Heat

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Por cima do vento assobiando em meus ouvidos, escutei o grito elétrico ecoando na imensidão ao meu redor e sorri.

Olhei para o lado uma fração de segundo, vendo as enormes asas negras de Banguela cortando a brisa, planando no ar de maneira impecável como apenas um ser que nasceu para aquilo poderia fazer. Mas a hilária expressão de tédio em seu rosto escamoso me fez rir. Ele virou a cabeça para mim e pude jurar tê-lo visto revirando os olhos verdes tão parecidos com os de Soluço.

E, por falar nele...

Olhei para baixo, para o pontinho marrom a alguns metros de nós que era Soluço. Estava com seu traje de voo, uma roupa amarronzada que ligava os braços e as pernas com um tipo de membrana que lembrava as asas de um dragão. Era algo em que ele vinha trabalhando há meses sem fim, determinado a encontrar uma forma de conseguir planar sozinho para não precisar depender tanto de Banguela e poder se salvar caso algo inesperado acontecesse.

Nós já havíamos discutido bastante por conta daquela sua ideia mirabolante. Não que realmente não fosse incrivelmente inovadora e sensata, tendo em vista que perdera parte da perna esquerda em um acidente, mas sim porque a fase de testes poderia colocar em risco sua vida; mesmo que eu e Banguela jamais fôssemos deixar que algo de ruim acontecesse à ele.

Muitas versões anteriores deram errado, mas parecia que ele finalmente tinha feito algo certo; seus gritos eufóricos e animados eram a prova disso. Se fosse sincero comigo mesmo, eu estava feliz por ele. Simplesmente adorava cada nova invenção de Soluço, porque só mostravam como ele era alguém inteligente e criativo. Além de, é claro, ser linda a forma em que ele se empolgava com cada projeto, como ficava com um sorriso animado permanente no rosto e um brilho mais vívido nos olhos esmeraldas.

Observei-o fazer algumas piruetas e manobras ousadas que me deixaram levemente nervoso. Voando com o vento, usando meus poderes, acompanhava de perto cada movimento que ele fazia no ar, pronto para apanhá-lo se caísse. Mas até agora ele estava indo bem, e eu estava satisfeito apenas de ver sua empolgação.

Quando ele se deu por satisfeito, montou de volta em Banguela e voamos para Berk. Assim que pisamos na rústica aldeia Viking, contudo, Banguela desapareceu de vista. Eu arqueei a sobrancelha, imaginando onde raios aquele dragão bobo estava indo, mas por fim decidi que não poderia ficar quebrando a cabeça com as peculiaridades de Banguela.

— Ahh, finalmente deu certo! — Soluço urrou radiante quando entramos em sua casa, e eu tinha um sorriso permanente no rosto e um calor no coração ao vê-lo tão vivo. — Eu te disse, Jack, que uma hora ou outra eu iria conseguir acertar no traje. Eu disse, não disse?

— Sim, sim, você disse. Mas eu poderia jurar que essa “uma hora ou outra” seria apenas quando eu já estivesse velho e barbudo.

Ele retirou o capacete de metal e olhou para mim com confusão brilhando nos bonitos olhos verdes.

— Mas você é imortal... — ele deixou a voz morrer enquanto eu sorria abertamente, vendo a compreensão finalmente chegando até seu rosto. Então riu, se aproximando de mim. — Você se acha muito espertinho, não é, Jackie?

Poderiam haver muitas razões para o arrepio que cruzou meu corpo naquele instante. Talvez tenha sido por suas mãos terem se agarrado firme e possessivamente em minha cintura. Talvez tenha sido pela proximidade de seus olhos flamejantes, do rosto corado pelo vento. Ou talvez ainda tenha sido pelo tom rouco e sensual que havia pronunciado o apelido que ele tinha me dado quando nos conhecemos, tanto tempo atrás, mas que agora parecia ter um novo significado.

— Eu não me acho esperto, Sol — pronunciei, minha voz pouco mais de um sussurro. Nós estávamos sorrindo um para o outro. — Eu sou.

Sweater WeatherOnde histórias criam vida. Descubra agora