jaqueta de motoqueiro da mesma cor que o colete do outro, com uma calça carmesim escura e botas pretas. Apenas revirei os olhos e sem dizer uma palavra, continuei a andar como se nada tivesse acontecido, tinha acabado de passar por eles até que senti uma mão segurando meu cachecol e me puxando para trás.
- Ei moleque! Onde estão os seus modus?! Acha mesmo que pode esbarrar em mim e sair andando como se nada tivesse acontecido? - O moreno do óculos de sol falou.
- Solte meu cachecol! - Exigi, ainda sem me virar para eles.
- Olha só, o pirralho ainda tem a ousadia de levantar a voz para nós! - o mesmo de antes falou.
- Com certeza ele não tem ideia de com quem está mexendo!
- Não dou a mínima para quem vocês são ou deixaram de ser! Agora, largue meu cachecol! Se não…
- Vamos ensinar uma lição a ele para que nunca mais se meta com a gente! - O corvo disse, já me chutando na barriga, me empurrando para dentro do beco em que estávamos na frente.
Por causa do chute, meu cachecol havia sido arrancado do meu pescoço e ficou sendo segurado pelo punho fechado do homem mais alto. Minha barriga doía, mas ignorei completamente, como sempre. Assim que soltou meu cachecol no chão, os dois vieram simultaneamente para cima de mim. Eu tentava os esmurrar e os chutar, mas parecia tudo em vão. Os golpes eram rápidos e constantes, parecia até que faziam aquilo há anos! Um punho fechado com toda força veio em direção ao meu rosto, acertando minha bochecha esquerda e me jogando para o chão com toda força. Mesmo batendo minha cabeça na neve macia, ainda senti o impacto da rígida calçada no meu crânio. Meu corpo por um momento parecia que havia levado um choque por completo e eu não conseguia mais atacá-los, apenas me encolher tentando me defender dos golpes que eram transferidos pelos dois, que só pararam quando ouviram passos se aproximando do beco.- Acho… que isso já está bom por hoje. - o corvo sorriu, ajeitando a jaqueta e recuperando um pouco o fôlego. O companheiro dele suspirou e sorriu, vitorioso.
- Vamos embora, não quero perder tempo com um moleque de rua desses
- Pelo menos agora ele entendeu o que acontece com aqueles que mexem com o Corvo e o Brock! - Ambos riram e se afastaram até que sumiram da minha vista.
Eu estava ofegante no chão, sentia praticamente todo meu corpo doer simultaneamente. E como um reflexo de minha maldita memória, lembrei-me de mais uma das horríveis coisas que havia escutado da minha mãe.
" Você está vendo isso? Essa peste nem consegue se defender! Crianças mais novas que ele conseguiram o espancar de novo! Nem para se defender essa criatura serve!"
- T-Tem razão… n-nem para isso… eu sirvo…
Flocos gélidos caiam no meu rosto e derretiam ao tocar na minha pele. Minha face aos poucos ficava dormente devido ao frio, sendo uma lágrima quente que escorria pelo meu olho esquerdo, a única coisa que foi capaz de temporariamente esquentá-lo.
Demorei alguns minutos para que conseguisse ter forças o bastante para me levantar de novo. Mas do jeito que meu corpo doía, eu sabia que não conseguiria ir muito longe. Fui até meu cachecol que estava no chão, quase voando por conta do vento, limpei parcialmente ele e o envolvi em volta do meu pescoço. Dei alguns passos o bastante apenas para sair do beco, mas minhas pernas cederam e eu acabei caindo sentado. Estava cansado, sentia meu corpo fraco e não tinha condições de me levantar, inclinei meu corpo para a direita e me escorei em uma lata de lixo e ali, fiquei.
Desde o momento em que eu tinha chegado ali, não havia visto mais nenhuma pessoa andando por aquele deserto gelado. Assim que a tempestade começou a aumentar sua intensidade, eu compreendi a falta de "vida" naquela rua. Fechando meus olhos, me encolhi o máximo que pude, para tentar me aquecer. Eu não sabia mais se meu corpo tremia por causa da dor dos ferimentos ou pelo frio. Achava que ali mesmo seria o fim da minha patética vida, mas, parecia que agora, havia sido a vez de alguém esbarrar em mim, ou melhor dizendo, tropeçar no meu pé. Eu não ligava para quem era, ou que eu tinha feito, apenas continuei com a minha cabeça entre as pernas, pronto para receber um esporro verbal de alguém ou uma surra como antes.
- A-ah! Mas o que é que… espera aí, um garoto? Ei! Menino! Você está bem? - Era óbvio que eu não estava! Será que ele era cego?! Mesmo que tivesse uma voz de um certo tom amigável, eu não me importava com o que ele fosse pensar de mim.
- M-Me d-deixa e-em p-paz! - gaguejei, por conta do frio. A pessoa ficou de joelhos próximo a mim e colocou a mão no meu ombro.
- O que faz aqui sozinho em meio uma tempestade de neve dessas? Você pode… - antes que ele fosse dizer algo, eu o empurrei para longe, gritando.
- JÁ FALEI PARA CAIR FORA!!! - No momento em que fiz isso, ele reparou meus machucados no rosto e no corpo. Notou que alguns deles até sangravam, como eu também finalmente vi quem é que estava com "pena" de mim. Era uma espécie de esqueleto amarelo, usava um sombrero e roupas de mariachi e em suas costas havia uma capa que continha um violão dentro.
- Não posso te deixar aqui sozinho, garoto. Onde fica sua casa?
- Eu… não tenho mais casa. - Falei, evitando olhar ele nos olhos.
- Céus!.. - Ele parou um tempo pensando sobre o que faria.
- Eu já disse para ca… - fui interrompido com ele, estendendo a mão para mim, com um sorriso no rosto falando.
- Você... quer vir comigo, garoto? - parei um pouco, sem entender. - Eu estou voltando para casa agora, você quer vir comigo também?
Eu estava sem entender, por mais que a aparência dele talvez fosse capaz de assustar alguns, ele não parecia querer me fazer mal, com os caras de antes. Além do mais, eu sabia que se ficasse ali, ainda mais pela minha situação, provavelmente seria a última noite da minha vida. Resistir ao impulso de querer desistir de tudo era uma das coisas mais difíceis de lidar. Enquanto uma parte de mim no fundo suplicava para que toda aquela dor que eu sentia acabasse, ainda havia uma parte que tinha esperança em alguma coisa boa finalmente acontecer na minha vida. Internamente eu me questionava sobre qual atitude eu deveria tomar mediante aquilo, mas até meu lado pessimista comentou para mim dizendo "não tem como ficar pior do que já estava." Afinal, se ele não se importasse comigo, bastava apenas passar direto por mim e me ignorar completamente naquele canto. Com os olhos levados ao chão, coloquei minha mão sobre a palma esquelética dele que a segurou.- Bom! Então, deixe-me ajudá-lo a se levantar. - Assim que ele me levantou, ele passou meu braço direito pelo pescoço dele e colocou o seu braço esquerdo debaixo da minha axila esquerda.- Eu sou o Poco! E você? Como se chama?
- Edgar…
- Bom, Edgar, prazer em conhecê-lo! Não precisa se preocupar, minha casa não é muito longe daqui. Chegaremos lá em instantes! - Ele falou e eu apenas concordei, ainda mantendo uma expressão séria e um tanto… vazia.
Ele não teve pressa e me acompanhou enquanto mancava. Durante todo o caminho, ele começou a tentar puxar assunto comigo, sempre mantendo o bom humor. Eu falava apenas o mínimo que era necessário para manter a conversa, mas no fundo, sentia que estava criando ali, meu primeiro laço de amizade que eu não tinha a muito tempo.
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Brawl Stars - Em Busca Pela Luz (Edgar Origem)
FanfictionPor que tudo tinha que ser sempre tão difícil para ele? Se ele tinha alguma memória de algum bom momento de sua vida, com certeza ela já teria sido apagada pelo tempo. A mágoa e os sentimentos ruins estavam o corroendo por dentro e ele não sabia se...