TRÊS

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Seu peito descoberto não apresenta falhas, marcas profundas ou rasas, arranhões existenciais são os únicos que ultrapassam suas crenças desuniformes embalando o físico em poucos toques.

Me ponho de pé sob o escorregador ao saber de seu olhar caindo da janela aberta, entediado, direcionando um suspiro pesado a mim, e me sinto feliz ao saber que também existo — mesmo que insignificante — dentro do seu universo particular além de apenas deixar com que guie minha cintura enquanto cantarola suas composições mais melancólicas.

— Qual foi a última que roubou?

— Não sei do que fala.

Hoje é uma noite arrefecida por suas expressões indecifráveis, mas sei que não me convidaria para entrar em seu coração e restaurá-lo com as estrelas que bordei com lágrimas da lua pedindo socorro por seu protegido destruído, desfeito em pedaços.

— Sabes que levaste de mim meteoros e poeira estelar...

— Estes posso lhe devolver caso queira de volta.

Ele deixa a janela aberta, seu sorriso transborda uma paleta tão triste que duvido por um momento que o pingo de chuva que cai no topo de minha cabeça venha dos olhos azuis da lua brilhando fraca. E o que vejo sair voando é uma dobradura desorganizada, artística, abrigando um rascunho de rabiscos muito mais profundos que o espaço sideral, casa do resto da humanidade. Porque ele tem o seu próprio, e sinto que estou a ponto de compor parte deste mundo fantástico ao reconhecer-me no branco tingido de roxo-amora na folha desdobrada.

se a lua chorasse, nos afogaríamos | nctOnde histórias criam vida. Descubra agora