Capítulo 1

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Ao entrar na biblioteca do castelo retiro meus sapatos, não sei o porquê, mas gosto de sentir o tapete vermelho quente e macio nos meus pés. Fecho meus olhos e respiro fundo. Ando por um tempo pela biblioteca, passando corredor por corredor de prateleiras, procurando pelo próximo livro que lerei. Subo até o segundo andar, com o barulho dos meus pés descalços contra a madeira se destacando no silêncio absoluto do cômodo, ando por mais uma dúzia de prateleiras, todas com títulos que já havia lido ou que apenas não me interessavam. 

Quando uma ideia finalmente me vem à cabeça, olho ao meu redor para me certificar estar sozinha, um sentimento impaciente e uma sensação boa da furtividade me invade , ando cuidadosamente até uma prateleira separada das outras em um canto isolado, onde a maioria dos livros possuem trancas e são proibidos, sempre tive uma curiosidade por esses exemplares, o porquê de terem chaves, quais informações são tão importantes ou perigosas ao ponto de privarem sua leitura? Olho seus títulos, um mais intrigante do que o outro, passando a ponta dos dedos por suas lombadas, nunca tive coragem de tocar neles, pois meu pai sempre disse que era perigoso. Livros de uma forma geral são perigosos, mas esses… esses tinham algo pior. Deixo um pequeno sorriso surgir, percebendo que nada de especial acontece ao tocá-los.

Porém, quando meus dedos passam pelo último livro da estante, as letras do seu título brilham em um tom azul elétrico e uma onda de magia saí dele, percorrendo todo meu corpo deixando arrepios e uma sensação fria, retiro rapidamente minha mão dele, assustada e liberando a respiração, que nem percebi que havia prendido encarando-o por um tempo, inclino a cabeça para ler seu título as palavras em azul eram Os guardiões das estações, um nome bem comum para um livro proibido, isso desperta uma curiosidade ainda maior em mim, pego um lenço no bolso do meu vestido e uso para tirar o livro da prateleira, dessa vez, não senti a magia, mas ouço um sussurro, uma voz feminina ecoando pela biblioteca vazia.

“Hillary Flowerfell, herdeira de Sperwood, detentora dos poderes da primavera, você veio até mim 

.”

“Hillary, abra o cadeado, leia o livro!”

Olho para sua capa onde as letras ainda brilhavam, a pequena tranca prata do cadeado já estava aberta, era apenas começar a ler. Mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, a porta da biblioteca se abre, ainda um pouco perplexa coloco rapidamente o livro em seu lugar, e vou até o andar de baixo da biblioteca onde me deparo com um guarda, já tinha o visto algumas vezes patrulhando os corredores do palácio, ele estava com o rosto sério, e após uma sutil reverência disse:

Alteza, o rei deseja vê-la no salão de reuniões, imediatamente.

    Levanto uma sobrancelha, pensando por um momento, meu pai não tem o costume de mandar guardas para me chamar, muito menos em algo imediato, ele é do tipo de pessoa que gosta de fazer as coisas com as próprias mãos. Nesse caso, era óbvio que o assunto era muito sério, então rapidamente calcei meus sapatos e enquanto passava numa velocidade acima do normal pelos corredores do castelo, um turbilhão de ideias e possibilidades encheram minha mente, entre elas, a morte de alguém importante, um grande problema na economia do reino ou a nossa guerra iminente. 

Meu coração batia loucamente no meu peito e minha respiração estava pesada quando finalmente chego nas grandes e pesadas portas de madeira do salão de reuniões. Paro e respiro fundo antes de entrar e ajeito meu vestido e meu cabelo, tentando parecer o mais séria o possível. O guarda, que esteve comigo durante o caminho, abre as portas e anuncia minha presença.

    Instintivamente olhei para a comprida mesa de madeira e a cadeira na sua cabeceira onde meu pai estava sentado, seus cabelos castanhos com fios brancos perfeitamente arrumados, a coroa dourada refletindo a luz do cômodo e um manto vermelho sobre os ombros, seus olhos verdes eram ilegíveis. Em seguida, olho para minha mãe sentada ao seu lado, com os cabelos dourados idênticos aos meus, ela parecia insegura com algo. Caminho até ficar frente a frente com meus pais. 

- Sente-se Hillary. - A voz grave de meu pai soa mais como uma ordem do que uma sugestão, com isso me sento na cadeira que ele apontava, de frente para a minha mãe.

- O que houve pai? O senhor me chamou de imediato. - Minha voz saiu mais insegura do que gostaria, após um suspiro, ele continua.

- Você sabe que Falmore começou a invadir a parte norte das terras de Scarfall, como de costume, o rei do inverno irá contra atacar e declarar guerra. Isso será o começo do que já prevíamos, um conflito entre os quatro reinos, infelizmente a história se repete - suspira ele genuinamente triste com a situação. Falmore já se aliou com Riojen.

Sim, eu conhecia bem esse problema, o rei do outono acreditava ser injusto o inverno possuir uma das maiores extensões de terras. Por isso resolveu expandir Falmore invadindo as terras do inverno. Com esses conflitos, estou proibida de ver minha melhor, e possivelmente única, amiga, Mia Sunshine, a princesa de Riojen. 

Sem esperar comentários, meu pai continuou seu discurso, que ouvi pacientemente:

- Precisamos nos juntar a um dos lados e com certeza será o de Scarfall, porque assim como eles também possuímos a maior extensão de terras. Por isso, estivemos discutindo com os conselheiros do rei do inverno sobre possíveis acordos e chegamos a uma conclusão.

- Certo... que tipo de acordo?- perguntei enquanto franzia o cenho, meus pais tinham o costume de sempre que possível, alcançar seus objetivos por meio de acordos, mas eles raramente falavam sobre esse assunto comigo, deixando essas coisas burocráticas com meu irmão, Willian.

- Do tipo que trará benefícios para ambos. - Meu pai se levantou da cadeira, andando pelo salão e gesticulando com as mãos de forma confiante enquanto falava - O reino do inverno possui os melhores e mais bem treinados soldados, além de excepcionais armas de combate, por isso são muito valiosos, porém suas plantações são frágeis e sua comida escassa pelo clima, algo que não é problema para nós. 

Então ele voltou para sua cadeira e me olhou por um momento e depois para minha mãe, que falou pela primeira vez na conversa, com uma típica voz doce e compreensiva:

- Não queríamos oficializar sem seu consentimento, mas nossa ideia é arranjar um casamento, que firmará nossa aliança com Scarfall - Nesse momento, eu sabia exatamente aonde essa conversa chegaria - Um casamento entre você e o rei de Scarfall, Alexander Wintry. Vocês têm idades próximas o que torna tudo ainda mais fácil.

Minha mãe diz isso com um olhar preocupado, ela sabia que eu odiaria essa ideia, e eu realmente odeio.

- Sei que você tem o sonho de aprender a lutar, por isso essa é uma ótima oportunidade, você estará no reino das batalhas, será a rainha deles! - Afirma animadamente ela, tocando no meu braço de uma forma afetuosa.

Encaro eles por um momento e a baixo meu rosto, o fato era que perderíamos se entrássemos em conflito contra Scarfall mais os reinos que querem nossas terras. Não tínhamos soldados e armas fortes o bastante, então uma batalha iria deixar nosso reino em cinzas. Se eu fosse para o reino invernal poderia seguir meu sonho, por mais que fosse controverso o fato de querer lutar por liberdade e me submeter a algo que custasse a mesma. 

Meu coração já estava disparado novamente e minha mente era como uma névoa, embaçada. Sempre soube da possibilidade de meu casamento ser arranjado e já havia me conformado com isso, mas era muito pior quando nem ao menos ficaria no meu reino ou conhecia a pessoa . Porém não posso abandonar meu reino, eles precisam de mim e a guerra não será deixada de lado tão facilmente.

- Hillary - chama minha mãe enquanto  se aproxima de mim e levanta delicadamente o meu queixo, dizendo com uma voz doce, que me lembra a infância- você tem até amanhã para decidir…

- Eu aceito - respondo com uma voz firme, olhando para meus pais - Vou fazer isso pelo reino.

- Então mandaremos uma carta para Scarfall imediatamente para definirmos os detalhes.

Forço um pequeno sorriso, que se desfaz assim que passo pelas portas do salão, tenho que fazer isso pelo reino,era o que eu repetia para mim mesma, enquanto voltava para meus aposentos.

A coroa perdida de BraylandOnde histórias criam vida. Descubra agora