Saí a procura do Symon. Fui até os confins de Hamartía, e absolutamente nada. Cheguei até a fronteira, onde quase fui pega pelos guardas na fuga. Naquele lugar parecia que o dia não chegava, apenas a noite. Depois de tanto andar me agachei proximo ao riacho que passava para beber um pouco de agua. Quando me agachei novamente vi a transparencia tornar-se vermelha. Havia sangue no riacho. Tentei saber a origem, nunca deveria ter feito aquilo. O corpo do Symon passava na minha frente, sendo levado pelas aguas. Jásper apareceu repentinamente atras de mim e segurou-me pelos braços.
- Tudo culpa sua, Alyah. Se voce tivesse casado comigo nada disso teria acontecido.
Comecei a gritar desesperada. Minha culpa? Não poderia me perdoar.
- Me solta, Jásper. Me deixe ir!
Quando abri os olhos vi o Nick na minha cama, tentando me conter.
-Calma, foi só um pesadelo.
Caí em mim, e desatei a chorar, como criança. Me agarrei no seu abraço e consegui me acalmar aos poucos. Aqueles pesadelos eram comuns desde que a Raquel foi presa. Era muito bom ter o Nicholas ao meu lado. Ele se dispôs a dormir na choupana por um tempo. A falta de noticias de Symon me deixava louca, passei dias e dias a procura dele e nada. No primeiro dia tentei criar trilhas partindo de onde eles tinham sido pegos. Periferia de Hamartia, digamos. E absolutamente nada. Meu coração se apertava, porque se ele estivesse vivo teria me procurado. Mas se não me procurou... Não gostava nem de pensar. Sentia falta de minha mãe, como sempre. Não nos comunicamos depois daquela carta. E pensar que agora Jásper nem estava na lista de problemas que teria para resolver. Raquel a qualquer momento poderia dar a luz.
Me levantei, preparei nosso café. Nick estava na varanda, com o pensamento longe. Ele havia se tornado tudo em tão pouco tempo. Quem nos visse de fora pensaria que eramos namorados, casados, ou algo do tipo. Particularmente não tive tempo para pensar nisso. A fuga, saudade, sobrevivencia,Raquel, e agora o Symon... tudo isso eram os alvos que tinha. Não sabia nada dele, nada alem do pouco que havia me contado assim que nos conhecemos. Já não conseguia me ver sem a presença dele. Nós viramos rotina. E essa rotina me ajudou a nao desmoronar. Sentei ao seu lado com duas canecas de café. Lhe entreguei uma, ele sorriu de canto. Parecia cansado.
- Nick... Quem é voce?
Seu suspiro me indicou que havia uma pesada historia por vir.
- Alyah, sou alguem que voce não devia confiar.
Assumo que me assustei um pouco, mas continuei escutando.
- É sério... eu sou uma pedra no caminho.
- Como assim? Voce tem me ajudado tanto... Como pode ser uma pedra? As pessoas te respeitam.
- Elas tem medo de mim, Lyah. Meu pai antes de morrer fez uma pessima imagem minha para as pessoas de Hamartia. Tenho um irmão, ou tinha... Ele era o preferido do meu pai. E eu talvez tivesse sido o preferido de minha mãe, mas ela morreu quando nasci. Acho que me tornei um pouco rebelde, e comecei a fazer coisas erradas, bobagens de criança, sabe... Mas com o tempo muita coisa aconteceu, e as criticas de meu pai ficaram piores. Eu tentei mudar, mas não via nada mais a mudar. Meu irmão se virou contra mim e fazia meu pai discutir comigo, depositar toda sua frustração em mim. Ele sumiu na vida, mas antes governou Hamartia por um tempo. Meu pai morreu de tristeza, cansaço, e eu acho que poderia fazer algo para mudar isso, mas nao fiz. Fui um pessimo filho, Alyah.
Me aproximei dele e o envolvi num abraço silencioso. Senti sua respiração se tornar ofegante e depois se acalmar aos poucos.
- Nick, eu não sabia que voce tinha passado por isso, e é notório que seu irmão se aproveitou da sua falta de confiança em si mesmo. Nick, esqueça esse passado, recomece, sempre há chance.
Seu olhar parecia ser como de uma criança.
- Lyah, voce com tantos problemas e eu contando os meus... Me perdoe, ta?
- Nick, voce tem sido meu porto seguro. Fico feliz em poder retribuir nem que seja apenas ouvindo.
Ele sorriu pra mim, aparentemente satisfeito. Aquele sorriso de fim de conversa.
- E então, onde vamos hoje?
Havia feito essa pergunta nas ultimas semanas, e nao obtive sucesso. Ja havia procurado em todo canto. Acho que chegou a hora de sair de Hamartia.
-Sair?
- Sim, Nick. Só me faltam algumas areas da fronteira. Vou aproveitar e atravessa-la. Já não há mais lugar para procurar o Symon - seu olhar mostrou insatisfação - E nao importa, eu sei que ele esta vivo em algum canto, deve estar machucado, ou com medo. Eu tenho que ir, Nick.
Seus olhos marejados da historia de vida que contou antes, agora me traziam aperto. Ele ficaria e eu iria. Eu nunca pensei sentir tanta falta dele. Eu e minha mania de apego rapido, amizade de uma vida e vinculos em um instante.
- Alyah, eu não posso ir com voce. E, eu não quero que voce vá. Desculpe meu egoismo.
Ele não olhava para mim. Temos uma certa covardia de olhar nos olhos quando mostramos a parte escondida de quem somos. Peguei sua mão e me apoiei no seu ombro.
- Também não quero ficar sem voce... Mas não me peça para escolher.
***
A unica pessoa que realmente me prendia em Hamartia não era Nick, por mais importante que ele tenha se tornado nos ultimos dias. Era Raquel e seu bebê. Ela ainda estava presa. Ajudava quando podia. Sem o Symon, o dinheiro ficou escasso. Nicholas sempre ajudava, mas não podia sobreviver disso, não depois que eu soube que a familia dele tinha posses e tudo mais.
Assumo que fiquei indecisa por um tempo. Consegui falar com algumas mães de familia, e elas disseram que ajudaria Raquel. Mas ao mesmo tempo queria eu mesma cuidar dela. Não da para abraçar o mundo inteiro, alguma coisa pode escapar, e talvez seja a unica que voce não deveria ter soltado.
Depois de uma luta interna decidi ir, antes escrevi um bilhete para o Nick. Preferi nao conversar pessoalmente. Peguei algumas roupas que juntei com o tempo, o Livro e alguma economia que ainda restava. Nick tinha saido e já era fim de tarde. Sairia pela manhã, quando ele estivesse dormindo, mas já que estava preparada e ele ainda não tinha chegado, aproveitei a oportunidade. Olhei para aquela casa, os detalhes, a lareira que me aqueceu, o sofá, a varanda... Conversas em memorias. Lagrimas em saudades. Respirei fundo e fechei a porta. Pensei que estivesse sonhando ou delirando quando ouvi um choro de bebê.
- Nick?
- É um menino. - ele sorria como se fosse pai do bebê que trazia no colo. E eu vi meus planos de ir embora descerem agua abaixo.

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Sobrenatural
AventureNão subestime o seu desejo de transformar o mundo. Pode ser que o seu mundo dependa disso para mudar. Um livro pode mudar o destino de uma pessoa? O de Alyah sim. Uma garota que vive num mundo perfeito demais. Atraves de suas indagaçoes ela chega a...