6 • there you are

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❝ Somos as coisas que moram dentro de nós.

Rubem Alves

Bonnie Carter

Assim que acordo, vejo Ashton esparramado do outro lado da cama, dormindo um sono tranquilo. A luz fraca que entra por uma fresta da cortina denuncia que já amanheceu. Hoje é domingo e, apesar de eu ter uma série de coisas da faculdade pra fazer, é o meu dia favorito da semana por que é quando eu consigo praticar o hobbie que me fez escolher a minha profissão: revelar fotos. Levanto devagar, calço as pantufas e como já estava tão acostumada com a presença do Ashton aqui que nem me ocupo de acordá-lo. Então, caminho até a cozinha pra pegar um café antes de ir finalmente até o meu cômodo favorito da casa.

É nele que eu revelo as memórias e momentos mais importantes que eu capturei ao longo da semana porque achava que mereciam o registro, algo que eu queria guardar pra sempre comigo.

Revelar fotos é uma grande paixão que começou por causa da minha mãe. Ela sempre gostou de fazer as coisas ela mesma, dizia que revelar fotos é o momento mais íntimo que um fotógrafo pode ter com o seu trabalho. Precisa ser bem feito, estar sob a meia luz vermelha e ter paciência para que as risadas e os sorrisos apareçam naturalmente, no seu próprio tempo.

Ela trabalhou um bom tempo como fotógrafa, então éramos sempre nós duas e uma câmera, envolvida em qualquer coisa que estivéssemos fazendo. Foi ela quem me ensinou a revelar fotos, quem me ajudou a construir o significado que a fotografia tem na minha vida e essa foi a única coisa que me sobrou dela.

Isso é uma das únicas coisas que não se perdeu com o fim do meu antigo relacionamento, que quase me destruiu. Sei que a gente precisa superar as coisas para a vida poder andar e, hoje, pra mim isso é uma página virada, mas eu sei que nunca vou esquecer o quanto isso me machucou e influenciou na minha vida. Tantas coisas mudaram, inclusive eu mesma.

Abro a porta e, como estou um pouco distraída, quase derrubo um dos varais que está próximo a ela, juntamente com o meu café que balança na xícara, mas não cai nenhuma gota por sorte. Assim que encosto a porta e sou engolida pela luz vermelha.

Sei que existem câmeras digitais atualmente, mas eu nunca vou perder o costume de usar a minha analógica, por que não sou capaz de abrir mão desse processo que me traz tanta paz.

Coloco a xícara de café em cima da bancada, pego minha câmera, retiro dela o filme que usei naqueles últimos dias e dou início ao processo, etapa por etapa. Entre um gole de café e outro, vou pendurando minhas futuras fotos em um dos varais e lentamente as minhas memórias vão aparecendo no papel filme. Enquanto isso, dou uma olhada nas fotos que já estão prontas: uma criança brincando em um jardim, um carro verde parado na frente de um prédio, um casal se beijando no banco da praça da faculdade. Perco a noção do tempo ali.

Quando termino, tento ser cuidadosa ao sair para não expor minha fotos à luz da manhã que entra pelo vão da porta assim que eu a abro, com medo que isso atrapalhe uma parte do processo. Trago a xícara e a câmera comigo, já equipando ela com mais um filme de 20 poses, pronto para a próxima aventura. Assim que chego no corredor, que liga quase todos os cômodos do meu apartamento, escuto um barulho de louça na cozinha e caminho devagar até lá, Ashton com certeza já estava de pé.

Sem fazer barulho, coloco a xícara que está em minhas mãos na bancada e me encosto no batente da porta, observando com atenção ele se servir um pouco de café ao lado da mesa. Isso me faz ter vontade de tirar uma foto dele, espontânea e despercebida, aproveitando que já estou com a câmera nas mãos.

queen of the night | afiOnde histórias criam vida. Descubra agora