Senti meu corpo tremer quando ouvi aquelas palavras, porque eu sabia bem a conversa que teríamos. Mandei Sofia para o quarto, e disse à Callie que ela poderia falar, mesmo sabendo cada palavra que ela usaria. Ela começou:Arizona, eu sei que voltamos com nosso casamento há pouco tempo, e que iríamos na verdade recomeçar... Mas você sabe quanto eu quero uma família grande. Eu sonho em ter mais filhos, pelo menos mais um. Não me conformo com a perda que nós tivemos...
Eu tive que interromper:
Que nós tivemos, mas que eu passei sozinha, né? Afinal, você esqueceu da consulta, e eu tive que ficar ouvindo o silêncio de um feto sem vida dentro de mim, sozinha. Tive que tirar ele de dentro de mim, sozinha. Você não estava lá!
Ela suspirou. Callie sabia que esse assunto era sensível, até demais, para mim.
Olha, eu sei que errei. Tá bem? E que não importa quantas vezes eu me desculpe, você jamais vai esquecer disso, e eu não julgo nem culpo você. Mas... Por favor, sim? Eu não posso engravidar, você sabe... Vamos tentar mais uma vez?
Eu a encarei por algum tempo, não sei dizer quanto, mas foram longos minutos.
Não sei, Calliope. Não me sinto pronta para isso ainda. Eu preciso pensar.
Ela me olhou sabendo que não seria naquele momento que iria me convencer. Acho que ela não imaginou que tudo ainda estava tão marcado em mim, mas mesmo assim colocou um sorriso no rosto e fez mais uma tentativa:
Pensa bem, Ari. Uma criança igual a você, correndo pela casa. Imagina? Podemos escolher um doador parecido com o Mark, quem sabe Sofia tenha algum traço dele também quando crescer mais um pouco... Mas vocês são basicamente parecidos!
Ela já estava fazendo planos, e eu não estava nem certa se eu realmente iria embarcar nisso de novo. Olhei Callie, fiz um sinal negativo com a cabeça e sai, quando olhei para trás pude ver que ela estava chorando. Eu entendia ela, mas eu também tinha as minhas dores, e uma decisão impulsiva não seria boa para nenhuma de nós, nem para o nosso relacionamento. Nessa noite, eu fui para o quarto de hóspedes. Esse assunto realmente me trazia memórias tristes, e que eu não gostava de recordar... Durante alguns dias, Callie tentou insistir no assunto mais algumas vezes, mas eu sempre me retirava toda vez que ela começava. Eu tinha medo de passar por tudo aquilo outra vez: a expectativa, a alegria, e depois o aborto, a solidão e a tristeza. Acho que foi a pior sensação da minha vida, depois da morte do meu irmão e da perda da minha perna, claro. Além disso, depois do aborto, eu me afastei da Callie. O fato de ela não ter estado presente naquele momento quebrou algo entre nós, o que mais tarde acabou sendo um dos motivos que me levou a cometer o meu maior erro no casamento: a traição. Então, vocês conseguem entender o que estava se passando em minha mente, e todos os fantasmas e medos que eu estava precisando enfrentar, não é mesmo?
Quando ela falou comigo, era mais ou menos início julho. Já tínhamos a clínica pronta e eu já estava trabalhando lá; confesso que a ideia de ter um bebê, embora aterrorizante, mexia comigo. Sofia me ensinou muita coisa, desabrochou um lado meu que nem eu sabia que existia, e gerar uma criança poderia sim ser uma boa ideia. Mas óbvio que eu não concordaria de cara com Callie. Eu não queria expectativas sobre mim, nem sobre a gravidez. Primeiro, eu comecei a conversar com uma psicóloga que trabalhava conosco, e ela me ajudou muito. Depois de mais ou menos um mês, quando até mesmo Calliope parecia já ter se convencido de que não teríamos um segundo filho, eu comecei a fazer uma bateria de exames, para ver como estava de saúde. Fiz o tratamento hormonal, escolhi o doador, tudo em sigilo. Colhi os óvulos, eles foram fertilizados e implantados no final de agosto. Precisei de repouso, e dava desculpas para Callie de que tinha plantões, coisa que ela nunca duvidou. Ela realmente não desconfiou de nada!
No final de setembro, eu estava com o exame de sangue com o "POSITIVO" em mãos. Sim, de sangue, porque eu não fiz nem um de farmácia. Nada de expectativas, embora estivesse achando que estava sim grávida. Posso ter errado, mas não contei para Callie. Decidi que iria passar pelo período de risco sozinha, porque se algo acontecesse novamente, seria um assunto apenas meu, e eu não poderia responsabilizar mais ninguém. E a dor também seria apenas minha. Eu estava me cuidando ao máximo, e de todas as formas possíveis: suplemento alimentar, vitaminas, ultrassom semanal, poucas horas de cirurgias, e recusei sexo com Callie por três meses! Tivemos até algumas brigas por isso, porque ela não entendia o motivo de eu não querer nada com ela. Até que finalmente, no final de novembro, quando eu já tinha 90% de certeza de que nada aconteceria àquele bebê, eu chamei Callie na clínica, em uma sala de exames, onde eu estava com uma de nossas obstetras e mostrei nosso filho para ela... Tive que explicar umas três vezes o que estava acontecendo, Torres entrou em estado de choque. Hoje, lembrando, eu dou risada... Mas na hora eu confesso que fiquei um pouco preocupada que ela me deixasse viúva com duas crianças para criar. Callie passou a noite internada em observação, de tão grande que foi o susto.
Depois de todo esse medo inicial, a gestação foi muito tranquila. Só descobrimos que era outra menina no sexto mês, porque ela teimava em ficar sentada em todo ultrassom, e eu a princípio queria surpresa, então não fiz o teste de sexagem fetal... Mas ela resolveu se virar bem quando eu estava olhando para a tela, e imediatamente identifiquei nossa garotinha: Alice! Ela estava alí, crescendo bem e saudável dentro de mim.
Eu trabalhei até o último minuto, literalmente. A minha bolsa estourou dentro da sala de cirurgia, enquanto eu operava uma criança. Alice nasceu logo depois, de parto normal, no dia 02 de maio de 2016. Parecia um anjo, loirinha com lindos olhos azuis, iguais aos meus!
Callie e eu éramos as pessoas mais felizes que conhecíamos, e Sofia estava amando ter um bebê para cuidar. Uma "boneca viva", como ela costumava dizer. Nesse momento, toda insegurança que eu tinha havido ficado no passado, assim como todos problemas que nós duas já tínhamos passado.
Mas o passado sempre volta, ele não pode ficar esquecido por muito tempo...
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Dois Amores
FanfictionO que aconteceu com Arizona depois que ela foi embora de Seattle até os dias atuais? Como a história chegou até o que vocês acompanham diariamente nas redes sociais? Vocês pediram, e finalmente chegou a hora de conhecer a história de amor entre Ariz...