Ela o amava. Ele a amava também. E ainda, que essa coisa, o amor, fosse complicada demais para compreender e detalhar nas maneiras tortuosas como acontece, naquele momento em que acontecia dentro do sonho, era simples. Boa, fácil, assim era. Ela gostava de estar com ele, ele gostava de estar com ela. Isso era tudo. Mas entre um começo e um fim, sempre existe algo mais, sempre existe alguma coisa que insiste em ser o meio da história. No caso dela, havia o orgulho, no caso dele também. O amor nunca bastou a eles dois. O amor era sempre um problema. Ela não estava pronta. Ele não sabia o que era estar pronto. Por isso começaram a arrumar seus sentimentos. Começaram a guarda-los até o momento certo de vivê-los. Assim era mais fácil, pois quando alguém batesse à porta do coração, ele estaria pronto, sem aquela bagunça de sentimentos, mágoas passadas e lembranças. Talvez seja isso que tenha atrapalhado muita gente que se ama por aí, eles se permitem viver esse amor, sem, antes, limparem seus corações para recebe-lo. Quando isso acontece, vem as lembranças de amores antigos, vem as mágoas, feridas cicatrizadas, feridas não cicatrizadas, medos de novas decepções. Por isso, existe a insegurança, a desconfiança e a reluta em haver entrega. Mas ela se precavera antes, ela limpara seu coração, retirara toda bagunça, todo passado. Mas ainda assim, ela estava toda confusa, confusa de seus sentimentos, de seu desapego, de sua força, ela era confusão. No mesmo instante em que tinha certeza de algo, acabava por se perder em seus próprios pensamentos e não mais sabia o que fazer.
Mas ela também se transformara, e passou a ver as coisas de maneira diferente, passou a se permitir a paixões, alguns casos ao acaso. Alguns encontros, alguns pretextos, algumas situações. Nessas situações, ela passou a vê-lo, assim como ele passou a vê-la. Desprovido de começos formais, eles se começaram e se recomeçaram, se reinventaram, se refizeram. Já se começaram tantas vezes que se lembrara mais de como estava indo forte com a correnteza. Mas ainda não era suficiente. Faltava algo. Havia desencontros nesses encontros todos. E sempre havia desafetos. Mas algo sempre prevalecia. O querer. E quando se quer, tudo o mais é possível. Nesses desencontros, prevalecia o silêncio de ambos. Queria ligar pra ele, mas desistia; queria vê-lo, mas não queria ir até a casa nova, e mesmo quando ele ia até ela, fingia não se importar, fingia que não sentia saudades.
Relutava em se entregar na mesma intensidade em que desejava essa entrega. Relutava em confiar na mesma medida em que exigia confiança. Se negava ao amor se mostrando um pouco amarga, fechada. Mas sabe, quem hoje é muito amargo, um dia já foi muito doce. Tentava não se envolver, mas se envolvera; tentara não se prender, mas se prendera; agora, mesmo que deixasse tudo por um novo começo, como antes, sofreria tudo novamente, passaria pela névoa, pelos tormentos, pela saudade, por tudo, e nem ela sabe ao certo se suportaria. Às vezes mandava uma mensagem, mas se limitava a um "bom dia" ou "boa noite". Nunca deixava transparecer o que sentia, preferia esconder, preferia não dizer, afinal, acreditava que só é sincero o que não se diz. Para que seja verdadeiro, não se deve dizer, e sim, mostrar. Mas, mostrar era algo que também não fazia, não costumava demonstrar o que sentia, preferia a segurança de não se envolver, porque isso evitaria decepções.
Ela era assim, na verdade, isso era tudo o que ela era. Romântica, forte, mas também fraca; engraçada, amável, fria, mas também sensível; meiga, carinhosa e protetora. Mas também era frágil e vulnerável. Também sabia precisar. Só não gostava de demonstrar isso, gostava que a vissem como independente, uma mulher com uma barreira impenetrável, que conseguia mergulhar fundo em qualquer emoção e ainda assim, sair da mesma maneira que entrou, sem se molhar, sem se contaminar, sem levar nada pra si, sem deixar nada de si. Nem sei ao certo se ela não gostava de mostrar-se alguém tocável, talvez, ela nem soubesse como fazer isso, talvez nunca lhe passou pela cabeça que deveria aprender a se mostrar menos inalcançável, menos inatingível. Talvez ela nem imaginasse que passava essa imagem aos que a rodeavam. A única coisa que sabia, é que a todos que tocava, ela transformava, ela cativava, ela conquistava. Mas era preciso cuidado, nunca se sabe ao certo no que vai se transformar ao ser tocado por ela. Assim como nunca se sabe o que ela desejava transformar ao tocar alguém.
Tinha seus momentos. Em alguns, ela queria um carinho, em outros, ela queria desabafar, em outros queria apenas ouvir, e em outros momentos, queria apenas não se sentir sozinha. Queria apenas alguém para estar ao seu lado, sem dizer nada, sem dar conselho, sem pedir conselho. Sem dar explicações, sem ter motivos, ou razões. Queria apenas estar ali, com alguém, em silêncio, abraçados, sorrindo, ouvindo uma música ou vendo um filme. Seu "nada" podia significar "tudo", ou significar realmente nada. Seu "sim" podia ser um "não" disfarçado, assim como seu "não" podia ser um pedido, um "faça, por favor".
Tinha horas em que desejava arrumar toda essa bagunça que estava sua vida. Organizar seus pensamentos. Voltar a estipular prioridades, ter uma decisão e segui-la até o fim. Mas não conseguia, ora queria ir, ora não queria mais. Era como desejar um sorvete, mas não saber escolher o sabor. E a dúvida corroer tanto que se desiste de compra-lo. Isso era terrível. Podia deixar qualquer um angustiado, aflito, sofrendo. Mas ela não se sentia assim, pelo contrário, aprendera a lidar com suas imperfeições, com suas indecisões, com suas complicações. Mas depois da entrega, ela resolvera se resolver. Resolvera se decidir. Pobre menina, não sabia que aquela bagunça a protegia da crueldade do mundo, a protegia do mundo, a protegia da realidade, do amor traiçoeiro, ou de qualquer amor. Essa bagunça a protegeria para sempre, mas ela mudara, ela preferira se arrumar, arrumar sua vida, arrumar sua bagunça. Agora, quando deixou de ser uma menina complicada, passou a ser perfeita. E são, justamente, as pessoas perfeitas que o destino procurar dar rasteiras, são essas pessoas, que acreditam no "para sempre", sabendo que o "para sempre", sempre acaba. Linda menina, que sejas sempre assim, essa bagunça, essa complicação. Que sejas sempre esse enigma. Que ninguém possa entender-te, para que qualquer um possa te decifrar. Se revele apenas aquele que o revelou a ti primeiro. Enquanto fores esse tesouro bem enterrado, estarás segura. Enquanto fores essa caixa incontida dentro de si mesma, estarás a salva.
Que sejas uma caixa de emoções explosivas e momentâneas. Que saibas quando e quem se revelar. Mas não sejas uma caixa de pandora. Que sejas um enigma, mas não sejas um campo minado. Para que não firas a ninguém na tua jornada
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Complicada e Perfeitinha
Romance"[...]sou movida por momentos, posso gostar de você agora e te odiar daqui a pouco; mas espere, porque quando se trata de meu amor por você, o sentirei por um momento chamado eternamente."