Reflexões de uma noite só

16 0 0
                                    

Estou só
Só eu
Eu, e só
com meus sentimentos, pensamentos e utopias
minhas paranoias, convicções e crenças a serem quebradas

Será mesmo que essa onda é parte de mim, ou eu consigo partir dela?
Esse aperto no peito, o nó na garganta
serão sempre presentes?
Pressinto que sim, esperando que não
mas quem sabe?

O amor é mesmo uma ferida que dói, mas não se sente?
Ou é uma daquelas picadinhas de mosquito que não doem, mas importunam?
Estou só
mas há algo em mim que ansiava por não estar
Eu, só(,) me sinto vagando no grande nada
relembrando tudo que poderia ter sido e não foi
todos os nós que poderia ser mas que se desataram em minhas mãos

E eu não deveria bastar?
Apenas deixar-me transbordar, sem nada faltar
Falta-me o meu amor?
Ou o que me falta é entretenimento?
Será que o tédio me corrompeu ao ponto de precisar de outrem para me fazer feliz?
A paranoia me estragou ao ponto de não querer outrem para me deixar infeliz?
O trem descarrilhado dos meus pensamentos se choca com o muro que construí em torno dos meus sentimentos, e quase os entorno de meus olhos

Eu, só, aqui
com milhares de perguntas para as quais apenas eu tenho as respostas
com receio de não encontrar a tempo a chave do cofre onde as guardo
Eu, só(,) não quero ferir ninguém
e muito menos que me fira outrem

A grande verdade, eu ainda não sei dizer
A virtuosa moral, o belo desfecho
não cheguei lá para saber
e, sonhos à parte, é para isso que preciso viver
Só, ou não,
sol, ou tufão,
a dura verdade é que as respostas só se revelam no fim
Nesse livro, não posso pular para o final
feliz/mente ou infeliz/mente, as coisas não funcionam assim
O fim, enfim, não se apressa
A fim de prender seus leitores até o final
o autor, seja quem for, não permite a resolução até que ele ponha um ponto final
O caríssimo leitor, se assim desejar, pode parar a leitura
mas paga o caro preço de ficar na eterna dúvida
O protagonista conseguiu descobrir o grande enigma?
Encontrou seu grande amor?
Mas e se, afinal, encontrou mais de um pela jornada?
Conseguiu a paz que tanto almejava?

Não, não posso parar a leitura ainda
Eu, só(,) preciso continuar
vencer a preguiça, superar as barreiras de linguagem e contornar os deslizes gramaticais
Não há quem leia em voz alta por mim
e, por mim, assim está bom
é o que torna essa solitária tarefa mais bela
Se não fosse eu lendo, como poderia admirar as belezas da folha onde foi escrita
as manchas de caneta nas páginas
ou a força de cada ponto (.) e vírgula (,)?

E então, eu, só, e só eu
sentada na areia
olhando essas ondas que insistem em voltar
trazendo em suas espumas todos os medos escondidos nos locais mais fundos de meu mar

Aliterando, terei ali a certeza
A onda sempre vai voltar
mas eu talvez aprenda a nadar

O amor pode não se apresentar
mas terei presente, de presente,
a gloriosa, temível e crescente imensidão do meu - ah!- mar.

•••

(Arte por Rafaela Martinelli)

Era toda poesiaOnde histórias criam vida. Descubra agora