No mesmo dia à tarde, não restava nenhum resquício da neblina quando o cacique Dinoyé, seus guerreiros e o grupo capturado, chegaram à casa do Grande Chefe. Traziam o pequeno despojo do povo derrotado, e suas mulheres e crianças. Dinoyé vinha à frente do grupo em um cavalo e junto a ele, cavalgando outro animal, o filho. Em seguida vinham os cativos com as mãos amarradas, cercados por parte dos guerreiros. Outros guerreiros, também em seus cavalos, acompanhavam na parte externa do comboio, cuidando e vigiando possíveis ataques de retaliação. Mas estes não aconteceram. Na verdade, ninguém além deles mesmos sabia que o grupo tinha sido apanhado e que agora eram prisioneiros.
A aldeia do chefe Dinoyé e seu grupo, ficava no sopé de uma montanha, na Serra de Bodoquena. Ela era composta basicamente por uma casa que, embora bem grande, parecia muito simples, feita de capim e madeira. No entanto, o povo Eyiguayegi era conhecido por sua arte, e quem se aproximasse e entrasse na casa testemunharia a abundância e riqueza dos detalhes das cerâmicas, dos tecidos e das pinturas corporais do povo. Toda a família de sangue do grande chefe Dinoyé e os agregados moravam ali. O clã possuía ainda outras quatro aldeias no entre rios e na serra. Mas a aldeia com maior número de ocupantes era a de Dinoyé.
Conhecido pelo nome de Bonito, o local era exuberante. As águas dos rios, lagos e córregos que margeavam o território eram límpidas e claras. A diversidade das plantas, flores e dos animais silvestres e aquáticos impressionava. As lagoas e lagos, de águas azuis e transparentes, eram considerados mágicos e com poderes curadores. Havia um lago em especial que era considerado o principal, o Lago Azul, que ficava dentro de uma caverna que só os Eyiguayegi conheciam a entrada. Um lugar considerado sagrado ao povo.
Perto da casa grande, as roças produziam uma rica variedade de alimentos como mandioca, batatas, e mais de uma qualidade de milho. Os servos capturados de outras etnias e agregados ao povo, trabalhavam nas diversas funções: cozinhavam, serviam aos senhores, cuidavam das roças, dos animais. As mulheres, além do serviço braçal, eram usadas também para o aumento da população. Isso porque, na etnia, as mulheres de sangue nobre evitavam ter mais de um filho. Então, de forma não muito rara, as servas se tornavam segundas esposas para dar mais filhos à comunidade. Quando os filhos das servas nasciam, eles também eram agregados ao grupo, mas nunca seriam filhos de sangue. O cacique Dinoyé só tinha Nagalageti de filho de sangue e por isso mesmo o garoto era muito preservado. Principalmente porque a esposa do grande chefe não podia ter mais filhos.
Assim que os cavalos se aproximaram, o grupo de mulheres e crianças se achegaram para uma saudação. Dinoyé e o filho desceram do cavalo e os entregaram aos servos que conduziram os animais para o local onde seriam colocados, alimentados e cuidados. Os cavalos no clã eram preciosos. Cães latiam pulando nos homens, seus donos, a quem recebiam com alegria. As crianças, filhos de sangue ou não, se achegaram aos seus pais, sendo tratadas igualmente.
Enaagi (1), a mulher do cacique, com de cerca de cinquenta anos, veio recebê-los. Ela tinha o corpo todo coberto de tatuagens. Detalhes de um trabalho esmerado se destacavam no rosto, braços e pernas. Minúcias feitas com pintura preta, um trabalho requintado. Enaagi cobria parte do corpo com um pano listrado, bordado com símbolos que indicavam sua posição na comunidade. Todas as mulheres do clã possuíam tatuagens, mas as da mulher do chefe se destacavam nos ricos detalhes.
Uma menina de cerca de treze ou quatorze anos, com longos cabelos negros, e de uma beleza exuberante, se dirigiu a Nagalageti, o filho do grande chefe. Cacaia era a filha adolescente de um casal, vindos de uma outra aldeia Eyiguayegi. A família da garota era parente de sangue do cacique e há tempo morava com família de Dinoyé. A garota era prometida a Nagalageti desde o seu nascimento, conforme o costume da etnia. Todos na casa grande faziam gosto pelo casamento e acercavam o casal de cuidados e serviços.
Cacaia fez uma reverência ao filho do cacique. Nagalageti se voltou para a garota e tomou sua mão. Com alegria incontida a conduziu em direção aos fundos da casa grande. Caminharam em silêncio por uma vegetação rasteira e adentraram, em seguida, na mata fronteiriça. Havia uma trilha cercada e quase encoberta pelas árvores, cipós e folhas verdes. Nenhum dos dois disse nada. Ela sabia para onde iam. Na verdade, eles sempre iam ali quando Nagalageti se encontrava em casa. A trilha conduzia à uma caverna onde todos sabiam se encontrar um lago: o maravilhoso Lago Azul. A menina não resistiu a ele. Fora educada sabendo que era sua função aprender a ser a companheira ideal daquele que um dia seria o cacique do povo. E ela se sentia feliz com isso.
Notas
1. Nome que na língua do povo significa canção
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(Continua)

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Filhos do Pantanal
Ficción históricaSinopse Há muitos anos e muitos anos, numa terra localizada na fronteira de quatro países - Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai -, os acontecimentos dessa história se sucederam e culminaram na Grande Guerra, o maior morticínio ocorrido na América...