"– Seja como for – disse o Espantalho –,
vou pedir um cérebro em vez de um coração;
porque um tonto, mesmo tendo coração,
não sabe o que fazer com ele."
(O Mágico de Oz, L. Frank Baum)
Os Davis viviam com problemas financeiros, quando Landon e eu tínhamos sete anos e eles vieram morar conosco, eu sempre ouvia algumas discussões. Acontece que, o senhor Davis era um artista em decadência e a esposa não suportava mais lidar com a falta de dinheiro. No momento em que isso acontecia, eu ia até o filho deles e o abraçava bem forte. Ele parecia odiar os meus abraços e se desvencilhava, mas aos poucos, começou a ceder.
Até que um dia, ele mesmo veio até a mim e decidiu ser meu amigo. Escondido, quase sempre dormia no meu quarto, até mesmo quando se mudou para a casa na vizinhança. Landon pulava a janela, sempre com seu caderno de desenhos em mãos e deitava ao meu lado.
Na adolescência, ele afirmava que iria embora de Bell Buckle comigo, na verdade, a maioria das pessoas da nossa idade pensavam o mesmo. Mas com a gente não era apenas um vislumbre momentâneo acarretado pelos hormônios, Landon e eu tínhamos aquele espírito livre, aventureiro e sonhador. Eu sempre soube que um dia deixaríamos nossas cores por todos os lugares. Para nós, o sonho nova-iorquino era só o começo.
A forma com que ele desenhava era mais realista e, em sua particularidade, ele sempre desenhava em preto e branco. Porque bom, ele enxergava o mundo de uma maneira diferente. Não falo de uma forma poética, mas sua visão era diferenciada. Landon tinha um dos tipos mais raros de daltonismo, conhecido como tritanopia, ele não conseguia distinguir as cores azul e amarelo. Por isso, cores como laranja ele não enxergava. Ele não perdeu a visão total do azul, o azul simplesmente ficava em um tom diferente. Já o amarelo para ele era como um rosa-claro.
Eu sempre dizia "olha pelo lado bom, pelo menos você não enxerga o mundo em preto e branco". E ele ficava muito bravo. Porque, para ele, não era bom, era algo que o deixava confuso muitas vezes. Principalmente quando alguém o forçava a dizer "que cor é essa, Landon?". Ou quando ele precisou aprender os sinais de trânsito, ou quando ele apenas queria escolher uma bendita fruta.
Apesar de enxergar algumas cores e ver o mundo da sua maneira, ele tinha uma grande aversão a cores chamativas, para o Landon tudo era preto ou branco. Como seus desenhos e suas roupas, ordinariamente sempre estava com o mesmo tom.
Mesmo assim, ele sempre tinha várias cores de lápis para compartilhar comigo. Em contrapartida, todos os meus desenhos eram uma explosão de cores, era difícil saber para onde olhar primeiro.
E agora, olhando o meu amigo pela primeira vez, ao vivo e a cores, cinco anos depois que ele partiu, eu nem sei no que reparar primeiro. Não sei como ele aceitou vir depois da minha ligação desesperada onde só eu falava e contava toda a minha desgraça, reivindiquei o meu orgulho e pedi sua ajuda.
Eu estava sozinha parada no ponto de ônibus com a minha bicicleta encostada do lado e segurando duas malas, quando um carro parou e eu pensei que seria sequestrada. Estava pronta para pegar o spray de pimenta na mochila, mas parei. O choque de ter visto que o cara que estava saindo do banco do motorista era o meu ex-melhor amigo, me fez virar uma estátua.
Era ele. Landon Davis. O cara que me odiava. O cara que me esqueceu. O cara que me tirou as cores. Desde que ele foi embora, tudo parecia que estava em preto e branco. E como eu odiava e me sufocava com a falta que ele me fez.
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As Cores que Perdemos
RomanceLandon e Callie eram amigos inseparáveis. A amizade se iniciou na infância e perdurou durante toda a adolescência. Até o dia em que algo aconteceu e Landon Davis partiu da sua cidade natal e passou a odiar Callie Heart. Anos depois, morando na mes...